O roubo digital
Por Bráulio Tavares Em: 28/06/2012, às 21H14
[Bráulio Tavares]
Um artigo de Stuart P.  Green no New York Times (http://nyti.ms/KmnlTw) aborda a questão do  download não-autorizado de músicas, filmes e livros do ponto de vista do tipo de  transgressão que isso constitui.  Para Green, não se trata de furto ou roubo, e  esta é a questão crucial.  É um problema de nomenclatura, nada mais, mas dentro  do nosso sistema jurídico, e do nosso sistema informal de valores e conceitos, o  nome com que tratamos uma ação influencia e direciona nosso exame e nossas  decisões futuras.  Se já começamos uma discussão dizendo que a ação tal ou tal é  um roubo, vai ser difícil propor, depois, uma maneira de legalizar ou organizar  o modo como isso vai ser feito, já que é um “roubo”, uma palavra condenada de  antemão. 
Dois aspectos são  importantes: 1) ao contrário do roubo, o download não priva o proprietário  original de um objeto único que ele possuía e não possui mais; trata-se apenas  do ato de copiar o objeto e levar a cópia para si; 2) são poucas as pessoas,  entre as que fazem essas cópias, que se dariam o trabalho (ou teriam o dinheiro)  de comprar o objeto original que o “proprietário” supostamente está oferecendo à  venda.  Se as cópias se multiplicam gratuitamente, deve existir alguma maneira  de usar essa multiplicação para gerar um pequeno resíduo de renda que, acumulado  e multiplicado por milhões ou bilhões, crie um bolo a ser repartido entre os  produtores dos objetos culturais.  Ao invés de cobrar 20 reais por disco e  vender milhares, cobrar 1 centavo e vender milhões.  Ou cobrar um imposto único  e redistribuí-lo, proporcionalmente à contribuição de cada produtor cultural.  
Nosso conceito de  comércio cultural (livros, filmes, discos) foi criado em torno da idéia de que:  1) é caro e trabalhoso copiar uma obra; 2) quem tem essa despesa e esse trabalho  precisa ser recompensado por isso; 3) essa recompensa geralmente se dá através  do direito de explorar comercialmente essas cópias escassas e preciosas.  No  momento em que o item 1 perdeu o sentido, o resto começa a perder o sentido  também.  Precisamos agora achar um novo conceito de comércio, baseado na idéia  de que é facílimo e gratuito reproduzir cópias de livros, filmes e músicas.  Há  um oceano de cópias sendo trocadas, oferecidas e aproveitadas gratuitamente, e  não adianta considerar isso um roubo, porque daqui a alguns anos vamos chegar a  uma sociedade onde, como a Itaguaí de O Alienista de Machado de Assis,  99% da população estará presa e somente 1%  nas ruas.  Quando a vida real,  avaliada por um conceito, mostra 1% de regra e 99% de exceção, um dos dois  precisa ser substituído. É mais sensato substituir o conceito.
    
                                                        
