Notas sobre "Um clarão dentro da noite"

[João Pinto]

Ao amigo contista-juiz essas notas-de-rodapé, que escrevi sobre seu livro (Um clarão dentro da noite). Claro, na condição de leitor. Primeiro, vou comentar sem seguir à forma como o autor fez a divisão da obra. Talvez o tenha feito como gesto pedagógico para o leitor.

Nota 1: observe que as minhas notas começaram assim: ao abrir o livro, fiz a leitura do primeiro conto (Um clarão dentro da noite)que serve como título do livro. Por sinal, um título de imagem poética e criativa. Veio, em seguida, pelo celular, a primeira nota: amigo João Luiz, veja só por coincidência abri a coletânea Caçuá. E dei em cima do teu conto. Fiquei pasmo de como você trabalha bem o medo e o suspense nos integrantes de uma família com medo de o mundo acabar. O incrível que isso é demonstrar pelos tiques nervosos de alguns elementos da família. Amei o registro ao recuperar hábitos como o uso de lamparina, de machado para quebrar o protocolo da ira dos raios. Ler esse conto é viver a lindeza dos jogos simples das palavras e sentir a concisão do gênero em um mundo provinciano.

Nota 2: conto (Pelo retrovisor). A voz do narrador é de um menino. Um garoto que sai do interior e vem morar em Teresina. O conto fala do lazer da época: o cinema. Como narrador observador, o garoto expõe o ambiente da casa de um tio que tem ligação suspeita com uma cunhada, e seu afeto pelo motorista da casa, que dirige uma Rural. Observe que, à proporção que as leituras dos contos vão acontecendo, temas de família, brincadeiras lúdicas pela periferia da cidade entre os moleques, o rio Parnaíba e notícias de uma cidade quente com seus problemas urbanos vão tendo destaque pelo livro. Vale dizer que o uso da linguagem vem pelo lado coloquial. Mas o diferente nessa linguagem é o humor refinado, que o autor usa para o leitor rir como forma de denunciar social da cidade.
Nota 3: conto (Ela, o menino e as aventuras de Tarzan) trata da relação de assédio de uma prostituta com um menino, em um bar de um bordel. Por esse conto e outros no livro, o narrador conta casos e, ao fazer, recorre à intertextualidade com o cinema, os ídolos da época e a difusão dos quadrinhos. É uma riqueza como característica da obra que dialoga também com a literatura clássica,(Nos braços de Sheherazade, Heptagrama, etc) ou na música (Jim Morrison sobe aos céus).

Nota 4: Mr.Marlboro, conto onde o narrador narra a morte de um viciado. Sem ter cigarro ele se toca fogo. A narrativa é feita com humor, constrói um estilo referencial dentro da literária, às vezes sua arte de narrar em pequenos textos, os minicontos.

Nota 5: Contos (Anjo vingador) e (Folha seca). O contista deixa o conto de cenário de capital, de coisas domésticas de família, de textos que se complementam em outros textos(Intertextualidade)para construir contos com temas onde o pavor, o surreal, tipo gênero do fantástico, de personagens masoquistas, de elementos que ferem a sensibilidade humana. A demonstrar nessas histórias que algumas patologias dessas existem em nosso mundo real. Em O anjo vingador, de tema fantástico, conta a história de um serial killer que mata suas vitimas apenas diante da televisão, com uma arma, sentado numa poltrona da casa. Em Folha seca, é outro serial que usa um taco para os seus crimes. Um pouco diferente de o Anjo Vingador, seu cenário aqui é mais real e se dar à noite pelas ruas de Teresina. O alvo são as prostitutas e as pessoas noctívagas da cidade. É um personagem cruel, masoquista. O contista se supera na descrição, na formar de nos conduzir às vitimas e experimentar o masoquismo do seu personagem.

Nota 6: E, finalizando essas notas avulsas, a gente pula para o conto O corvo, que, no inicio de leitura, o leitor pensa que o contista volta ao tema do gênero do fantástico. Mas o corvo que se instala na cabeça de uma mulher e começa, gradativamente, a roer seu cérebro, é a grande metáfora, de um tema com preocupação sanitária no País, a doença do Alzheimer. Aí o narrador da historia, a própria mulher, fere o protocolo para contar os percalços dessa doença numa família.
Boa leitura esta de O Clarão dentro da noite, são contos de narrativas versáteis, feitas numa linguagem referencial, de puro prazer, onde sua arte de narrar se completa com o furor do humor entre as palavras.
Manaus, 24/03/2020