Baudelaire medita. No seu poema “Elevação” ele quer voar sobre pântanos e descampados, sobre o céu e o mar, sobre mesmo o sol, muito além do horizonte do visto no visível, para além das estrelas, para purificar-se de saber, para beber o licor do fogo do saber que ocupa os espaços que tudo permeia, nos vazios que  dão conta de tudo.
Mas a arte do poema está em sua excelente tradução, de Jamil Almansur Haddad.


Por sobre os pantanais, por sobre os descampados,
Por sobre o éter e o mar, por sobre o bosque e o monte,
E muito além do sol, muito além do horizonte,
Para além dos confins dos longes estrelados,

Meu espírito, vais, todos os céus te movem,
Como um bom nadador cais em delíquio na onda,
Sulcas alegremente a imensidão redonda,
Levado por volúpia indizível e jovem.

Bem longe deves voar destes miasmas tão baços;
Vai te purificar por um ar superior,
E bebe, como um puro e divino licor, 
O claro fogo que enche os límpidos espaços.

E por trás do pesar e dos tédios terrenos
Que gravam de seu peso a existência brumosa,
Feliz este que pode e de asa vigorosa
Lançar-se para os céus lúcidos e serenos!

Este cujo pensar, como a andorinha, muda
Para o céu da manha num vôo ascensional,
Que plana sobre a vida, a entender afinal
A linguagem da flor e da matéria muda! 


(Trad. Jamil Almansur Haddad)


Élévation

Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées,
Des montagnes, des bois, des nuages, des mers,
Par delà le soleil, par delà les éthers,
Par delà les confins des sphères étoilées,
Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l'onde,
Tu sillonnes gaiement l'immensité profonde
Avec une indicible et mâle volupté.
Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides;
Va te purifier dans l'air supérieur,
Et bois, comme une pure et divine liqueur,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides.
Derrière les ennuis et les vastes chagrins
Qui chargent de leur poids l'existence brumeuse,
Heureux celui qui peut d'une aile vigoureuse
S'élancer vers les champs lumineux et sereins;
Celui dont les pensers, comme des alouettes,
Vers les cieux le matin prennent un libre essor,
— Qui plane sur la vie, et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes!

Encontrei uma tradução que não diz de quem é, tradução apócrifa na Internet, muito boa e um pouco mais baudelaireana:

Por sobre os pantanais, os vales orvalhados,
As montanhas, os bosques, as nuvens, os mares,
Para além do íngneo sol e do éter que há nos ares,
Para além dos confins dos tetos estrelados,

Flutuas, meu espírito, ágil peregrino,
E, como um nadador que nas águas afunda,
Sulcas alegremente a imensidão profunda
Com um lascivo e fluido gozo masculino.

Vai mais, vai mais além do lodo repelente,
Vai te purificar onde o ar se faz mais fino,
E bebe, qual licor translúcido e divino,
O puro fogo que enche o espaço transparente.

Depois do tédio e dos desgostos e das penas
Que gravam com seu peso a vida dolorosa,
Feliz daquele a quem uma asa vigorosa
Pode lançar às várzeas claras e serenas;

Aquele que, ao pensar, qual pássaro veloz,
De manhã rumo aos céus liberto se distende,
Que paira sobre a vida e sem esforço entende
A linguagem da flor e das coisas sem voz!