FONTES IBIAPINA  X  DOSTOIÉVSKI

     Minha leitura mais necessária hoje é de autores piauienses.   A literatura daqui precisa mais de mim. Nasci no Piauí e aqui vivo. É ela que me representa melhor, me toca mais fundo. Reconheço a importância de grandes escritores brasileiros e autores de outros países, como Machado, Graciliano, Eça, Flaubert, Dostoiévski e tantos outros. Leio-os e os aprecio também.

Mas eles não precisam de meu elogio. Já são incensados demais por outros leitores, críticos,  teóricos de literatura e festas literárias como a Flip. Numa das edições desta, um escritor famoso internacionalmente falou com pouca gente, apenas leu um texto, pegou sua grana e foi embora. Tomem! Eu acho é pouco! Pagar milhares de dólares a um cara para ele vir ao Brasil e ler um texto! Quanto colonialismo!

     Reconheço também que a literatura do Piauí não se iguala à grande literatura de alguns países desenvolvidos e que existe há mais de 600 anos. A nossa não tem sequer 200. É pequena e tem poucas obras de valor estético admirável. No entanto não custa lembrar que, lá nas nações ricas, há também livros ruins. Há afirmações ridículas como a de Jean Paul Sartre segundo a qual a liberdade é um fardo muito pesado, uma condenação. Ou ainda como a de Camus que diz que o único problema realmente sério é o do suicídio. Na verdade, o único problema realmente sério é o do sofrimento humano, como já demonstrou Ariano Suassuna, baseado em versos do poeta popular Leandro Gomes de Barros.

     Ora, assim como o autor de Auto da compadecida refutou Camus com base num poeta de cordel, eu quero refutar dois personagens de Dostoiévski com base em dois personagens de um autor piauiense. Em Os irmãos Karamázovi, o personagem Dimitri, conversando com seu mano Aliocha sobre seu amor por uma prostituta, diz isto: “Casarei com ela, se ela me quiser; quando seus amantes chegarem, passarei para o quarto vizinho. Estarei lá para engraxar os sapatos deles, aquecer o samovar, levar recados...” ( Os irmãos Karamázovi – Abril Cultural – 1971 – página 95.). Aliocha nada diz contra essa ignomínia.

     Agora vejamos este trecho do romance Palha de Arroz, de Fontes Ibiapina, em que o personagem Parente fala com seu filho Antonino, ao descobrir que este estava levando uma carta de um padre para a amante: “Leva-e-traz entre amantes, meu filho, fica pra cabra safado. Homem que tem vergonha não se presta pra tocar trombone. Você é pobre. Mas eu quero que Você seja um homem de peso e medida. Seja a primeira e última vez.” (Palha de Arroz – Livraria e editora Corisco – 2002 – página 107.).

     Além de dar esse ensinamento ao filho, Parente joga a carta fora. É uma atitude correta e digna de um verdadeiro pai.

     Alguém pode argumentar que a degradação de Dimitri é proposital, é exatamente para mostrar a lama em que ele está se lambuzando cada vez mais. Tudo bem. Mas por que Aliocha se omitiu e não repreendeu seu irmão duramente? Por que não pediu que ele não se rebaixasse tanto? Logo ele, Aliocha, um monge cristão, um moralista, o único dos três irmãos que é humanista, coerente e bondoso. Quem, em sã consciência, vendo um irmão seu se degradando tão horrivelmente, não reclama?

     São quatro personagens em ação nos dois trechos acima transcritos. Compreendo que algumas pessoas podem se identificar mais com os russos. Eu me identifico mais com o piauiense Parente.