Igreja de São Tomé de Prozelos
Igreja de São Tomé de Prozelos

Reginaldo Miranda[1]

 

Os Rebelo[2] de Sepúlveda são velhos moradores do extinto concelho de Entre Homem e Cávado, hoje denominado Amares, no Arcebispado de Braga, ao norte de Portugal. Existem registros de protagonistas dessa família naquele concelho desde pelo menos quinhentos anos, o que coincide com o chamado Descobrimento do Brasil, pela esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral. Foi iniciante dessa geração naquele concelho João de Sepúlveda, casado com dona Ana de Basto, filha de Pedro de Basto, juiz de órfãos de Entre Homem e Cávado, e morador em São Lourenço de Navarra, Braga. Esse casal pioneiro deixou seis filhos, cuja geração se multiplicou durante esses cinco séculos, a saber: 1. Antônio de Sepúlveda, foi casado com Martha Rebelo; 2. Manoel de Sepúlveda, cônego em Valença do Minho (1566); 3. Balthazar de Sepúlveda (batizado em 29.1.1540); 4. Policena de Basto (batizada em 21.9.1543), foi casada com Gonçalo Pires; 5. Gaspar de Sepúlveda (batizado em 2.2.1546); e, 6. Maria de Sepúlveda (batizada em 4.4.1553), foi casada com Diogo Fernandes[3].

Antônio de Sepúlveda e Martha Rebelo, são genitores de três filhos, dentre esses Martha Rebelo,  moça, que foi casada com Pedro Vilela; esses últimos são genitores de Sebastiana Rebelo de Sepúlveda, casada com Manuel de Araújo; foram genitores de Antônio de Sepúlveda Rebelo, natural da freguesia de São Paio de Besteiros, do dito concelho, que gerou três filhos com Ana Garcia, solteira, tecedeira, filha de Antônio Garcia, naturais do lugar do Pedregal, da freguesia de São Tomé de Prozelo, tudo do dito concelho de Entre Homem e Cávado.

Um desses filhos foi batizado[4] em 20 de novembro de 1660 com o nome de Alexandre Rebelo de Sepúlveda, nascido nesse mesmo ano[5], na freguesia de São Tomé de Prozelo, concelho de Entre Homem e Cávado, comarca de Viana do Minho. O tempo de seu nascimento coincidiu com a descoberta de novos campos de criar nos vales ribeirinhos do Piauí e implantação das primeiras fazendas. Essa notícia corria por todo o reino atiçando a cobiça de jovens sonhadores para virem tentar a vida na nova conquista. Certamente, de sua vila natal vieram alguns. Mal completa a maioridade também ele se arrisca na travessia do oceano trazendo suas pequenas economias e uma vontade imensa de vencer. Aqui chegando, por volta de 1680, alista-se em um regimento militar e faz-se rendeiro da Casa da Torre, lançando-se de corpo e alma no trabalho árduo. Em 3 de março de 1697, quando dar sua contribuição e comparece à reunião fundadora da freguesia de N. Sra. da Vitória do Brejo do Mocha do Sertão do Piauí, já envergava a patente de capitão de infantaria e um vultoso patrimônio constituído por muitas cabeças de gado vacum e cavalar situados na fazenda Boqueirão, no vale do rio Guaribas, afluente do Itaim. Ali vivia com uma cabocla sertaneja com quem não tivera filhos, depois mudaria para a fazenda da Lagoa. Na lida da fazenda era auxiliado pelo vaqueiro João de Sousa e dois negros escravos, que residiam em casas vizinhas.

Em seguida, com o aumento do rebanho o capitão Alexandre Rebelo de Sepúlveda vai expandindo suas ações com a fundação de novas fazendas, a saber: na ribeira do Sambito, funda as fazendas da Lagoa, com seis léguas de comprimento e uma de largura; e Sambito, com quatro léguas de comprimento, e duas de largura; na ribeira do Itaim, funda o Sobrado, com sete léguas de comprimento e duas de largura; e Pedra d’Água, com três léguas de comprido e outro tanto de largo; no riacho do Gentio, funda a fazenda Canabrava, com três léguas de comprimento e outro tanto de largura; Boa Esperança, com três léguas de comprido e outro tanto de largo; e Capivara, com légua e meia de comprimento e duas de largura; no riacho da Salgadinha, funda a fazenda chamada a Serra, com quatro léguas de comprimento e três de largura; e Boa Vista, com quatro léguas de comprimento e três de largura. De todas esssas fazendas pagava renda anual aos sesmeiros Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra, assim como aos seus sucessores.

Portanto, são dez fazendas por ele fundadas, prova de que não viera para brincar e de que fora bem sucedido em seus empreendimentos. Mas o valor da fazenda não estava na terra em si e sim no que ela podia produzir de riqueza, sobretudo nas boiadas de gado vacum e manadas de cavalar que produzia durante o ano para serem vendidas nas feiras da Bahia e Pernambuco. E Alexandre Rebelo de Sepúlveda foi um dos mais bem sucedidos nesse empreendimento em nossa terra por aqueles dias. Fez-se abastado criando imensas boiadas de gado curraleiro pé-duro, cujas crias eram vendidas anualmente. Também criava bastante cavalaria, muito vendável naquele tempo em face da atividade pecuária, sendo o cavalo indispensável para a ação do vaqueiro. No Sertão de Dentro, vaqueiro e cavalo se integraram de forma espetacular, relembrando a lenda do centauro, em que um não existia sem o outro. O vaqueiro com sua vestimenta de couro, montado no cavalo dócil, de porte diminuto e ágil, oriundo da Península Ibérica, tornou-se forte e resistente, verdadeiro Centauro das Américas, assim vencendo grandes distâncias no pastoreio da boiada. Por fim, esse cavalo lusitano trazido das ilhas da Madeira e das Canárias, desde 1534, certamente cruzado com raças do norte da África, durante os séculos seguintes se reproduzindo na aridez do sertão, gerou uma raça leve, forte, de porte médio, casco duro, musculatura bem definida, cabeça pequena e perfil retilíneo, chamada cavalo nordestino. E nossos primeiros colonizadores, inclusive os fundadores de fazendas do Piauí, foram personagens importantes também na fundação dessas primeiras raças de animais hoje ditas nativas, seja de bovinos, cavalares, asininos, ovinos e caprinos. Um esses foi o capitão Alexandre Rebelo de Sepúlveda.

Em seus testemaneto declarou possuir 25.100 cabeças de gado vacum[6], avaliadas a dois mil e quinhentos réis cada,imporando na soma de sessenta e dois contos e setecentos  e cinquenta mil réis; 220 cavalos a vinte e cinco mil réis cada, importando em cinco contos e seiscentos mil réis; 600 éguas avaliada a dez mil réis cada uma, importando em seis contos; 29 escravos machos, a cento e cinquenta  mil réis cada um, importando em quatro contos e duzentos mil réis; finaliza dizendo que tudo, ou seja, éguas, cavalos, gado e escravos totalizavam a importância de cento e noventa e seis mil cruzados, e trezentos mil réis, salvo a melhor conta. Observe-se que a terra não entra na avaliação de seu patrimônio, porque pertencia aos sesmeiros sendo ele e os demais criadores do Piauí, apenas posseiros/rendeiros. Curioso que um escravo valia seis cavalos; e um cavalo equivalia a dez bois, sendo essa a mercadoria mais desvalorizada; mesmo uma égua equivalia em preço a quatro bois.

Mais tarde, o capitão Sepúlveda alcançou a patente de coronel de cavalaria de um de nossos regimentos. Com essa patente prestou relevantes serviços ao Piauí, sendo encarregado por ordem real em 18 de novembro de 1718, para abrir uma nova estrada para condução dos gados do Piauí para a cidade da Bahia, iniciando pelos campos do piauí e descendo pela vale do Pontal até alcançar o rio São Francisco, no que se houve  com zelo e competência.

Faleceu o coronel Alexandre Rebelo de Sepúlveda, no ano de 1725, em sua fazenda da Lagoa, onde residia, então situada no termo da vila da Mocha, não deixando filhos. Em testamento[7] instituiu como seu herdeiro um sobrinho que mandara buscar em sua terra natal, por nome Antônio Rebelo de Sepúlveda. Também deixou em seu testamento o valor de cinquenta mil cruzados para se fundar uma capela na freguesia de São Tomé de Prozelo, onde nascera, sendo dez para construí-la e quarenta mil cruzados para a sua conservação e perpetuidade. Para administrador da referida capela instituiu no reino, Alexandre Rebelo de Sepúlveda, seu sobrinho homônimo, que permaneceu morando na localidade. Segundo foi instituído no testamento, o sobrinho Antônio Rebelo de Sepúlveda, que ficara como administrador das fazendas, deveria cumprir todas as suas disposições testamentárias no prazo de dezoito anos. No entanto, em 1780, depois de passados 55 anos da morte do testamenteiro um Manoel Ferreira de Lima, dizendo-se filho desse segundo Alexandre Rebelo de Sepúlveda, sobrinho, denuncia que seu primo testamentário faleceu sem cumprir integralmente as disposições do testamenteiro, e “também não as cumpriu seu filho José Alves Brandão, (que) os está possuindo e desfrutando indevidamente como fazia o dito seu pai sem fazer a dita remessa na forma disposta no dito testamento, seguindo-se disto um dano gravíssimo na falta da satisfação das obras pias que aquele testador determinou perpétuas sem se verificarem por omissão e negligência, fazendo-se senhor dos bens da testamentaria sem se cumprirem as obrigações com que foram legados para o que tem concorrido o menos zelo, falta de temor de Deus”[8].

Portanto, depois de mais de meio século de sua morte a família colateral ainda brigava pelo usufruto de seus bens. Mas de fato, quem deles usufruiu foi o referido sobrinho por ele mandado buscar na terra natal Antônio Rebelo de Sepúlveda, sargento-mor da vila da Mocha. Além de administrar e usufruir de suas dez fazendas ele também seguiu os passos do tio e mentor, fundando quatro fazendas naqueles mesmos vales ribeirinhos: no riacho das Mamonas, povoou duas fazendas, sendo uma com o mesmo nome do riacho e outra com o nome de Caldeirão, a primeira medindo quatro léguas de comprimento e três de largura e a segunda medindo três léguas de comprido e outro tanto de largo; no riacho do Gentio, possuía a fazenda denominada Curimatá, medindo três léguas de comprimento e duas de largura; por fim, na ribeira do Sambito, comprou a Antônio Fernandes Moreno a roça no lugar denominado o Buraco, medindo cinquenta braças de comprimento e vinte de largura. De todas essas fazendas, assim como da testamentaria, possuía datas de sesmaria que careciam de confirmação. No início de 1748, ou ano anterior, requereu a confirmação de algumas sesmarias, que povoara há mais de quarenta anos, por si e por seu tio, nas ribeiras do Itaim, Guaribas e Sambito[9].

Antônio Rebelo de Sepúlveda, sargento-mor da vila da Mocha, era também natural da freguesia de São Thomé de Prozelo, filho de José Álvares Carneiro, natural da freguesia de São Pedro de Portella, e de Sebastiana Rebelo de Sepúlveda, natural da freguesia de São Thomé de Prozelo. Neto paterno de Antônio Álvares, natural da freguesia de Gualtar, Arcebispado de Braga e de Ana Pereira, natural da referida freguesia de São Pedro de Portella. Neto materno de Antônio de Sepúlveda Rebelo, natural da freguesia de São Paio de Besteiros e de Ana Garcia, solteira, natural do lugar do Pedregal, da freguesia de Prozelo, tudo do dito concelho.

Rico e poderoso, administrando um patrimônio em torno de 180 mil cruzados, aí incluído o seu e maior parte do espólio de seu falecido tio, em 1730 o sargento-mor Antônio Rebelo de Sepúlveda pleiteou ser Familiar do Santo Ofício. Em junho daquele ano, algumas testemunhas ligadas ao Piauí, foram ouvidas em São Luiz do Maranhão, atestando, em síntese, que o pretendente era pessoa de bom procedimento, vida e costumes, capaz de ser encarregado de negócio de importância e segredo; que vivia de suas fazendas e da venda de boiadas e cavalarias, tendo bastante cabedal; que teria àquele tempo cerca de trinta e cinco anos de idade, sendo solteiro e sem filhos; sabia ler e escrever; que falecendo o seu tio, coronel Alexandre Rebelo Sepúlveda, no Piauí, o deixara por herdeiro e testamenteiro com algumas pensões no seu testamento; por fim, que era homem rico e dos que tinha mais cabedais no sertão aonde assistia.

No entanto, o processo encalhou inconcluso porque as testemunhas ouvidas em sua terra natal, declararam dois óbices à sua pretensão. A primeira foi de que ele, ainda jovem e antes de mudar para o Brasil, para onde passara há muitos anos, exercera na freguesia de Prozelo, a profissão de pedreiro, da qual também vivia o seu genitor, José Álvares Carneiro, por alcunha o Velho, na freguesia de Portela (por esses depoimentos ficamos sabendo que seu pai veio anos depois para sua companhia no Brasil, onde faleceu); para complicar, essas testemunhas muito bem informadas, também acrescentaram que sua mãe Sebastiana Rebelo, assistiu na mesma freguesia onde exerceu  o ofício de tecedeira; e do avô paterno não sabiam notícia na freguesia de Gualtar, donde era natural, mas na freguesia de São Pedro da Portella, para onde foi, exerceu o ofício de sapateiro e depois de almocreve; e sua avó o de vender víveres e pescados; do avô materno não descobriram o ofício, porém, a avó materna era tecedeira, e fora sempre tida como filha de um Antônio Garcia. Conforme se sabe, o exercício dessas profissões manuais era óbice à obtenção desses privilégios. No entanto, o mais grave que pesou sobre o pretendente foi a infâmia de cristão novo por parte de sua mãe Sebastiana Rebelo de Sepúlveda, segundo disseram, à viva voz, as testemunhas ouvidas em São Thomé de Portela[10].

Em face dessas informações, esse sargento-mor da Mocha abandonou de vez a pretensão ao Santo Ofício e foi cuidar exclusivamente de suas boiadas e de sua atividade militar. Logo mais, casou-se com dona Catarina de Mendonça Brandão, gerando grande descendência[11].

Com essas notas homenageamos dois dos principias fundadores de fazendas no Piauí, o coronel Alexandre Rebelo de Sepúlveda e seu sobrinho Antônio Rebelo de Sepúlveda, cuja ação integrada ajudou a consolidar a posição do Piauí, como celeiro de gado no norte da colônia.

 

 


[1] Advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

[2] Também se escreve Rabelo de Sepúlveda.

[3] GONÇALVES, Antônio. Braga, os Sepúlveda’s. In: blog Heróis do Homem e Cávado.

[4] Foram padrinhos Alexandre de Andrade Rebelo e Izabel, solteira, filha de Ana Dias. Possuía uma irmã, Sebastiana Rebelo de Sepúlveda, batizada em março de 1656, casada em 23.6.1680, com José Álvares, de cujo consórcio nasceram os filhos Alexandre (bat. 6.12.1690) e Isabel (bat. 29.6.1692); esta última também foi agraciada no testamento do tio Alexandre Rabelo de Sepúlveda com o dote na quantia de três mil cruzados,para casar ou ser freira, falecendo sem receber o legado, que foi insistentemente cobrado pelso filhos Marta da Costa (nasc. 16.10.1712), Bento Rebelo da Silva (nasc. 20.5.1719) e Paulo Rebelo (nasc. 17.10.1721).

[5] Nascido numa freguesia com pároco permanente, as crianças eram batizadas pouco depois de seu nascimento.

[6] Inobstante indicar possuir 25.100 cabeças de gado vacum, discrimina no mesmo testamento possuir na capitania do Piauí o seguinte rebanho bovino distribuído em 8 fazendas: Sambito, 3000 cabeças; Alagoas, 3.200; Boqueirão, 3.000; Pedra d’Água, 1.600; Sobrado, 3.200; Boa Vista, 3.100; Boa Esperança, 3.200; e Canabrava, 600; além de lhe deverem mais 2.000 cabeças de gado vacum, na capitania do Piauí, por conta dos anos em que foi dizimeiro, assim como de outras mais dívidas. Como essa conta fecha 22.900 cabeças de gado vacum na capitania do Piauí, deduz-se que o restante no importe de 2.200 cabeças, estava em negócios fora de nossa capitania (PT/TT/JIM-JJU/002/0103/00005. Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina, Justificações Ultramarinas, Brasil, mç. 103, n.º 5).

[7] Nomeou por administradores testamenteiros o sobrinho Antônio Rebelo de Sepúlveda, Mathias Rebelo e o padre Thomé de Carvalho e Silva, todos moradores no termo da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras; na cidade  da Bahia, a Domingos Aranha da Silva e João Carnoto Vilas Boas; na freguesia de São Thomé de Prozelos, ao sobrinho Alexandre Rebelo de Sepúlveda e ao primo Thomé Rebelo de Sepúlveda; nomeou por procuradores na cidade do Porto, a Bento Aranha de Araújo e Miguel de Afonseca e Silva; na cidade de Braga, a Simão Álvaro (PT/TT/JIM-JJU/002/0103/00005. Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina, Justificações Ultramarinas, Brasil, mç. 103, n.º 5).

[8] AHU. ACL. CU 016. Cx. 13. D. 775.

[9] AHU. ACL. CU 016. Cx 4. D. 287.

[10] PT/TT/TSO-CG/A/008-002/697. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 697.

[11] Filhos: Atanásio Rebelo de Sepúlveda, Manoel de Cerqueira Brandão, José Alves Brandão, Antônia Luísa de Mendonça Brandão e Mariana Francisca de Mendonça e Brandão (A informação desses filhos e da genitora foi fornecida por Leonardo Costa, que vem fazendo excelente pesquisa em fontes primárias sobre as famílias piauienses e publicando no site Geni).