Sérgio Rodrigues

Entre todas as histórias possíveis, certamente já terá acontecido alguma como esta.

Um rapaz de dezessete anos, viciado em drogas (já chegou a roubar e prostituir-se para comprá-las) e com pretensões rimbaudianas a poeta maldito, tem um ciúme doentio da mãe divorciada, principalmente de um caso que ele desconfia que ela mantém com um homem muito mais jovem. Uma noite, a vê chegar em casa parecendo ligeiramente alegre de bebida, e com ares de quem veio de um encontro amoroso, usando uma blusa decotada e saia justa. Enquanto ela se despe em seu quarto, ele ali entra, abruptamente, vestido apenas com uma bermuda, e observa o sutiã vermelho e a calcinha preta que ela usa.

– Isso é roupa de vagabunda.

– Não fala assim da sua mãe.

Ele puxa o corpo dela para si e o aperta:

– Quem sabe você faz comigo também?

E já que a seção entrou definitivamente na era do conto, aí vai o início do espantoso Um conto nefando?, um dos mais surpreendentes do excelente “O vôo da madrugada” (Companhia das Letras, 2003), de Sérgio Sant’Anna.