Dílson Lages Monteiro – da Academia Piauiense de Letras

Para que são feitos os livros? Acreditamos, quase sempre, que eles existem para compartilhar valores universais superiores, para despertar emoções únicas, para registrar marcas de paisagens, espaços, tipos humanos. Livros para nos encher de informações novas... Independentemente do sentido que os escritos impressos e reunidos em brochura tenham, para autores e leitores, no fundo é sua dimensão existencial o que verdadeiramente conta. Há obras geradas especialmente para marcar a existência: “Aqui estamos: este é o sentido de nosso viver, materializado em ideias, fatos, sentimentos, enfim, vivências”.

Por isso, escreveu tão sabiamente Alberto Manguel no clássico “O leitor como metáfora: o viajante, a torre e a traça”:

“O livro é muitas coisas. Como um repositório de memória, um meio de transcender os limites do tempo e do espaço, um local para reflexão e criatividade, um arquivo da nossa experiência e da dos outros, uma fonte de iluminação, felicidade e, às vezes, consolo, uma crônica de eventos passados, presentes e futuros, um espelho, uma companhia, um professor, uma invocação dos mortos, um divertimento, o livro em suas várias encarnações, da placa de barro à página eletrônica, tem servido há bastante tempo como metáfora para muitos de nossos conceitos e realizações essenciais” (2017:148).

 Para Francisco Viana, geográfo e funcionário público, em “Caminhos da vida e da natureza”, o livro adquire todos esses significados. Especialmente, o de expressão das razões existenciais que construíram e constroem sua identidade no campo profissional, afetivo, familiar. A identidade em torno da qual moldou os laços comunitários, sobre os quais vai tecendo o modo de enxergar a vida, de escrever a respeito de tudo aquilo que se apresenta como especial, porque útil, verdadeiro, edificante, mas principalmente porque terno. Assim é que escreve um conjunto de textos cuja marca principal, além, claro, do sentido de viver, e bem, o tempo presente, o seu tempo, assinala-se pelo evidente carinho que brota das escolhas temáticas e do modo de dizê-las, sobretudo.

Inicialmente, a ternura, fio de unidade de todo o livro, em cujo léxico logo o leitor perspicaz percebe, desdobra-se no sentimento telúrico. Em poemas populares, relatos, minicrônicas e frases de efeito vai traduzindo, ou intentando fazê-lo, a voz coletiva da gente nordestina sobre o pensar em temas tão caros a si ou à modernidade. Em sua escritura, a preocupação com os mananciais hídricos ganha força e cativa a atenção do autor, que ressalta a importância deles para a identidade local e para a existência humana, em vários textos de matiz e gêneros textuais diversos.

Esse percurso se mantém na segunda e na terceira partes do livro. A terra associa o sentimento de preservação e conhecimento de nossas riquezas materiais ao de amor, ora à figura materna propriamente dita, ora a outros entes familiares por quem nutre afetos parecidos, ora a outros temas. Ao tempo em que experimenta, por exemplo, as reflexões de fundo ecológico, volta-se para as raízes maternas na antiga Valença do Piauí, ponto de partida para percorrer a memória familiar a que se confunde a memória de objetos, que, por meio da escrita fragmentada intencionalmente, relacionam-se (a memória e objetos evocados) à intenção de sublimar a efemeridade do tempo, esse algoz que a quase tudo devora e sepulta. Conserva o autor, pois, a convicção de que a linguagem suplanta a condição de fugacidade do presente e, espontânea e gradativamente, em linguagem fragmentada propositalmente, também, tece relações que fazem o texto nos pôr em diálogo com nossa condição individual diante dos temas e relações que formula.

Livro é, como lembra Manguel, metáfora ao que de mais valioso carregamos em nós. Francisco Viana consegue traduzir isso, em textos curtos e fragmentados, que, ao serem relacionados, formulam associações agradáveis. Além disso, representando ainda o ethos que é o da gente piauiense, em linguagem simples, carregada do sentimento de valorização ao que de mais expressivo trazemos em cada um de nós: o amor pela natureza e pela família; a lembrança de todos os tempos em um único tempo, o da memória sempre presente de tudo que em nós é essencial. Por isso, sentimento e ternura se somam e se confundem e dão a esses textos um valor aprazível a que os lê.