Ver o invisível
Por Bráulio Tavares Em: 02/07/2010, às 12H08
 Bráulio Tavares
No seu famoso romance O Homem Invisível (1897), H.  G. Wells conta a história de um cientista que descobriu uma maneira de reduzir  de tal modo o índice de refração e reflexão da luz num objeto material que os  raios luminosos passam através dele sem sofrer alteração; isso faz com que o  objeto continue existindo ali, sólido, concreto, perceptível ao tato – mas  invisível. Claro que uma das primeiras coisas que Griffin, o cientista, acaba  fazendo é submeter o próprio corpo a esse processo e ficar invisível também. Por  conveniências narrativas, ele sofre uma série de contratempos e não consegue  reverter o processo. Continua invisível, mas aí não consegue mais se relacionar  com ninguém, porque as pessoas se apavoram diante daquela “Voz” sem corpo. O que  faz Griffin, para poder andar na rua, fazer compras, relacionar-se com o mundo?  Veste roupas, usa luvas, põe um nariz artificial, barbas postiças, óculos,  peruca, chapéu. De nada lhe serve ser invisível. Para poder viver normalmente,  ele precisa cobrir-se de acessórios visíveis.
Jorge Luís Borges, um  grande admirador de Wells, elogiava nos livros deste, mais do que as mensagens  humanistas ou a crítica social, a infinita plasticidade dos símbolos que  utilizava. Para Borges, o homem invisível é uma metáfora da solidão, da  invisibilidade que todos nós experimentamos em algum momento da vida. Existe  alguém mais invisível do que um sujeito tímido num restaurante cheio? Ele acena  para os garçons, que só faltam mesmo passar através dele, cruzam por ele com o  olhar perdido lá adiante, sem perceber suas tentativas náufragas de fazer  contato. Existe alguém mais invisível do que um sujeito sem crachá diante de um  segurança? Existe alguém mais invisível do que um sujeito mal vestido, do que um  mendigo?
A invisibilidade de Griffin pode servir também como metáfora  para o Mito. O Mito é uma narrativa que satisfaz uma necessidade profunda das  sociedades humanas. As pessoas têm uma carência de que algo aconteça no presente  ou tenha acontecido no passado. Essa necessidade é algo sem nome e sem forma,  mas é poderosa e real, embora invisível. Para satisfazê-la precisamos recobri-la  com coisas visíveis, que são as histórias que contamos, histórias que adquirem a  forma dessa necessidade: o mito de Édipo, o mito de Caim e Abel, o mito de Dom  Sebastião. Cada uma delas é a vestimenta de algo invisível.
Outra  implicação da história de Wells é a relação entre o Inconsciente e suas  manifestações conscientes. O Inconsciente, por definição, é invisível. Existe  mas não pode ser percebido, ou melhor, só pode ser percebido através de suas  interferências em nossa mente consciente, interferências que Freud identificou  nos sonhos, atos falhos, traumas, fantasias, etc. Assim como o homem invisível  precisava de cobrir de elementos visíveis para mostrar onde estava, o  Inconsciente precisa cobrir-se de reações conscientes para indicar o que quer.
        

                                                        