Todos os meses recebo em casa, pelo correio, um envelope pequeno, discreto, contendo um recorte. O recorte traz uma crônica de Lólio Lourenço de Oliveira, sociólogo, escritor e morador de Alphaville (Barueri, São Paulo). São notícias do Lólio, exímio tradutor, cultivador de palavras exatas, cuidadoso amigo da linguagem.

Suas crônicas são publicadas mensalmente na coluna “Outras Palavras” do Alphanews. Ele me envia um recorte sem mais palavras, sabendo que vou ler e guardar. E que provavelmente não vou responder, pois não respondo há séculos.

Também há séculos foi o nosso encontro, quando o visitei em sua casa para falar sobre literatura, traduções, textos, palavras. Também há séculos, por conta de tantas contrariedades que me conduziram por novos caminhos, não mais falei com Lólio. Não por nada: distâncias que se acentuam sem motivo. Por isso escrevo esta crônica que, ao ser publicada, vou recortar e enviar para o amigo cronista.

Lólio me olha de longe, e eu de longe o olho. Mesmo sem nos vermos, lemo-nos, e, na leitura mútua, em silêncio nos lembramos um do outro. Comunicação secreta, simpatia subterrânea, eu devedor de tantos envios de suas crônicas, cujo tom levemente cético me lembra algo de Machado de Assis.

Lólio gosta de contar desistórias. Delas não desiste, observador do cotidiano. Em sua última crônica, agora de abril, fala da hora do chá. De como, num certo momento da tarde, diz à cachorra Juli — “Vamos tomar chá?”. E a cachorra vai feliz, esperando as bolachas que acompanham o ritual.

Atento ao ser humano em seus gestos e propósitos, liga a televisão e põe num dos canais legislativos. Um chá... politicamente servido. Quer inteirar-se do modo como nos representam os nossos representantes: “discursos inúteis, formalismos descabidos, manobras primárias”, é este o breve relatório do meu cronista Lólio.

E, no entanto, Lólio vive intensamente este pequeno momento de felicidade. Em sua ilha, em seu mosteiro, em sua utopia, Lólio me envia palavras de sabedoria modesta.

Como retribuir, a não ser enviando-lhe eu também um artigo? E imaginar o Lólio, num certo momento da tarde, entre um gole e outro da bebida milenar, mordiscando bolacha caseira, lendo este meu artigo, cuja única razão de ser é ser um artigo para leitura sossegada, na hora do chá.
 
Gabriel Perissé é coordenador pedagógico do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa) e autor do livro recém-lançado A arte de ensinar, pela Editora Montiei.
Web Site: www.perisse.com.br