Ulpiano
Ulpiano

Reginaldo Miranda

Reginaldo Miranda[1]

Desde as primeiras aulas de Introdução à Ciência do Direito travei contato com os preceitos de direito sintetizados por Ulpiano, sábio jurisconsulto romano: honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere. Em vernáculo: viver honestamente, não lesar o próximo e dar a cada um o que lhe pertence.

Dentre os mais notáveis juristas romanos sobressaiu-se Ulpiano pelo esforço de sistematização do direito, sintetizando decisões judiciais e éditos imperiais, aos quais extraiu os princípios básicos. Com esse esforço pioneiro terminou por estabelecer um arcabouço coerente de doutrina legal que facilitou seu entendimento e disseminação, assim como contribuiu para a evolução sistemática desse direito, orientando as futuras decisões judiciais e elaboração de novas leis. Esse afanoso trabalho consolidou o direito romano, sendo seu método seguido por sucessivos juristas que organizaram, interpretaram e comentaram as dispersas provisões transformando-as num monumento jurídico coerente e inteligível que muito influenciou o mundo ocidental, sendo incorporado na legislação de muitos países até os dias de hoje. Portanto, é inconfundível o legado desse sábio jurisconsulto no sentido de interpretar e sistematizar o direito romano, assim, orientando as futuras decisões que consolidaram os princípios extraídos.

Embora consagrado como um dos maiores jurisconsultos da antiguidade, pouco se sabe sobre a vida privada de Ulpiano. É certo, porém, que nascera na cidade de Tiro, centro comercial da costa da Fenícia, hoje Líbano, cerca de 150, da Era Cristã. Recebeu o nome de Eneo Domitius Ulpianus. Sua família pertencia à ordem equestre, média aristocracia com direito de participar de votações e exercer cargos públicos. Desde muito moço mudou-se para a cidade de Roma. Em sua fase de formação intelectual e iniciação na vida pública foi pupilo de Papiniano, outro grande jurisconsulto romano.

Destacou-se no campo intelectual, legando interessante contribuição nos estudos de história, demografia e, sobretudo, de economia.

Foi importante homem de Estado, participando ativamente da vida administrativa de Roma, tendo ocupado, ao que se sabe, os seguintes cargos: conselheiro, no governo de Sétimo Severo e magister libellorum, no de Caracala. Foi banido pelo imperador Heliogábalo, depois da morte de Caracala, em 217. Em 222, retornou à Roma a chamado de Alexandre Severo, que o nomeou seu principal conselheiro, responsabilizando-o pelas petições, oportunidade em que inspirou o imperador a ser tolerante com os cristãos. Foi então nomeado prefeito do suprimento de trigo e prefeito pretoriano, ou seja, comandante da guarda pretoriana. Enfrentando dificuldades, tentou limitar os poderes dessa guarda sendo por ela assassinado, em Palácio, na presença do imperador, durante revolta, no ano 228. Poucos anos depois o imperador teria o mesmo destino.

Na área do direito deixou enorme contribuição, elaborada sobretudo nos últimos anos de vida. Essa valiosa contribuição foi preservada através de muitos fragmentos, sobretudo inseridos no Digesto, do imperador Justiniano (483 – 565), sobressaindo as seguintes coleções: Libri ad Sabinum, sobre o ius civile, composto de 51 livros; Libri ad edictum praetoris urbani, comentando os éditos dos pretores urbanos, em 81 livros; De Officio Proconsulis Libri, sistematizando o direito penal em 19 livros; e, Institutas, obra dedicada ao ensino do direito para estudantes.

Em sua atividade intelectual, rivalizou com Paulo, outro grande jurisconsulto contemporâneo. Ambos, juntamente com Gaio, Papiniano e Modestino foram os cinco grandes jurisconsultos cujas citações e opiniões deveriam ser seguidas pelos magistrados, em suas sentenças, como fonte do direito romano, assim disposto na Lei das Citações, de 426, do imperador Teodósio II. Em caso de conflito entre os juristas deveria prevalecer a opinião da maioria, de forma que suas opiniões passaram a ter força de lei. Foi esse o legado de Ulpiano, cuja fama é merecida pela contribuição inconfundível ao direito romano e, por via de consequência, ao mundo ocidental.



 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado com mais de 30 anos de efetiva atividade profissional, cofundador e ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP), membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, pela segunda vez, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Autor de diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual (UFPI-ESAPI). Contato: [email protected]