Thaumaturgo de Azevedo

Por Agnello Bitencourt

O General Gregório Thaumaturgo de Azevedo, uma das figuras mais destacadas do nosso Exercito, nasceu no Piauí a 17 de novembro de 1851, filho de Manoel de Azevedo Moreira de Car¬valho. Rapaz de invejável inteligência, bacharelou-se em Ciencias Fisicas e Matemáticas, pela Escola Militar do Realengo (Rio de Janeiro), e, depois, em Ciencias Sociais e Jurídicas pela Facul¬dade de Recife; foi um homem de vida dinâmica tanto no Exer¬cito, quanto fora dele. Por mais de meio século seu nome en¬cheu de vibracao os faustos das atividades militares, civis e políticas, sobretudo, do Estado a que ele, quase sempre, esteve ligado. Por seu merecimento fez jus a diversas honrarias heraldicas e de membro de Sociedades beneficentes e cientificas.
Como Engenheiro Militar e Bacharel em Direito, exerceu, revestidas da mais alta responsabilidade, varias comissões importantissimas. Vejamos as mais interessantes, nao esquecendo que o biografista deve estar sempre adstrito aos acontecimentos da epoca em que viveu o seu personagem, e que os homens e os fatos aparecem na decorrência dos fenômenos sociais.
Assim, o Tratado de La paz, de 1867, sobre a demarcacao dos limites entre o Brasil e a Bolivia, ficou em foco exigindo imediata realizaçao: 0 tratado de uma reta partindo da foz do Beni, afluente do Madeira, rumando a nascente principal do rio Javari.
A determinaçao desse ponto geodesico exigiu do Brasil e Peru, sacrificios sem conta, nada menos de seis Expedições de exploraçao e de reconhecimento, sacrificios fabulosos de vidas preciosas, de despesas, em parte improdutiva, e tempo.
Toda esta especie de divagaçao para melhor compreender a biografia do grande soldado.
Foi nomeada a Comissao Mista Brasíleo-peruana para deter¬minar o ponto geodésico da nascente principal do rio Javari. Por parte do Brasil, o governo designou o então Coronel de Engenheiros Thaumaturgo de Azevedo. Os dois elementos reunem-se na foz daquele rio, em Benjamin Constant, cada qual nas suas embarcaçoes, sobem o caudal, ate a embocadura do Galvez, tributario da esquerda. Ai, o Delegado brasileiro, reúne os peruanos e lhes comunica o seu propósito de subir esse rio e nao o Jaquirana, porque considerava o outro, como verdadeiro curso do Javari. A estupefaçao dos peruanos foi tremenda, havendo protestos. Os comissarios regressam, cada grupo ao seu pais.
Pondere-se que a Comissao Mista nao foi nomeada com o fim de verificar qual seria o verdadeiro curso do Javari, mas sua nascente principal, sabidamente, no Jaquirana. 0 General, entao Coronel, subindo o Galvez, queria dar ao Brasil, cerca de 5.000 leguas quadradas.
Concomitantemente, outro problema, tambem de demarcaçao, se equaciona, para soluçao imediata: a determinaçao geodesica da passagem da linha reta estabelecida pelo referido Tratado de La Paz, passando pela povoaçao de Cruzeiro do SuI (no Estado do Amazonas).
Nomeada a Comissao Mista para dirimir o caso, e designado Chefe, da parte do Brasil, o Coronel Gregorio de Azevedo; Sub-¬Chefe, o Capitao- Tenente Augusto da Cunha Gomes. Por parte da Bolivia, o Dr. Jose M. Pando.
Cunha Gomes levara do Rio de Janeiro a incumbencia de fazer deflexionar a reta, de modo a incluir, na jurisdição federal, as duas povoaçoes citadas. Thaumaturgo de Azevedo discorda de semelhante sugestao. Queria, sim, que se considerasse a nascente principal do Javari nao determinada ainda, quando ja o era desde 1878.
Abriu-se, entao, uma luta (em setembro de 1895), entre Thaumaturgo, de um lado, e Cunha Gomes e Pando, do outro. O Chefe da Comissao Brasileira deixa o serviço, assumindo-o Cunha Gomes. E tudo correu conforme o desejo do Governo Federal.
O Coronel Thaumaturgo procurou sustentar o seu ponto-de-vista, em 1901, num livro de duzentas paginas, farta¬mente documentado, livro esse intitulado "0 Acre, Limites com a Bolivia" (artigos publicados n"'A Imprensa", de 1900-1901) Tip. do "Jornal do Comercio" do Rio de Janeiro, e Rodrigues & Cia. - 1901.
Dessa importantissima Comissao de Limites, em que reafir¬mou grande competencia tecnica, sabedoria juridica e honradez o Coronel Gregório Thaumaturgo e chamado para outra função federal, de muito relevo, qual fosse o Departamento do Alto Juruá, também chamado Prefeitura do Cruzeiro do SuI.
Lembre-se que o Territorio do Acre, depois de criado pelo Tratado de Petropolis, de 17 de novembro de 1903, foi dividido em 3 partes ou Departamentos: Acre, Alto Purus e Alto Jurua. Este último foi entregue ao Coronel Thaumaturgo de Azevedo, que para la seguiu, em 1904, instalando-se em Cruzeiro do SuI.
Seu governo caracterizou-se por um dinamismo prodigioso. É óbvio dizer que tudo, tudo, estava por fazer, no planejamento da administraçao publica e sua execuçao. E ele o conseguiu em cerca de um ano, auxiliado por uma equipe de funcionários com¬petentes. Comprova-o Relatorio de 1904, um grosso volume com as primeiras objetivaçoes e muitas plantas e mapas geograficos, de todo o territorio de sua jurisdiçao. Dito Relatório é o portico de uma grande sabedoria e civismo, obra de utilidade aos administradores que tenham de prosseguir no desbravamento daquela uberrima regiao.
Mas, o Dr. Thaumaturgo de Azevedo precisou ir ao Rio de Janeiro, no interesse do seu Departamento. La permaneceu cerca de seis meses. Foi, sua ausencia, um colapso na vida pu¬blica do Alto Jurua. Di-lo em detalhes, no seu "Segundo Rela¬tório", datado de 31 de dezembro de 1905, o caos que encontrou. Foi o relato do seu derradeiro trabalho de Engenheiro Militar, de Doutor em Direito Administrativo e de beneditino, na obra que pode realizar, naquele deserto de rios e de florestas.
Deixei, de proposito, para a parte final, contexto da bio¬grafia do General, com a sua atuaçao poIitica e administrativa, no Amazonas. Façamos um retrocesso, no tempo.
O ilustre Engenheiro Militar estava no Norte do Pais, a serviço da Comissao Demarcadora de Limites Brasil-Venezuela, sediado na Boa Vista do Rio Branco hoje Território de Roraima, quando se deu a mudança do regime. Dirigira-se a Manaus.
Eduardo Gonçalves Ribeiro, então no Poder, na qualidade de Presidente nomeado pelo Governo Provisório da Republica, ia executar a Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, realizando a eleição do 1º  governador do Estado do novo regime.
Por infIuencia militar, é sugerido o nome do Dr. Gregorio Thaumaturgo de Azevedo, que é eleito, pela Assembleia Constituinte, a 27 de junho de 1891 e empossado a 12 de setembro do mesmo ano, recebendo o governo das maos do Coronel Guilherme Jose Moreira, no momento, seu sucessor legal. Eleito por quatro anos, só esteve no cargo ate 27 de fevereiro de 1892, quando foi deposto, em virtude dos acontecimentos que se deram na Capital Federal, após o "contra-golpe" dado por Floriano Peixoto ao ato de Deodoro dissolvendo a Carta Constitucional da Republica (24 de fevereiro).
Gregório Thaumaturgo procurou resistir manten¬do-se no cargo. Mas, nao o pode. Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, nao quis perdoa-lo. A ultima semana do seu governo foi um período de agonias, de corre-corre, de ameaças de fuzilamentos de adversários que, afinal, eram toda a gente. Tinha eu 16 anos de idade, e, na minha adolescencia, curiosa e inconsequente, procurava tomar conhecimento dos fatos ... Thaumaturgo de Azevedo aguardou a chegada de sua demissão, em tanto importava a nomeação do Capitao de Fragata Jose Inacio Borges Machado, que assumiu as responsabilidades do cargo no mesmo dia 27 de fevereiro de 1892. Thaumaturgo nao esperou no Palácio do governo a presença do Oficial de Marinha, para entregar-Ihe protocolarmente o timao da nau do Estado, pois, bem cedo, dirigira-se ao porto, recolhendo-se a bordo de um navio do Lloyd Brasileiro por acaso ali, de partida para o SuI. Nunca vi um "bota-fora" tao bota fora, como aquele ...
A política, as vezes querendo por abaixo o que encontra, foi crudelissima para com o General. Os acontecimentos do Rio de Janeiro, agravados em Manaus, fizeram-se-Ihe uma chuva de pedras, após ter ja prestado tantos serviços a pátria.
O General Greg6rio Thaumaturgo de Azevedo faleceu em idade provecta, mas não conseguiu assistir o seu centenário de nascimento a 17 de novembro de 1951, quando seus parentes, amigos e admiradores celebraram o acontecimento.
(Dicionário amazonense de biografias. Rio de Janeiro, Conquista, 1973).

A foto de Sérgio Vale mostra o herói Thaumaturgo de Azevedo plantando a bandeira do Acre em Cruzeiro do Sul. O monumento foi inaugurado durante as comemorações do centenário da cidade.