Tomás de Aquino definia beleza com profunda simplicidade: "Pulchrum est quod visum placet", ou seja: "belo é aquilo que, visto e contemplado, agrada e deleita". Uma definição ao mesmo tempo experimental, psicológica e mística, o que pode confundir um pensamento linear e unidimensional.
Definição experimental, porque se refere aos olhos mesmo, sem medo de que se enganem, uma vez que as aparências não enganam não, como cantavam Belchior e Elis Regina. Somos nós que nos enganamos diante daquilo que aparece.
Definição psicológica, em referência à emoção, ao deleite produzido em nós quando vemos o belo, quando o próprio existente aparece em nossa mente, e não mente: aquele rosto bonito, aquele pássaro colorido, aquele movimento harmonioso, aquela realidade transportada para dentro de mim desperta-me da apatia.
Definição mística, porque o belo é invisível. Vemos coisas belas, mas essas coisas logo se desmancham, desaparecem, fogem, morrem. E, no entanto, o que faz a coisa bela ser tão bela reaparece em outras belas coisas igualmente fugidias e morredouras. Nunca poderemos dizer "para sempre"?
Todas as coisas algo têm de belo, mas nem todos os olhos sabem vê-lo, já ensinava Confúcio. E se é verdade que gosto não se discute, nem por causa de cores vale a pena brigar ("de gustibus et coloribus non disputandum"), dado que gostos, refinados ou não, dependem do temperamento, de mil e uma circunstâncias e acasos, é igualmente verdade que todos precisamos educar nosso olhar para transcender idiossincrasias limitadoras.
Belas feiúras
Veio-me este (felizmente não muito longo) arrazoado pretensamente filosófico quando, por força da presbiopia (sinal inequívoco de que o tempo passa), tive que fazer óculos para minha vista já um pouco fatigada.
Óculos para ler, apenas, mas quanta diferença! A tela do computador, levemente embaçada, não estava suja coisa nenhuma: era presbiopia. As letras do livro não eram tão pequenas assim, o problema estava na presbiopia. O mundo ficou um pouco mais nítido, só um pouco, mas o suficiente para eu perceber que nem sempre estamos enxergando bem como imaginamos.
Ao analisarmos as belezas ou as belas feiúras que nos rodeiam, vale a pena lembrar o poeta Antonio Machado: "El ojo que ves no es ojo porque tu lo veas, es ojo porque te ve". Isto é, ou veja: a realidade está me olhando, e a primeira coisa que nem sempre percebemos é que ela, de fato, me observa.
(*) Doutor em Educação pela USP e escritor