Meu pai, sem que fosse necessário abrir a boca ou escrever uma só linha, fez-me ver que a natureza dá a cada um, tempestivamente, no momento exato, aquilo que merece. Mostrou-me, no entanto, que é sempre bom estar preparado e atento; alertou-me que não devia me surpreender ou reclamar quando me julgasse merecedor de muito mais do que me foi dado; tampouco, se achasse que não merecia tanto. Afirmou que a humildade é uma grande virtude e,  convictamente, de modo que não restasse qualquer dúvida, que injustiça é coisa dos homens.


 Meu pai foi capaz de demonstrar felicidade em momentos que, para mim e, possivelmente, para o resto do mundo, pareceram inusitados. Chorou, calado e sozinho, por não ter condições que lhe permitiram satisfazer um desejo infantil. Vibrou de prazer quando, a custo de muito sacrifício, pôde me oferecer algo que estampou um sorriso de puro êxtase em meu rosto. Ensinou-me a tentar querer somente aquilo que, da forma mais honesta possível, pudesse conseguir. Fez sempre questão de me orientar a dar valor ao que realmente tem. Dificilmente, equivocou-se na avaliação do que lhe parecia mais ou menos importante.


 Em diversas situações, doente e sentindo dores horríveis, para não nos preocupar, trocou o cenho franzido por uma cara risonha. Só ele, de fato, sabia o quanto estava sofrendo. Noutras ocasiões, gargalhou ou fez troça ao ouvir mamãe dizendo que, justo naquele dia em que me mostrava insaciável, não daria para repetir o prato. Como se quisesse insinuar que ela estivesse contando uma bela piada, no que, realmente, se convertia, pois ríamos e o pouco alimento servido me satisfazia.


 Costumava falar que é preferível trabalhar, executar o pior serviço e no lugar mais deprimente, a esmolar ou pedir sem dar nada em troca. Disse-me que deveria esforçar-me para mostrar-me, aos outros, alegre e sorridente; afinal, ninguém tem culpa por nosso mau humor; então, por que dividir com os demais a responsabilidade por traumas, ressentimentos ou decepções que somente a nós pertencem?


 Nas minhas enfermidades, invariavelmente, um dos melhores remédios foi sua certeza inarredável de que iria sarar logo, logo. E isso nunca deixou de acontecer.


  Não tenho dúvida de que uma de suas maiores virtudes foi (e ainda é) aceitar com paciência e resignação os encargos que a vida lhe atribuiu; foi jamais se desesperar, mesmo diante do que, para muitos, parecia insuportável; foi educar os filhos com bons exemplos. Exemplos esses, ensinamentos verdadeiros, porque, muitas vezes, não se mostravam explicitamente, já que não vinham de suas ações, mas da abstenção, do modo como procedera ou se portara em situações semelhantes; por conseguinte, respaldadas na sinceridade, honestidade, não afetadas nem hipócritas. Sou obrigado a declarar, para continuar honesto que o vi, sim, agindo, egoisticamente: particularmente, ou com amigos, várias vezes peguei-o fazendo festa muito maior que a feita por mim, em virtude de eu ter obtido sucesso na empreitada a que me propusera.


 Teria tanto ainda a dizer sobre meu pai. Na verdade, tenho a impressão de que, desculpem minha imodéstia, tudo que falei pode ser aplicado ao pai de todos vocês e a nós mesmos, enquanto pais.


 Ser pai – e todos eles o são: justo e bom - é ser perfeito.


    Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense