Carta do Pe. André da Silva, vigário-geral de Oeiras, em que informa a naturalidade desse magistrado e político.
Carta do Pe. André da Silva, vigário-geral de Oeiras, em que informa a naturalidade desse magistrado e político.

Reginaldo Miranda[1]

 

Sobre Pedro José Nunes, publicamos algumas notas, porém, de ora em diante vamos retificá-las e complementá-las com novos dados de pesquisa.

Antes, porém, lembramos que os primerios membros da família Nunes entraram no Piauí em 1661 ou 1662. Integravam a bandeira desbravadora de Domingos Jorge Velho e Francisco Dias de Siqueira, se estabelecendo no arraial que fundaram às margens do riacho de Santa Catarina, também chamado Caatinguinha, denominado Arraial dos Paulistas[2], que deu origem à cidade de Valença do Piauí. Eram cinco os Nunes, provavelmente irmãos, que chegaram nesse período, depois se espalhando pelos vales ribeirinhos para fundarem os primeiros currais da nova conquista. Em 1697, o padre Miguel de Carvalho, por ordem do Bispo de Pernambuco, veio fundar a primeira freguesia do Piauí, sob sua jurisdição episcopal, promovendo reunião na fazenda Tranqueira, em casa de Antônio Soares Touquia. Tinha por objetivo escolher democraticamente com os pioneiros moradores o local de edificação da igreja matriz, recaindo a escolha sobre parte da fazenda da Passagem, na ribeira do Canindé, daí nascendo a vila da Mocha, depois cidade de Oeiras, primeira capital do Piauí, por ficar no centro do território da nova freguesia. Dentre os participantes encontravam-se Pedro Nunes Pinheiro, João Alves de Oliveira e o capitão-mor Francisco Dias de Siqueira. A 2 de março há a solenidade de bênção da nova capela, por eles construída e posse do primeiro vigário, Padre Thomé de Carvalho e Silva. Nessa mesma data o padre Miguel de Carvalho envia ao Bispo de Pernambuco, uma Descrição do Sertão do Piauí, onde indica nome e localização das 129 fazendas existentes na nova freguesia e o nome de seus moradores. Curioso que em nenhuma delas aparece os nomes de Pedro Nunes Pinheiro, João Alves de Oliveira e Francisco Dias de Siqueira, sabendo-se que esse último morava no Arraial dos Paulistas. Por essa razão, o historiador Odilon Nunes opina que também aqueles dois eram moradores no referido arraial e também paulistas, porque o Visconde de Taunay, disse ser paulista o criador Pedro Alves de Oliveira, residente na fazenda Pobre, próxima à barra do rio Piauí. Conclui assim que João Alves de Oliveira, com o mesmo apelido familiar daquele, também seja paulista e, por via de consequência, Pedro Nunes Pinheiro, sendo eles os três principais líderes do arraial.

Na mesma obra do padre Miguel de Carvalho, também foram indicados outros Nunes, provavelmente irmãos daquele paulista, a saber: Capitão Antônio Nunes Barreto, criador na fazenda Poções de São Miguel, na ribeira do Canindé, também tendo comparecido à instalação da freguesia da Vitória, depois mudando-se para o vale do rio Mearim, no Maranhão; Gonçalo Nunes Teixeira, criador na fazenda Boa Vista, na mesma ribeira do Canindé; Antônio Nunes, segundo do nome, criador na fazenda Serra, vale do rio Itaim, afluente do Canindé; e José Nunes Ferreira, criador na fazenda São Mateus, na ribeira do Sambito, afluente do rio Poti, região do mencionado arraial. Segundo esse entendimento teriam esses Nunes, ou seus ancestrais, vindo provavelmente dos Açores para a capitania de São Paulo, de onde passaram ao sertão do Piauí, integrando uma pioneira bandeira paulista.  É a gênese da família no Sertão de Dentro.

Certamente, aparentado desses pioneiros foi Manoel José Nunes, que  na primeira metade do século seguinte criava seu rebanho na fazenda Vitória, ribeira de São Nicolau, termo da freguesia de Valença do Piauí, já não existindo ao tempo de criação da capitania do Piauí, em 1759. Foi sucedido na gestão dessa fazenda pelos filhos, tendo quase todos vendido seu quinhão a Manoel Pereira da Silva. Em 1762, somente o filho homônimo, Manoel José Nunes, o moço, permanecia criando nessa fazenda em condomínio com o mencionado comprador.

Até há pouco acreditávamos que Pedro José Nunes descendesse diretamente desses  pioneiros. No entanto, agora sabemos que era natural dos Açores. Provavelmente, veio para Valença, no Piauí, em busca desses parentes colaterais. Em carta datada de 7 de abril de 1780, informou o padre André da Silva, vigário-geral de Oeiras:

“A um mês, ou mais, me deu parte José dos Santos Lima, morador nesta cidade, que vindo do Pernaguá, lhe dissera um ilhéu no caminho, se achava, neste Piauhy um Pedro Joze Nunes, casado nas ilhas mas não me soube dizer o nome do homem. Certo é estar um ilhéu do mesmo nome na freguesia de Valença, casado, e com filhos”[3].

Pedro José Nunes, nasceu cerca de 1750, no arquipélago de Açores. Por volta de 1775, mudou seu domicílio para a freguesia de Nossa Senhora do Ó e Conceição, vila de Valença, na bacia do rio Poti. Desde então dedicou-se ao criatório bovino e cavalar, principal atividade econômica do Piauí, naquele tempo.

Casado com Ana Bernarda da Silva, fixou residência na fazenda Lagoa de São João, hoje Careta, no vale do rio Berlengas, afluente do Poti.

Pedro José Nunes, também ingressa na vida pública piauiense, elegendo-se para diversos cargos de eleição popular. Foi eleito para o senado da câmara de Valença, onde ocupou sua presidência e o cargo de juiz ordinário por mais de uma vez. Em 1788, no exercício desse cargo tomou algumas medidas efetivas para o desenvolvimento da vila. Novamente, em 1790, no exercício dos mesmos cargos produziu farta correspondência sobre suas ações administrativas, dentre elas: tratou da continuidade dos serviços de correios mensais; segurança, investigação de furtos, apuração de crimes de homicídio, de raptos de mulheres e de espancamentos de escravos, dentre outras.

Com a criação da vila e município de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração, em 1832, levando partes dos territórios da cidade de Oeiras e da vila de Valença, Pedro Nunes e sua família passam a integrar a nova municipalidade, de que estão entre os pioneiros fundadores. O rio Berlengas, em grande parte, passou a ser a linha divisória entre Valença e São Gonçalo. E a fazenda Lagoa de São João, ocupava as duas margens do rio Berlengas. Ao tempo da Balaiada, insurreição que sacudiu o meio-norte brasileiro, entre os anos de 1838 e 1840, ainda existia esse velho fazendeiro e político, tendo sofrido como a maioria de seus contemporâneos os efeitos dessa guerra. Parece que não era simpático ao grupo do Barão da Parnaíba, porque seu filho Gonçalo José Nunes, também morador na Lagoa de São João, resumindo o sentimento dos fazendeiros, apresenta a “relação dos que foram ‘apenados’[4] e que já nada podem dar”. Conforme anotou o historiador Odilon Nunes, neto paterno do peticionário, aquele “termina dizendo que ‘ali não há mais uma pessoa que tenha um só animal’”[5]. Nessas circunstâncias, o velho Pedro Nunes começa a empregar trabalhadores para o cultivo da terra e suprir a falta de mantimentos em sua fazenda. Por essa razão, Cândido Lopes de Sousa, genro de Tomé Mendes Vieira, denuncia que ele amparava fugitivos. No entanto, nada foi apurado. A guerra estava acabada e, felizmente, foi restaurada a paz no seio da família piauiense.

Pedro José Nunes, faleceu na vila de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração, em 19 de abril de 1845, com cerca de 95 anos de idade. Foi sepultado no dia seguinte, na igreja matriz de São Gonçalo, vestido em hábito branco.

Foi figura importante na vida administrativa da vila de Valença, no final da era dos mil e setecentos. Também, deixou grande descendência que ainda hoje desempenha saliente papel na vida pública piauiense. Merece, pois, figurar nessa galeria de notáveis.

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual, foi membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, da Comissão de História, Memória, Verdade e Justiça, assim como cofundador e presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Representa a OAB-PI na composição da Comissão de Estudos Territoriais do Estado do Piauí – CETE (17.2.2021 – 31.1.2023). É membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. E-mail: [email protected]

[2] Foi o primeiro arraial desse nome fundado pelos pioneiros desbravadores paulistas. No século seguinte, seria fundado outro de igual nome, que deu origem à cidade de Paulistana.

[3] PT/TT/TSO-IL/028/CX1594/14676.

[4] Referia-se às contribuições para as tropas de repressão aos rebeldes.

[5] NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vol. 2. P. 167. Teresina: Artenova, 1973.