Paisagem de Amarante
Em: 05/01/2008, às 22H36
                            Alberto da Costa e Silva
"Mas da lã fina e seda diferente..."
                                                          CAMÕES: Os Lusíadas, Canto IX.
 
 
            E fomos para onde a relva era ainda de um verde  
acastanhado e havia babaçus e um regato  
magro como os bois que levávamos,  
                                                                     onde  
o florido algodão depois plantamos.  
            Ela vinha,  
e não usava bandós, nem tranças de sereia  
dessas gravuras de mau talho,  
que recebemos de longe,  
de Lisboa, talvez. Também não tinha  
a blusa de unicórnios e de heráldicas feras,   
nem rosas e corações no vermelho do linho.  
            Trazia um pássaro inventado  
no lábio inferior.  
            Sem saias e anáguas,  
pintada de vermelho e jenipapo,  
andava como a nhambuzinha,  
apressada e sensível.              
              
Sofreei o cavalo.   
O céu rumo ao sol,  
na tarde perseguida pelo tempo da ceia,  
da gaita e dos lençóis.  
            Pôs-se a correr.  
Viu-me! — bradei, e os companheiros,  
com os laços derramados  
no vento do galope,  
fugimos atrás dela.  
                                    Arataiá!  
                                                  Oh!  Assim nunca  
o breve tempo surja de tua formosura!  
            Volveu o rosto,  
"banhada em riso e alegria",  
alagada de lua,   
do vinho da claridade.  
   
            E, hoje, nesta casa de Amarante,  
senta-se à janela, na aragem do sol,  
convive com os bilros,   
borda, de olhar melancólico,  
flores domesticadas  
e paisagens com bois  
            ( o mel ao sol desses dorsos curraleiros,  
            a azulega noite estrelada, as hastes sossegadas  
            do capim alto que vamos apartando  
            no rumo das águas, os buritis, os pássaros  
            da beira-rio, as vacas amojadas,  
            a boiada de que fui velame ou quilha,  
            berrante à boca, ouvindo, misturados,  
            mugido e aboio).  
                          
            Eu lacei-a , parada,  
o odor de pequi, a terra ganha.  
            Em nossa volta, o capim ensolarado.  
O    P i a u h y.  
                                    O plenilúnio das garças.  
Este cantar de bugres  
para o seu ventre: Ó mulher feliz,  
quem fez em ti filho bonito como o sol,  
cheiroso como a flor?  
            Daridari,  
nua,  
à garupa do cavalo.  
Levava um corpo de quem espero a alma.   
              
E, hoje, nesta casa de Amarante,  
cata-me os piolhos do cabelo e da barba,  
trinca as lêndeas nos dentes,  
enquanrto deito a cabeça no seu púbis depilado.  
Fala aos meninos, que saltam  
das pranchas para o rio,  
sobre a ordem de viver numa casa desleixada,   
sobre a ordem de seu coração dividido  
entre a maloca dos solteiros  
e a rede para onde a trouxe, por amor e por caça,  
e onde, hoje,   
cantarola baixinho:   
            Kunhã nty  
            osasy uá! auá taá  
            omunhã ndé resé memby ipuranga  
            Uarasy iaué, sakuéba putyra iaué?  
                                                                                 Fui eu.
 
 


