Os soluços

[Chagas Botelho] 

Ela disse sofrer de soluços. Que suas crises são constantes e intensas. Que já consultou vários especialistas e nenhum deles lhe apontou a cura. Que até curandeiro já havia procurado, pois pensou ser feitiçaria, despacho, serviço de encruzilhada, sabe? Porém, nada sarava seus espasmos intermitentes.

Um dia, no auge da crise, quando soluçava feito um bêbado, sentiu algo subindo em sua perna direita. Não deu bola, ignorou o ser que rastejava. Estava muito mais preocupada com a sequência de soluços do que qualquer outra aparição. O incômodo dos "hicks, hicks, hicks" continuava sem trégua. Repetia-se como o coaxar de sapos.

Mas aí não teve jeito, não dava para suportar dois incômodos agindo concomitantemente, em seu corpo. Enquanto soluçava a balde, olhou para a perna e viu aquilo que subia rastejando. Quando percebeu o que era, segurou-se para não cair de costas. No entanto, não segurou o ímpeto e gritou agudo: “barata! a barata! uma barata!”. Mesmo sem coragem, com medo e asco, sentou a mão no inseto marrom que, atordoado da pancada, bateu asas e voou.

O curioso é que após o susto, quase suicida, a mocinha nunca mais soluçou. Enfim, estava livre, curada das contrações involuntárias do diafragma e outros músculos do tórax. Neste caso específico, senhores, o mito de que levar um grande susto barra o soluço - virou verdade.