ELMAR CARVALHO


Estava eu num dos bares mais tradicionais de Teresina, fazendo hora, enquanto minha mulher e minha filha faziam compra. Aguardava o telefonema delas, para voltarmos para casa. Nisso entrou o meu personagem deste registro. Em gestual e voz expansivos, foi logo chamando a garçonete de meu amor, com certa dose de familiaridade. Cumprimentou um conhecido, que já estava de saída, abraçando-o efusivamente, e dando-lhe pequenas chicotadas no peito com o seu tilintante chaveiro, que lembrava uma pequena chibata.

 

Estava acompanhado de um rapaz bem mais jovem, que pensei ser seu filho. Trazia um copo, tipo tulipa, desses próprios para cerveja. Pediu uma garrafa dessa bebida, e sentou-se a uma mesa perto da minha. Chamando a garçonete pelo nome, pediu-lhe “sua taça”. Ela logo o atendeu. Só então percebi que as demais pessoas usavam um copo comum, do tipo americano, com capacidade para 150 miligramas. Como falava alto, seja pessoalmente ou ao celular, por mais que eu pudesse ou quisesse ser discreto, não pude deixar de lhe escutar a conversação. Apresentou o jovem como sendo o namorado de sua filha, que estava arranchado em sua casa, e de lá não desejava mais sair.

 

Incontinenti percebi que se tratava de um malandro, aparentemente simpático, como todo malandro que se preza, um tanto fanfarrão, falastrão, e exibido como um galo novo, conquanto já aparentasse haver dobrado o cabo da boa esperança de meio século de vida. Em meio a um telefonema, disse ao interlocutor que desejava continuar com a sua mulher velha, pois já lhe conhecia os defeitos e mazelas, ao passo que com a “aquisição” de uma mulher nova teria que descobrir os seus problemas e se acostumar com eles; portanto, preferia “recuperar” a coroa, com uma recauchutagem médica e protética. Apenas, em compensação, desejava que ela lhe deixasse degustar as suas cervejas e empreender as suas conquistas amorosas.

 

Em conversa com o genro (ou futuro genro), alardeou que tinha um chip com a lista telefônica de suas namoradas. A seguir, talvez querendo provar o que acabara de dizer, ou mesmo por simples exibicionismo inato e compulsivo, começou a ligar para algumas delas. Cumprimentou a primeira pretensa namorada, chamando-a de meu amor, proclamando em alta voz que estava “morrendo de saudade”; que o seu maior defeito era gostar dela, e que contra isso não havia remédio nem antídoto.

 

Quando fez outra ligação, talvez pretendo ser engraçadinho ou criativo, disse:

- Bom dia, boa tarde, boa noite, meu amor, qualquer hora é boa hora com você!...

Atendendo recomendação de Cristo Jesus, não pretendo aqui julgar meu semelhante. Tenho bem presente a sua admoestação de que: “Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vós” (Mateus, VII: 1-2).

 

Entretanto, sem nenhum prurido de falso moralismo, fiquei a imaginar o rapaz casado com a filha do nosso dom Juan tupiniquim. Também imaginei a moça descobrindo conquistas amorosas do marido, e indo pedir ajuda e conselho ao pai. Não sei o que ele lhe diria, o que lhe recomendaria. Engendrei a hipótese de a jovem mulher usar seu pai como exemplo de marido ideal. É possível que o jovem fosse um amigo leal e guardasse consigo as aventuras e fanfarronices do sogro. Todavia, é razoável supor que esse jovem marido, fustigado pelas verrinas e catilinárias da mulher, dissesse, um tanto enfurecido e com certo sarcasmo:

- Foi exatamente com o exemplo de teu pai que eu me tornei o que sou...

Deixo ao leitor o trabalho de conjeturar sobre a continuação desse amargo diálogo.