A presença de um bom circo em Teresina, nos anos 40, era acontecimento de agrado geral pela oportunidade de lazer oferecida a uma população quase sem divertimentos, além do cinema. Dos circos que faziam temporadas na cidade, havia os aparatosos, a exibir ricos espetáculos, e também os chamados mambembes, por vezes sem toldo, pobres até nos nomes, como o Circo do V8. Em alguns desses as apresentações causavam dó pela ingenuidade e falta de profissionalismo. Mesmo assim, todos contavam com platéia.

    Das boas casas de espetáculos circenses, sem dúvida, o Circo Fekete merece referência. Na verdade, tratava-se de extraordinário espaço de apresentações artísticas, coberto com lona de duas faces, picadeiro e palco bem dimensionados, com iluminação feérica, própria. Os holofotes dirigidos para o Globo da Morte e trapézios de metais reluzentes davam solenidade ao ambiente onde se desenrolavam as atrações programadas.

    Além de diferentes profissionais para números tipicamente circenses, havia um elenco só para exibições teatrais. Por três vezes o Circo Fekete esteve em Teresina, entre os anos de 1938 e 1945, sempre com o privilégio de casas cheias. Aos sábados e domingos havia espetáculos vesperais e noturnos, tal a freqüência.

    A última vez que o Circo Fekete foi ao Piauí demorou-se mais do que de costume, por causa da guerra, a dificuldade de transporte para seu volumoso material, além da falta de estradas e ainda a morte súbita de seu secretário e apresentador de espetáculos. Lembro-me desse senhor, um cidadão solene que trajava fraque, cartola, e abria a função chamando a platéia de “respeitável público”.

    O circo pertencia aos irmãos Johnny, Charly, Jimmy, Bobby e Billy, que herdaram o negócio do pai, o húngaro Geovanni Fekete.

    Jovens, na época, cada um dos irmãos Fekete era responsável por determinada área administrativa da empresa, além de desempenhar obrigatoriamente atividades ligadas diretamente aos espetáculos, seja como trapezistas, praticantes de acrobacias outras, ou membros do grupo teatral.

   Johnny e Charly destacavam-se no Globo da Morte. Primeiramente faziam evoluções em bicicletas, no interior da bola metálica prateada, depois passavam para as motos barulhentas e de alta velocidade que se cruzavam perigosamente no globo.

   Johnny também tocava pistom na orquestra do circo.

   Fazia o gênero Glenn Miller, então na moda. Seu “Moonlight Serenade”, solo, arrancava suspiros das moças. Sem exceção, os cinco filhos homens do velho Geovanni figuravam, de algum modo, nas peças teatrais como Paixão de Cristo, O Ébrio, D. Pedro, etc.

    Os intervalos entre um número e outro eram preenchidos pelo palhaço Chimarrão, de sapatos enormes e nariz vermelho, a imitar sem conseguir, pandegamente, os acrobatas, para a alegria da criançada.

Nos anos 50, o Circo foi desfeito no Recife. Os irmãos Fekete casaram-se todos, curiosamente, com nordestinas. Johnny com uma baiana, Normar, que trabalhava na secretaria do gabinete de Juscelino, irmã do advogado Eliomar Teixeira, este casado em Teresina com a professora de Educação Física, Yolette Pires de Carvalho.

    Quase 30 anos depois, reencontrei Johnny, em Belo Horizonte, feito comerciante, já viúvo. Ele e Normar tiveram uma filha, Cristina, hoje médica, e uma neta. Considera-se vitorioso por haver vencido um câncer de laringe há mais de 20 anos.

    Conversamos sobre suas temporadas circenses em Teresina. Ele se recorda bem da cidade tranqüila e do povo amável. Destaca, porém, três lembranças: a bela ponte sobre o Rio Parnaíba, que conheceu menino, antes de concluída, e depois, quando o trem já passava. O largo do Liceu, onde era armado o circo e, particularmente, o restaurante do “Doutor” (que não existe mais), na Rua Elizeu Martins. Ainda hoje tem saudade do saboroso leitão de aspecto dourado e da farofa cor de ouro que o cozinheiro Zé Pretinho preparava com esmero para o pessoal do circo.

 

(*) Afonso Ligório Pires de Carvalho é jornalista e escritor. autor, dentre outros, do romance Capitania do Acúcar