[Domingos Pellegini]

Quando eu morrer, quero ser nome de rua – mas não uma rua qualquer. Sim uma rua de paz que o sol percorra de ponta a ponta, ensolarada com varandas e sacadas e dourados horizontes

Anote, mulher, anote:quero rua com jardins de alamandas e alecrins e joão-de-barro nos postes

Com maria-sem-vergonhaflorindo até nas calçada se à tarde a sineteada do vendedor de pamonha Crianças jogando bolamais bicicletas que motos passando com tal respeito que ninguém quer quebra-molas

Velhas casas de madeiracom grandes quintais quietose gatos tão sonolentos à sombra de abacateiros

Cães latindo para a lua galos cantando pro sol rádios esgoelando golao longo da minha rua

Janelas por onde espia uma criança ou viúva as brincadeiras da chuva o vento e sua folia

Anote, amor, anote:rosas de todas as coresno ar perfume de floresdálias e damas-da-noite

Bueiros desentupidos sem bitucas as calçadassempre pipas penduradas num céu de azul infinito. Será,amor, uma artériade tal forma democráticaque em cada esquina lunáticostrocarão suas ideias

O tráfico de sementese mudas para as hortas será intenso, por contade avós e adolescentes

À noite, sem mais aquela,quando a tevê estiverchata a ponto de doerolharemos as estrelas

Nas noites de plena lua à meia-noite você passeará prateada e nua e só os cães vão te ver

Numa esquina garapeironoutra uma quitanda rica(rica de cores e cheiros)e a Padaria Benfica

E será de quem, mulher, a bendita padaria senão de um José Maria bisneto de um português?O açougue será do Joãoa quitanda do Kentaro como a banca do Funaroa oficina do Carlão

Minha rua terá gentedos povos todos da Terraa conviver simplesmentecomo vizinhos de bairro

Então, mulher, quando eu forpara a viagem sem voltaache um super vereadore apresente esta proposta

Quem sabe seja preciso fazer a rua do nadapara ser inauguradajá velha. E já aviso:

- antes que sempre alguém façaa pergunta que se espera – Quem é que foi esse cara? – meu nome lá numa placa será coberto de hera.