Natural do Reino de Portugal, ainda moço migrou para a Colônia, estabelecendo-se inicialmente no Maranhão, no final da década de 1750, onde iniciou atividade de criação e comércio de gado,
Natural do Reino de Portugal, ainda moço migrou para a Colônia, estabelecendo-se inicialmente no Maranhão, no final da década de 1750, onde iniciou atividade de criação e comércio de gado,

 

Empresário, fazendeiro, agricultor, industrial, militar e político, João Paulo Diniz foi um importante empreendedor no Maranhão e Piauí no período colonial, escrevendo uma página brilhante de sua história.

Natural do Reino de Portugal, ainda moço migrou para a Colônia, estabelecendo-se inicialmente no Maranhão, no final da década de 1750, onde iniciou atividade de criação e comércio de gado, fundando diversas fazendas, inclusive no distante termo de Pastos Bons.

Com a expulsão dos jesuítas e seqüestro de seus bens, cuja medida foi efetivada, na prática, em 1759, período que coincide com a instalação da capitania de São José do Piauí, João Paulo Diniz recebeu para administrar, a fazenda Santa Cruz das Pedras Preguiças, que então lhes pertencia e passara para o Real Fisco, nas proximidades de Tutoia, no Maranhão. Aí estabeleceu sua moradia.

Dada à sua capacidade empreendedora desde cedo chamou a atenção das autoridades e ganhou sua confiança, sendo nomeado em 1768, pelo Capitão-General do Estado D. Fernando da Costa de Ataíde Teive, para o cargo de administrador da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, no vale do rio Parnaíba, estabelecendo-se na vila de São João da Parnaíba.

Nessas circunstâncias, em 1769 é encarregado pela mesma autoridade, de abastecer com carne, em larga escala, o mercado de Belém do Pará, que, àquela época consumia entre 28.000 e 30.000 bois por ano. Com o aumento da população, havia dobrado o consumo de carne nos últimos dezesseis anos, de forma que o rebanho da ilha de Marajó, embora crescente, não conseguia suprir as necessidades. Não havia outro recurso, senão recorrer ao Maranhão e Piauí, vez que, felizmente, a pecuária ainda não tinha avançado sobre a floresta amazônica. Contudo, em quase nada pôde ajudar o Maranhão, cujo suprimento local, em grande parte, dependia do criatório piauiense. Teive já vinha conversando com o governo do Piauí, desde o ano anterior, porém, o comércio pouco evoluiu, sendo feito em pequena escala através de canoas, Aliás, esse tímido comércio vinha sendo praticado há algum tempo, por comerciantes e criadores que trocavam seu produto por salsa que, em contrabando, permutavam na Bahia, por fazendas, conforme lembra o diligente Odilon Nunes.

Foi então que entrou em cena o empreendedor João Paulo Diniz, cuja nomeação para a Companhia, em 1768, já fazia parte dessas negociações. No ano seguinte foi encarregado diretamente do comércio e, assim, recebeu todo o incentivo para o empreendimento, inclusive apoio para a indústria de charque. Nascia, assim, o industrial, em cuja atividade iria ser pioneiro nas colônias lusitanas na América, colocando o Piauí à frente das demais capitanias, seja do Estado do Grão-Pará e Maranhão, seja do Estado do Brasil.

Assim, em princípio do ano de 1770, João Paulo Diniz organiza açougues e levanta oficinas de carne seca na foz do rio Balsas, para onde, sob suas ordens, os vaqueiros tocavam as imensas boiadas de gado curraleiro ou pé-duro, que ali eram abatidos, evitando os prejuízos na longínqua jornada por terra até o litoral, por mais de oitenta léguas. A carne, depois de retalhada e salgada, era transportada em barcos pelo rio Parnaíba abaixo, até o Porto das Barcas, de onde seguia em sumacas, via marítima, para Belém.

Para desincumbir-se dessa missão enfrentou toda sorte de adversidade, como transportar o sal rio acima, vencendo cachoeiras e bancos de areia, assim como a oposição das autoridades de Parnaíba. Todavia, nos primeiros dias do mês de novembro de 1770, ancora vitoriosamente no porto de Belém do Pará, com duas sumacas carregadas de carne seca dos sertões do Piauí e Maranhão. Estava, assim, vencido o ceticismo, aberta uma nova possibilidade de navegação pela costa, inaugurada a exportação de carne em alta escala e a indústria de charque na Colônia. Esse fato muito alegrou as autoridades do Pará e disse do arrojo e capacidade empreendedora desse pioneiro da indústria no Piauí. Foi, assim, João Paulo Diniz o primeiro industrial de nossa terra. Ao Capitão-General D. Fernando da Costa de Ataíde Teive, relatou todas as dificuldades enfrentadas e os receios do retorno. Este, então, assim escreveu ao governador do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, que lhe era subalterno, em 7 daquele mês e ano:

 

“Um dos homens de negócio da Parnaíba, chamado João Paulo Diniz, veio aqui trazer duas sumacas de carne-seca para a  Fazenda Real, tendo-se-lhe encarregado este transporte o ano próximo passado. E havendo na referida Vila alguma implicância como ele me informa, sucedeu duvidarem-lhe um piloto, que necessitava, para dar rumo a uma das embarcações, o qual, com efeito, recebeu a bordo dela, não obstante os embaraços que achou. Agora, porém, receia que na mesma Vila lhe façam alguma alcavala, de que saia prejudicado. E para evitar qualquer acontecimento contrário ao giro de seu negócio, passará V. Sa., as ordens que forem conducentes a este fim, visto andar o dito homem em serviço de S. Maj., e de tanta ponderação, que dele se deveu muita parte desta navegação até o presente ignorada” (CABACap. Livro 2. 2.ª Parte. P. 51-51v).

 

Sobre esse assunto anotou o historiador Odilon Nunes:

 

“João Paulo revelara-se homem enérgico, capaz de empreendimentos arrojados e chegou a fazer comércio de carnes-secas em portos como Bahia e Rio de Janeiro. A navegação, até o presente ignorada a que se refere o documento, era navegação costeira em barcos mais pesados do que canoas, como sumacas” (NUNES, Odilon. Estudos de História do Piauí. Economia e finanças (Piauí Colonial). 2ª Ed. Coleção Centenário. Vol. 8. Teresina: APL, 2014).

 

Portanto, está provado que João Paulo Diniz foi o pioneiro da indústria de charque no Piauí. Também, no Brasil, tendo antecedido a Domingos Dias da Silva, que, mais tarde iria notabilizar-se na indústria e comércio parnaibano. E com o sucesso desse empreendimento, João Paulo Diniz mudou-se definitivamente com a família para Parnaíba, onde construiu pequeno sobrado, trazendo a mulher e filhos, cuja mudança deu-se em 28 de março de 1772. Desde então, viveu entre a vila e a fazenda Frecheiras, do mesmo termo, nesta última construindo interessante capela que ainda hoje desperta o interesse de pesquisadores, alguns, à revelia da contextualização histórica, querendo dar-lhe data mais remota. Sua chegada definitiva a Parnaíba foi avisada ao governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, pelo juiz ordinário de Parnaíba, no correio mensal. Em resposta àquela autoridade, em 21 de abril, o governador assim respondeu:

 

“Entre as novidades que me refere o Diário de V. Mcê, do mês de março, veio dizer-me que no dia 28 do dito mês chegava a essa Vila João Paulo Diniz no seu barco vindo do Maranhão com toda a sua família, e que no mesmo também viera um homem, cujo nome ignorava, com mulher e filhos para na dita vila se estabelecer” (NUNES, Odilon. Op. Cit. P. 174-175 CABACap. Livro 5. P. 132-132v).

 

Odilon Nunes, sempre muito diligente, aventa a hipótese de ser Domingos Dias da Silva o companheiro de mudança de Diniz. Todavia, nada de concreto temos a respeito. Há quem diga que eram eles parentes, tendo Diniz dado a um filho o nome de Domingos em homenagem àquele. Pode ser. Ainda é de Odilon Nunes o seguinte comentário:

 

“João Paulo Diniz precedeu Domingos Dias da Silva na exploração do comércio de carnes, em grande escala no Piauí, e sua ação foi mais notável. Com referência a ele temos, como vimos, documentos de 1770, que o dão a explorar esse ramo de comércio até mesmo nas praças do Sul. Com referência ao segundo, temos documento que foi escrito em 1877 e baseado na tradição oral que se vinha repetindo há quase um século, que o dá a explorar esse ramo de comércio, no Piauí, a partir de 1768. Encontramos vários documentos referentes a suas atividades a partir de 1773, Cremos que se estivesse no Piauí, em 1770, teria concorrido no fornecimento de carne ao Pará. Sua ascendência histórica sobre João Paulo Diniz tem origem no acúmulo de grandes bens, na importância política que viriam usufruir seus filhos, numa descendência que se vinculou a importantes famílias da região. Sua ação foi mais duradoura” (Nunes, Odilon. op cit. p. 175).

 

Ainda, na qualidade de administrador da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, empenhou-se João Paulo Diniz no combate ao contrabando que se realizava no porto de Parnaíba, por onde entravam fazendas adquiridas por seus negociantes na Bahia e no Rio de Janeiro. Estes levavam carnes-secas em pequenas canoas para o Pará e trocavam-na por salsa, que logo mais permutavam pelas fazendas, prejudicando, assim, os interesses da Companhia. Então, foi pela mesma fundada uma feitoria que passou a “fornecer de todos os gêneros gastáveis nesses distritos e deles extrair como melhor lhe parecer os gêneros que a terra produzir” (NUNES, Odilon. Op. cit. P. 176. CABACap. Liv. 17. P. 2v-3).

Em 24 de abril de 1776, João Paulo Diniz firmou contrato junto ao Senado da Câmara de Tutoia, no Maranhão, como arrendatário da Ilha do Caju, para introduzir ali rebanhos da gado vacum(FERREIRA, Edgardo Pires. P. 517).

Paralelamente a essa intensa atividade industrial e comercial, ingressou na carreira militar, sentando praça em um dos regimentos, alcançando o posto de mestre-de-campo de cavalaria ordenança da capitania.

Nessa qualidade, em 4 de setembro de 1788 tomou posse na Junta Trina de Governo, assim coadministrando os destinos do Piauí, por ser naquele momento o oficial de maior e mais antiga patente. É que o Piauí estava sem governador desde a saída de Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, em 2 de janeiro de 1775, em cuja situação permaneceu até 19 de dezembro de 1797, por quase 23 anos. Conforme o Alvará de Perpétua Sucessão, essa Junta de Governo era presidida pelo Ouvidor-geral da Comarca, tendo por integrantes o oficial de maior patente residente em Oeiras e o vereador de maior idade do senado da Câmara da mesma cidade. Então, essa vaga de membro militar fora preenchida sucessivamente pelo tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, capitão de dragões Fernando José Veloso Miranda e Souza e, ultimamente, pelo sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório, que, infelizmente, por problemas políticos e abusos do capitão-general Fernando Pereira Leite de Foios, fora injustamente preso no Maranhão, juntamente com o vereador de maior idade, Antônio Alves Brandão. Então, nessas circunstâncias fora convocado e na indicada data tomara posse João Paulo Diniz, juntamente com o vereador mais velho eleito de barrete, Agostinho de Sousa Monteiro, em sessão presidida pelo Ouvidor-geral José Pereira da Silva Manoel. Permaneceu em pleno exercício do cargo por treze meses consecutivos, sendo que em princípio de outubro do ano seguinte requereu e conseguiu três meses de licença para retornar à sua casa no Engenho Frecheiras, termo de São João da Parnaíba, a fim de resolver “certas disposições, sendo a principal dar estado a uma filha, que a deixara contratada quando foi chamado para Adjunto” do governo(CABACap. Códice 152. P. 67). Porém, assumiu o compromisso de retornar às suas funções na “arrematação dos dízimos que se haviam de celebrar na noite do dia vinte e oito de dezembro” do mesmo ano, “por dever estar completo o corpo do governo para aquele ato” (CABACap. Códice 152. P. 67). Durante esse período padeceu grave doença na vila de Parnaíba e quando tencionava partir para Oeiras em 14 de dezembro, a fim de chegar a tempo do compromisso, vencendo noventa léguas desde seu engenho, foi chamado ao Maranhão pelo referido capitão-general, sendo também injustamente preso. Depois de vacância, Pinheiro Ozório, desvencilhando-se da prisão reassume seu posto militar e o cargo na Junta em 5 de março de 1790, voltando o mestre-de-campo às suas atividades empresariais, depois de também conseguir sua soltura, tudo por conta de arbitrariedades.

Em 1792, João Paulo Diniz firmou contrato de três anos com o Senado da Câmara de Alcântara, no Maranhão, para fornecimento de carnes secas e frescas(FERREIRA, Edgardo Pires. P. 517-518).

É importante ressaltar que, paralelamente a esse comércio de carnes-secas, também, tinha um atraente comércio de couros e solas do mesmo gado abatido, que muito incrementava a atividade desenvolvida, tendo nele muito se destacado o negociante Diniz. O Piauí foi grande exportador desse produto.

Faleceu em ano ainda ignorado, provavelmente em sua casa, na antiga vila de São João da Parnaíba.

João Paulo Diniz casou-se em Alcântara, no Maranhão, com dona Rosa Maria Joaquina Pereira de Castro, oriunda de importante família daquela vila, revelando-se grande incentivadora das atividades católicas em Parnaíba. Em 1777, o casal reformou o templo local, refazendo a nave central, o teto, o forro e a capela-mor da igreja matriz de Nossa Senhora da Graça. No ano seguinte doou à paróquia uma casa na praça da igreja. Como consequência, foi o casal recompensado com diversos privilégios e isenções na paróquia, inclusive sepultura in perpetuum.

De seu consórcio, deixou seis filhos, a saber: 1. Marianna de Deus Castro Diniz, casada em 1786 com José Pires Ferreira, genearcas de importante família do norte do Piauí, inclusive bisavós do marechal Firmino Pires Ferreira e de Joaquim de Lima Pires Ferreira, também biografados; 2. Domingos Diniz Pereira de Castro, capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar do Maranhão; 3.Francisco Diniz Pereira de Castro; 4. Joaquim Diniz Pereira de Castro; 5. Raymundo João Diniz Pereira de Castro; e, 6. Anna Rosa Diniz Pereira de Castro, que fora casada com Carlos Pedro Ribeiro, de Alcântara, pais do comendador Carlos Fernandes Ribeiro(30.10.1815 – 10.9.1889), médico e agrônomo, deputado geral e vice-presidente da província do Maranhão, em 1847.

Foi um grande empresário, homem de visão, que fez a diferença na Capitania do Piauí, deixando uma história de empreendedorismo que muito alavancou a economia piauiense e propiciou o nascimento de sua atividade industrial. A ele muito deve o Piauí.

 

* REGINALDO MIRANDA, é membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí