Nesta entrevista, José Nêumanne fala-nos sobre a antologia que produziu recentemente com cem grandes poetas brasileiros do século XX. É sempre problemático e sempre polêmico fazer uma antologia. É preciso ter coragem para escolher e assumir uma visão pessoal que gera e sustenta essa escolha. Conversando com Gabriel Perissé, Nêumanne manifesta sua paixão incondicional pela poesia. A entrevista se fez numa animada troca de e-mails, enquanto o jornalista usufruía de um merecido descanso no Nordeste.

 

 - Gabriel Perissé:
José Nêumanne, a antologia que você preparou com os 100 melhores poetas brasileiros do século XX, além do trabalho que deu também deve ter exigido um posicionamento seu sobre o que é a melhor poesia. Na sua maneira de ver, o que faz um poema merecer o título de antologizado?

 - José Nêumanne:
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Nesta entrevista, José Nêumanne fala-nos sobre a antologia que produziu recentemente com cem grandes poetas brasileiros do século XX. É sempre problemático e sempre polêmico fazer uma antologia. É preciso ter coragem para escolher e assumir uma visão pessoal que gera e sustenta essa escolha. Conversando com Gabriel Perissé, Nêumanne manifesta sua paixão incondicional pela poesia. A entrevista se fez numa animada troca de e-mails, enquanto o jornalista usufruía de um merecido descanso no Nordeste.

 

 - Gabriel Perissé:
José Nêumanne, a antologia que você preparou com os 100 melhores poetas brasileiros do século XX, além do trabalho que deu também deve ter exigido um posicionamento seu sobre o que é a melhor poesia. Na sua maneira de ver, o que faz um poema merecer o título de antologizado?

 - José Nêumanne:
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Veja bem, Gabriel: quando meu editor (e amigo) Luiz Fernando Emediato me convidou para escolher os 100 melhores poemas brasileiros do século, eu imediatamente lhe propus escolher os 100 melhores poetas. O que me induziu a propor essa mudança foi uma dificuldade que eu considerei insuperável: para escolher os 100 melhores poemas, eu teria de incluir 20, 30, sei lá, poemas de Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, que, em minha opinião, ficam num patamar bem superior aos outros que poderiam ser escolhidos. Além disso, falta-me legitimidade acadêmica para descascar esse "abacaxi". Preferi escolher os poetas e um poema que fosse representativo da obra de cada um. A escolha dos poetas pôde ser feita por um critério que domino e para o qual tenho legitimidade: o da edição jornalística. Isso inclui prévio conhecimento da história da literatura, uma leitura de poesia acima da média, um acompanhamento dos movimentos poéticos e, é claro, um certo gosto, uma certa sensibilidade para a poesia. Acusaram-me, depois, de ter sido complacente com meu próprio gosto. Pode ser. Mas só o fui na medida em que um jornalista é complacente com o próprio gosto pessoal quando escolhe um entre vários textos para publicar, quando seleciona o destaque para a página ou retira alguma personagem de uma foto, eliminando-a no corte.

 - Gabriel Perissé:
  Qual o papel que a linguagem poética exerce, na sua opinião, na vida de um leitor comum? 

 - José Nêumanne:
 Eu sempre digo que para quem faz poesia não é escolha, mas vocação, quase danação. Ela chega sem avisar, entra sem bater e se instala sem cerimônia.  Já o pobre do leitor, ela costuma pegar onde ele menos espera. Por comodidade, peço vênia para me limitar a exemplos colhidos ao acaso de minha própria antologia. A leitura do "Soneto do desmantelo azul", de Carlos Pena Filho, cujo "Livro Geral" acaba de ser relançado em Pernambuco, tem um lirismo de quadro de santo. Lembra-se daqueles crepúsculos de meios tons servindo de cenário para Jesus chorando no Jardim das Oliveiras? A malícia de Mané Bandeira em "Porquinho-da-Índia" é tal que dificilmente o leitor escapa de um risinho maroto depois de ler o poema. Não há quem não tropece na pedra que tem "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade. É bom descobrir os múltiplos e amplos significados de cada verso de "Auto-estima", de Mário Chamie. E instrutivo conhecer o Brasil, seja pela radiografia precisa de Affonso Romano de Sant'Anna em "Que país é este?", seja pelo flagrante social de Bráulio Tavares em "O caso dos dez negrinhos (romance policial brasileiro)". E as belas interrogações feitas sobre o amor em poemas como "Vigília", de Alberto Costa e Silva, e "Do amor", de Hilda Hilst? Eu, particularmente, não conheço melhor retrato da incomunicação humana do que o fragmento que escolhi de "Ilhas idílicas", de Neide Archanjo. E por aí afora.

 - Gabriel Perissé:
O livro está vendendo bem. O brasileiro gosta de antologias? Por quê?

 - José  Nêumanne:
 Não é que o brasileiro gosta de antologia. O público de qualquer nacionalidade, de qualquer língua, tem uma queda pelos dez mais isso, os dez mais aquilo. Esse é o segredo das resenhas de fim de ano dos meios de comunicação e também sempre foi dos colunistas sociais – os dez mais elegantes, os dez mais deselegantes etc. Isso talvez ocorra porque facilita o julgamento das pessoas. Há, aliás, um filme muito interessante explorando esse tipo de gosto na área do rock. Chama-se High Fidelity. Quando topei fazer a antologia, tinha acabado de ver o filme e minha leitura dele me estimulou a topar o desafio do editor.

 - Gabriel Perissé:
De todos os poetas que você incluiu, qual deles é, na sua preferência pessoal e subjetiva, o melhor dos melhores?

 - José  Nêumanne:
  C Um é Castro Alves, de cuja obra mamãe sabe muitos poemas de cor e gostava de recitá-los nas noites escuras do sertão pré-apagão. Castro Alves é do século 19. O outro é Augusto dos Anjos. Na adolescência, eu queria ser tuberculoso e morrer na flor da idade. Até hoje, o único poema que sei de cor, incluindo todos os meus, é o soneto "Vandalismo", de Augusto. O engraçado é que preferi selecionar outro, "As Cismas do Destino", que inclusive é maior. Esse eu não sei de cor, mas adoro. Recentemente, votei em Augusto dos Anjos para "paraibano do século". E ele ganhou. Não é tão comum eu votar em candidato que ganhe eleição.

 - Gabriel Perissé:
Em algum momento pensou em incluir os poetas brasileiros da MPB ? Por que não o fez?

 - José  Nêumanne:
Quando conversamos sobre a antologia, logo no começo, Emediato me perguntou se eu incluiria algum letrista de MPB. Mas descartei imediatamente essa possibilidade. Pois nessa questão das letras, concordo com Ivan Junqueira e Pedro Lyra. Ivan Junqueira gosta de citar Eliot para dizer que a música da poesia é o silêncio. E Pedro Lyra diz que letra é letra e poema é poema. É isso mesmo. São gêneros diferentes, pois a letra não vive sem a melodia e o poema tem de conter em si mesmo sua melodia, sua harmonia e até seu ritmo. Reconheço a existência na MPB de letristas excepcionais. Pode até ser que seja o caso de se fazer uma antologia de letras ou de letristas. Mas teria de ser separada da poesia. E eu não seria a pessoa indicada para organizá-la. Essa é uma tarefa para um gigante da crítica musical, um Zuza Homem de Mello, um Tárik de Souza, por exemplo.

 - Gabriel Perissé:
Você faria agora uma antologia com os cem melhores contistas ou romancistas brasileiros do século XX?

 - José  Nêumanne:
Olhe, amigo, acho que a melhor resposta para esta sua última questão é a citação de uma frase famosa do produtor de cinema de Hollywood Louis B. Mayer, da Metro: "include me out". Inclua-me fora disso, por favor.

 

. O que me induziu a propor essa mudança foi uma dificuldade que eu considerei insuperável: para escolher os 100 melhores poemas, eu teria de incluir 20, 30, sei lá, poemas de Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, que, em minha opinião, ficam num patamar bem superior aos outros que poderiam ser escolhidos. Além disso, falta-me legitimidade acadêmica para descascar esse "abacaxi". Preferi escolher os poetas e um poema que fosse representativo da obra de cada um. A escolha dos poetas pôde ser feita por um critério que domino e para o qual tenho legitimidade: o da edição jornalística. Isso inclui prévio conhecimento da história da literatura, uma leitura de poesia acima da média, um acompanhamento dos movimentos poéticos e, é claro, um certo gosto, uma certa sensibilidade para a poesia. Acusaram-me, depois, de ter sido complacente com meu próprio gosto. Pode ser. Mas só o fui na medida em que um jornalista é complacente com o próprio gosto pessoal quando escolhe um entre vários textos para publicar, quando seleciona o destaque para a página ou retira alguma personagem de uma foto, eliminando-a no corte.

 - Gabriel Perissé:
  Qual o papel que a linguagem poética exerce, na sua opinião, na vida de um leitor comum? 

 - José Nêumanne:
 Eu sempre digo que para quem faz poesia não é escolha, mas vocação, quase danação. Ela chega sem avisar, entra sem bater e se instala sem cerimônia.  Já o pobre do leitor, ela costuma pegar onde ele menos espera. Por comodidade, peço vênia para me limitar a exemplos colhidos ao acaso de minha própria antologia. A leitura do "Soneto do desmantelo azul", de Carlos Pena Filho, cujo "Livro Geral" acaba de ser relançado em Pernambuco, tem um lirismo de quadro de santo. Lembra-se daqueles crepúsculos de meios tons servindo de cenário para Jesus chorando no Jardim das Oliveiras? A malícia de Mané Bandeira em "Porquinho-da-Índia" é tal que dificilmente o leitor escapa de um risinho maroto depois de ler o poema. Não há quem não tropece na pedra que tem "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade. É bom descobrir os múltiplos e amplos significados de cada verso de "Auto-estima", de Mário Chamie. E instrutivo conhecer o Brasil, seja pela radiografia precisa de Affonso Romano de Sant'Anna em "Que país é este?", seja pelo flagrante social de Bráulio Tavares em "O caso dos dez negrinhos (romance policial brasileiro)". E as belas interrogações feitas sobre o amor em poemas como "Vigília", de Alberto Costa e Silva, e "Do amor", de Hilda Hilst? Eu, particularmente, não conheço melhor retrato da incomunicação humana do que o fragmento que escolhi de "Ilhas idílicas", de Neide Archanjo. E por aí afora.

 - Gabriel Perissé:
O livro está vendendo bem. O brasileiro gosta de antologias? Por quê?

 - José  Nêumanne:
 Não é que o brasileiro gosta de antologia. O público de qualquer nacionalidade, de qualquer língua, tem uma queda pelos dez mais isso, os dez mais aquilo. Esse é o segredo das resenhas de fim de ano dos meios de comunicação e também sempre foi dos colunistas sociais – os dez mais elegantes, os dez mais deselegantes etc. Isso talvez ocorra porque facilita o julgamento das pessoas. Há, aliás, um filme muito interessante explorando esse tipo de gosto na área do rock. Chama-se High Fidelity. Quando topei fazer a antologia, tinha acabado de ver o filme e minha leitura dele me estimulou a topar o desafio do editor.

 - Gabriel Perissé:
De todos os poetas que você incluiu, qual deles é, na sua preferência pessoal e subjetiva, o melhor dos melhores?

 - José  Nêumanne:
 Desde a mais tenra infância, tenho devoção especial por dois poetas brasileiros. Um é Castro Alves, de cuja obra mamãe sabe muitos poemas de cor e gostava de recitá-los nas noites escuras do sertão pré-apagão. Castro Alves é do século 19. O outro é Augusto dos Anjos. Na adolescência, eu queria ser tuberculoso e morrer na flor da idade. Até hoje, o único poema que sei de cor, incluindo todos os meus, é o soneto "Vandalismo", de Augusto. O engraçado é que preferi selecionar outro, "As Cismas do Destino", que inclusive é maior. Esse eu não sei de cor, mas adoro. Recentemente, votei em Augusto dos Anjos para "paraibano do século". E ele ganhou. Não é tão comum eu votar em candidato que ganhe eleição.

 - Gabriel Perissé:
Em algum momento pensou em incluir os poetas brasileiros da MPB ? Por que não o fez?

 - José  Nêumanne:
Quando conversamos sobre a antologia, logo no começo, Emediato me perguntou se eu incluiria algum letrista de MPB. Mas descartei imediatamente essa possibilidade. Pois nessa questão das letras, concordo com Ivan Junqueira e Pedro Lyra. Ivan Junqueira gosta de citar Eliot para dizer que a música da poesia é o silêncio. E Pedro Lyra diz que letra é letra e poema é poema. É isso mesmo. São gêneros diferentes, pois a letra não vive sem a melodia e o poema tem de conter em si mesmo sua melodia, sua harmonia e até seu ritmo. Reconheço a existência na MPB de letristas excepcionais. Pode até ser que seja o caso de se fazer uma antologia de letras ou de letristas. Mas teria de ser separada da poesia. E eu não seria a pessoa indicada para organizá-la. Essa é uma tarefa para um gigante da crítica musical, um Zuza Homem de Mello, um Tárik de Souza, por exemplo.

 - Gabriel Perissé:
Você faria agora uma antologia com os cem melhores contistas ou romancistas brasileiros do século XX?

 - José  Nêumanne:
Olhe, amigo, acho que a melhor resposta para esta sua última questão é a citação de uma frase famosa do produtor de cinema de Hollywood Louis B. Mayer, da Metro: "include me out". Inclua-me fora disso, por favor.