Washington Ramos

“João Nonon de Moura FONTES IBIAPINA (1921-1986) é um exemplo de força de vontade e talento, pois, vindo do interior de Picos, começou a estudar já adolescente e se tornou um dos maiores escritores piauienses.
 
          Foi jornalista, professor e juiz de direito em várias cidades do interior do Piauí. Estas atividades, aliadas à sua infância vivida na zona rural, muito contribuíram para o profundo conhecimento que ele tinha do povo e da terra piauienses, elementos fundamentalmente marcados em seus livros, sejam os de ficção ou os de folclore.
 
          Estudiosos de literatura, na maioria das vezes, falham quando consideram Fontes Ibiapina um escritor exclusivamente regionalista, o que não é verdade. Nota-se que Pau de Fumo (Chico da Benta), o anti-herói do romance Palha de Arroz, não é só uma personagem meio naturalista e regionalista; é também muito introspectiva, atormentada pelos conhecimentos que obteve como estudante; levada, por esses conhecimentos, a questões que sempre acompanham o ser humano. Note-se também que, por trás da linguagem e dos costumes regionais retratados no romance Tombador, está a presença de temas essencialmente universais como a loucura, o sexo, o ciúme etc.
 
          A obra de Fontes Ibiapina se divide, basicamente, em quatro espécies literárias: romance, contos, teatro e folclore. Seus romances, além de realistas, mostram o Piauí onde o homem se debate com os mais variados problemas. No conto é onde se encontra o aspecto memorialista de sua obra, além de ser a sua melhor realização literária. Como folclorista, Fontes Ibiapina é não só grande conhecedor de nossas lendas e superstições, como também um estudioso de nossos adágios e expressões populares.
 
          Estruturalmente, sua narrativa é tradicional, linear, com início, meio e fim. Sua linguagem, onde o humor se faz presente, é toda baseada em adágios e na língua falda de nosso povo.
 
          Fontes Ibiapina faleceu na madrugada de 10 de abril de 1986, após tentar observar o Cometa Halley, na Lagoa do Portinho.
 
 
Breve estudo sobre Fontes Ibiapina
 
*         Escola
 
          - Autor modernista
          - Autêntico herdeiro do neo-regionalismo da década de 30
 
 
*         Aspecto Técnico da Ficcão de Fontes Ibiapina
 
          - Relato “linear” (seguido e objetivo - começo / meio / fim)
          - Personagens estáticas ou planas, de qualidades completas
 
*         O Contista
 
          - Melhor forma de expressão literária: o conto
          - Modalidades variadas:
                    - documento folclórico (Congresso de Duendes)
                    - cultura popular (Paremiologia Nordestina e O Casório                                       da Pafunsa)
                    - mundo sertanejo (Trinta e Dois e Tangerinos)
 
*         O Romancista
 
          - Técnica realista-documental (apelo à pesquisa e à memória)
          - Autor memorialista (identificado com a região nordestina)
          - Cenário: Teresina e arredores de Picos
          - Personagens predominantes: o homem rural e seus                                         problemas geográficos, econômicos, políticos e sociais
 
*         Filme
 
“A Solução Final”, proposta baseada no romance Palha de Arroz:
 
-        Argumento original: Fontes Ibiapina
-        Adaptação e roteiro: Mamoru Myao e José Antonio da Silva
-        Direção: José Antonio da Silva (Zeantonio)
-        Duração de filmagem: 184 dias
-        Registro na EMBRAFILMES/MEC: 09
 
 
*         O Folclorista
 
          - Pesquisa e experiência de vida
          - Passarela de Marmotas
           (cabeça-de-cuia, curupira, caipora, zamba...)
          - Paremiologia Nordestina
           (expressões populares) - acervo
          - Terreiro de Fazenda e Desfile de Malucos (inéditos)
 
*         Linguagem e Estilo
 
          - Expressão literária sem convencionalismos e técnicas:
 
          “Cada um para o que nasce. Coisa sem rumo se dizer que
a sorte só dá toucinho a quem tem jirau. Sofrer sei que muitos sofrem, e muitos mais dos muitos outros”.
                                                                     In “Mamolengo, Brocotós”
 
          - Linguagem:
                    - contato direto com o homem simples
                    - vivência com o meio e memórias de infância
                    - relato de episódios curiosos e pitorescos, entremeados    
de modismos, provérbios e dizeres da região, com tons de humor.
 
                    “A harmônica remoía um chote queimado. Um chote daqueles em que a negra cochila no ombro do camaradinha sacodindo as bochechas da anca que nem uma peneira”.
                                                                     In Sambaíba, pág. 88
 
                    “Não fechou a boca! a cobra velha fez o pulo. Na rebanada que o negrinho deu, a manga da camisa bandeirou no ar. E ela filou no punho da manga da camisa do moleque. O cabra se valeu das santas canelas e azulou por dentro do carnaubal, que iam com tudo, no maior dos alaridos. E a cobrona visgada! Bandeirando estirada! Sabe o que se deu no final da história?... O negrinho perdeu o respeito às calças, e foi quela sujeira!”
 
- A confiança na memória, como garantiu no inédito “Terreiro de Fazenda” (Tudo Mnemonizado), se inicia pelas citações de abertura...
 
                              A usura fez tábua-rasa
                              Da velha chácara triste:
                              Não existe mais a casa...
                              Mas o menino ainda existe.
                                                                               Manuel Bandeira
                             
                    ... e prossegue mais adiante:
 
                    “Modéstia à parte, a memória ainda nos ajuda a                                               reprodução de quase tudo que cantamos quando                                             menino”.
 
                    Na dedicatória, o carinho do tempo:
 
                    “A todos os meus colegas de infância, uma amizade                                         que nunca morre”.
 
          - Lirismo, também importante na obra de Fontes Ibiapina:
 
          “Era uma lua bonita! Palha de Arroz, tranqüila parecia um arraial antigo dentro da madrugada. Lá no meio do céu, redonda e bonita, a lua parecia um disco. Um disco cantando uma canção. Uma canção que poetas não escrevem, nem músicos compuseram”.
                                                                               In Palha de Arroz
 
          - Figuras de Estilo, incontáveis na obra do escritor:
 
          Hipérbole                “Dava cada espirro que estremecia a terra, e                                                   das ventas saiam dois canudos de chamas que                                               clareavam tudo em redor”.
                                                                               In Congresso de Duendes
 
Metáfora                “O sol ia-se deitando na rede da noite, para o sono, lá por detrás da serrania ao longe”.
                                                                               In Tombador
 
Metonímia    “Com o peito arfando do puro orgulho, Bernadinho falou grosso e bonito para a cabeça branca de seu velho”.
                                                                               In Tombador
 
Prosopopéia “O vento roncou com mais força ainda”.
                                                                               In Congresso de Duendes
 
Aliterações   “Caixão, roupas, sapatos, sinal, sepulturas, tudo, tudo! Até a missa de sétimo dia mandou celebrar".
                                               In Congresso de Duendes