ESMOLA

     Eu dou esmola. Sei que nem sempre ela resultará útil. Talvez resulte pouco útil, ou até mesmo contribua para criar mais  um vício neste mundo de tantos viciados. Não é por vaidade nem para aparecer como caridoso (nem gosto da palavra caridade e suas derivações), mas nem sempre sei recusar uma esmola a alguém. Quando vejo uma pessoa, na pior dentre as piores, me pedindo uma esmola pelo amor de Deus, ou pela luz de meus olhos, ou pelo amor de meus filhos, não sei dizer não. Sei que algumas vezes é chantagem emocional, daquele tipo que mexe fundo na gente. Mas raramente digo não, ou silencio. Quando o pedido é ilustrado com uma ferida ou uma deformidade, então é que não nego mesmo.

     Uma publicidade da prefeitura de Teresina pede que a gente dê cidadania, e não esmola. Mas, como dar cidadania a uma pessoa, seja ela esmoler ou não? Cidadania não é um objeto; é um processo lento e longo. Não se efetiva em alguns minutos. Será que não dar uma esmola já é um princípio de cidadania?

     Essa intenção de dar cidadania me lembra um conto de um escritor gaúcho. Ele ganhou um prêmio de um restaurante chique e levou vários mendigos para jantar com ele lá. Não ficou nenhum cliente no restaurante e ainda esculhambaram com ele durante vários dias. É fácil as pessoas dizerem que se deve dar cidadania aos miseráveis, contanto que ninguém os traga para perto delas nem para os lugares elegantes que elas frequentam com seus amiguinhos. Elas sempre acham que nada têm a ganhar com os lascados da vida.

     Aqui em Teresina, há uma senhora cuja face denota fome, tristeza, desamparo. Traja-se com roupas simples, limpas e sem farrapos. Ela já foi fotografada por alguém e exposta no Facebook, com uma frase dizendo: “Você já foi abordado por ela lhe pedindo uma esmola.” Os comentários nesta postagem chegaram aos milhares, a maioria em tom humorístico. Eu já fui abordado por ela, sim. Quando topa comigo, diz, numa voz penosa e cheia de mágoa: “Moço, ô, moço, me dê uma ajuda.” É tão dolente o modo como ela fala, que eu não resisto e lhe dou alguns trocados quando tenho. Quando não tenho, digo-lhe algumas palavras de consolo. Ela se afasta logo, não quer ouvir. Não aparenta nenhum problema de saúde. Presumo que pode trabalhar para ganhar algum. Pensando nisso, resolvi não lhe dar mais esmola, pois já o havia feito várias vezes. Senti-me explorado. Precisava acabar com isso. Parece até que ela já me conhecia e me considerava um porto seguro para receber algum.

     Um belo dia, porém, em plenas 3 horas da tarde, eu ia a pé pela  Eliseu Martins, quando a vi no mesmo lado da rua em que eu ia. Passei para o outro lado. Ela fez o mesmo e,aproximando-se de mim, foi dizendo: “Moço, ô, moço...”  Não olhei para ela e fiz que não ouvi. Ela não desistiu e cravou:  “Moço, ainda não almocei hoje.” Parei como se impedido por uma força oculta. “Me arranje um real pra mim completar meu almoço.” Não tive como recusar. Talvez fosse mentira. Mas fazer o quê? Nem sempre tenho sangue frio diante da miséria ou de sua simulação.