[Por Galeno Amorim]
 
Bibliotecárias têm um jeito especial de enxergar as coisas. Talvez venha daí essa extraordinária capacidade de lidar com tanta informação desconexa, organizá-la e, então, devolver tudo pra gente, pobres mortais, saborear da forma que melhor aprouver. Certamente por isso que necessitamos tanto delas!

Mas não é de hoje que se ouve por aí falar de uma outra função delas - essa não exatamente lida nos pingos da Lei.

Mas sim como fruto direto da necessidade, por elas há tempo percebida, na sua lida diária em meio a montanhas de livros e seus potenciais leitores. É a nobre função de servir de ponte. Entre uns e outros. Entre outros e uns. Para mediar, aproximar, contar justo aquilo que um ainda não sabe sobre o outro, mas adoraria saber. Enfim, de atuar como um verdadeiro Santo Antônio casamenteiro dos tempos modernos, para juntar homens, mulheres e crianças de todas as idades aos livros. E estes àqueles.

- Um educador! É isso que o bibliotecário é! - foi o que ouvi da boca de uma delas, e talvez a maior de todas, de nome Dona Carminda. 

- Em certos lugares onde, muitas vezes, só existe ele atuando profissionalmente, deve ser essa a sua missão mais nobre...

Do alto de seus quase 90 anos, e ainda na ativa, dando palestras para orientar os mais jovens, ajudando grandes corporações a se encontrarem com sua própria história ou discorrendo com facilidade sobre metadados e tecnologia da informação e outros babados dos tempos atuais, ela nunca deixou de ensinar. E a mostrar, a quem tem olhos de ver, a luz lá diante.

Dona Carminda Nogueira de Castro Ferreira tornou-se um símbolo para as bibliotecárias e os bibliotecários brasileiros. Dos seus onze filhos (que lhe deram 33 netos e 13 bisnetos), nada menos do que nove têm, como ela, um diploma de bibliotecário. Acabaria por ocupar postos de direção nas principais entidades da área, fundar e dirigir uma escola importante - mas, principalmente, trazer um pouco de boa luz ao exercício dessa profissão tão bonita quanto essencial.

Tudo começou por obra do acaso. Formada em Letras Românicas na prestigiosa Universidade de Coimbra, ela veio com o marido para o Brasil na primeira metade do século 20. Já era em Portugal uma mulher à frente de seu tempo: entrara para a faculdade quando isso não era tão trivial assim. E lá permaneceria mesmo depois de casada, grávida e, em seguida, mãe. Uma verdadeira afronta aos costumes da época.

Mas, como o acaso não existe, aqui - mais precisamente em São Carlos, no interior de São Paulo -ela acabou voltando pra escola. Com dez filhos a tiracolo, madura, arrumou uma bela desculpa: acompanharia o mais velho, reprovado no vestibular de Engenharia, nas aulas do recém-criado curso de Biblioteconomia. Para dar uma força ao rapaz.

Dona Carminda nunca mais deixou as bibliotecas. Se apaixonou como uma adolescente pela coisa. Seguiu assim, literalmente, até o fim. Deu aulas, dirigiu a Faculdade de Biblioteconomia, que ajudou a criar. Mas, sobretudo, ajudou muito a pensar e repensar o papel dos profissionais da área e o rumo da profissão num mundo tomado pelas novas tecnologias.

- A invenção do computador - dizia ela, que era devota de Nossa Senhora de Fátima - foi uma grande bênção.

Tenho encontrado por aí uma boa geração de bibliotecárias devotadas que compartilham desse mesmo sentimento de Dona Carminda. Para elas, o bibliotecário deve ser, sobretudo, um educador. É uma gente que luta contra todo e qualquer tipo de adversidade em suas bibliotecas e nas comunidades onde vivem e persistem.

Tudo para ajudar a formar uma gente que leia mais, que se descubra e se reinvente o tempo todo graças aos livros, levando a cabo, assim, sua própria noção de Educação Continuada, e pela vida toda.

Onde elas estão? Por toda parte, de norte a sul do Brasil. Como fazer para descobri-las? 

É simples: basta olhar em seus olhos enquanto apresentam, e convidam à leitura, um novo livro a um leitor ávido que as buscam como um náufrago que pede socorro.

A resposta está nesse olhar. Elas não sabem disfarçar...