Prof. Alceu Amoroso Lima cercado de estudantes,  na “Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras (Fnfi)". Rogel Samuel, autor desta crônica, é o último à direita.
Prof. Alceu Amoroso Lima cercado de estudantes, na “Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras (Fnfi)". Rogel Samuel, autor desta crônica, é o último à direita.

[Rogel Samuel]

Mestre Alceu Amoroso Lima escreveu sobre literatura e crítica literária, filosofia, política, história contemporânea. Foi meu professor de Cultura Brasileira. A cultura são as características humanas inatas. A cultura se opõe à idéia de natureza. É a capacidade de simbolização da vida coletiva, está na base das interações sociais. Vive da produção e transmissão do conhecimento.

 

Mas também aparece cultura como a capacidade intelectual de um indivíduo, o seu saber, a sua instrução. Quando se diz que alguém é “culto”.


O certo é que a cultura vive dos códigos e padrões que regulam a vida de um povo, do desenvolvimento de uma sociedade. A cultura se manifesta em todos os aspectos da vida, nos modos de sobrevivência, no comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais, arte etc.


Segundo o Mestre Alceu Amoroso Lima, “cultura é o que esquecemos do que aprendemos, mas é assimilado à nossa consciência”.
Nada mais simples!


Ele foi meu professor de “Cultura Brasileira”, cadeira criada especialmente para ele. Era a primeira vez que oferecia. Era uma novidade, na época, na “Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras (Fnfi), da Universidade do Brasil. Um belo nome que depois mudaram para o prosaico Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Ironicamente, anos depois, fui o professor de “Cultura Brasileira” ali, naquela mesma Faculdade, naquela mesma Universidade, no mesmo lugar, matéria agora denominada Fundamentos da Cultura Brasileira.


Mas quem sou eu!


O Mestre Alceu, por que não lhe gravaram aquelas aulas magistrais? Vários intelectuais, escritores e poetas as assistiam, como Walmir Ayala. Alceu brilhava. Trazia 5 ou 6 livros debaixo do braço, para citação. Durante as preleções aulas, andava de um lado para o outro. Abria os braços, gesticulava. Tinha consciência de sua superioridade, de sua lucidez. Aquelas aulas fizeram história.


Ainda era um homem forte, na casa dos sessenta. Tinha sido atleta quando jovem, nadava de Botafogo à Urca, atravessando o mar.


Dizem que acordava cedo e saía para tomar café na padaria da esquina. Depois voltava para sua leitura diária de Croce, que lia todos os dias, durante certa época de sua vida. Eu era quase um menino, naquela época, uns vinte anos de idade, não aproveitei. Mas fiquei amigo do Mestre. Carregava sua pesada pasta, depois das aulas.


Certa vez esqueceu o título de uma obra de Anchieta, e eu bradei: “Auto da pregação universal”. Hoje me arrependo. Mas aquilo foi o início de nossa amizade.


Na última vez que o vi estava saindo do carro, em frente à Academia. Já velho. Pesado. Parei para vê-lo passar. Ele me cumprimentou. Não creio que me tenha reconhecido. Cumprimentou-me como faz uma pessoa que todos conhecem. Morreu logo após. Ficaram seus livros, suas aulas. Suas palavras. Ficou o que eu esqueci, mas foi incorporado à minha consciência.


Antes, carregava sua pesada pasta. Hoje, carrego sua grande ausência.