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Dialogando com a “Carta Aberta” de Ferreira Gullar 

 

 

                                 Cunha  e Silva Filho 

 

 

        Acredito que li , até hoje,  praticamente  todas as crônicas de Ferreira  Gullar no Caderno  Ilustrada da Folha de São Paulo,  publicado aos domingos. São crônicas nas quais  o grande  poeta brasileiro discute  assuntos  variados, destacando-se,  porém,  alguns  temas  recorrentes,  ou seja,  a política brasileira   dos  dois governos  do   Lula, do primeiro mandato da   presidente Dilma e, agora,  desse segundo  mandato dela  ainda em  andamento. O segundo tema recorrente aborda  outras áreas de  estudos,  poesia,  artes  plásticas.Seu  estilo  é enxuto,  objetivo,  comedido. Fala com  experiência,  com  conhecimento da realidade brasileira, tanto social quanto  cultural. É um mestre no que faz. 

     Hoje, dia 18 de outubro, sua crônica se dirige diretamente aos brasileiros: “Carta Aberta.”  É partir dela que  desejo  dialogar com o cronista maranhense. 

    Gullar,  que foi  exilado no período  da ditadura  militar,  foi  esquerdista, morou na Rússia,  na Argentina,  hoje tem  uma  postura  democrática,  aberta  ao diálogo  sem extremismos e, como tal,   repudia  o PT e, na mencionada,    crônica,  conversa com todos nós, leitores, num tom sempre  de orientação firme e franca  e coerência  de ideias,  principalmente,   de uma   rara   capacidade  argumentativa  de um observador  perspicaz  dos fatos  políticos  e dos desacertos   que vê há tempos   na governança  petista. 

       Gullar  não  omite  o fato de que o PT foi  fundado  por  figuras  eminentes  da vida  intelectual  brasileira que,  com   o passar do tempo,  foram se  desiludindo  dos   reais  objetivos  do  petismo, antes   com  uma plataforma  política  de renovação e de moralização das causas públicas  quer dizer,  de um   proposta    em favor  da melhoria  do trabalhador,  das  classes excluídas, dos merdunchos  como  definia o contista  João Antônio. 

      O poeta do  Poema sujo concorda com  o que  todos  esperavam do  Lula e nele confiavam   cegamente. Contudo,  a administração   lulista  foi  mostrando  aos poucos a que veio:   tornar-se um   partido forte e que assim pudesse mudar  a sua antiga  fisionomia,  afastando-se  dos seus   princípios norteadores  e descambando  para uma governança  feita  de  conchavos   espúrios  com o que de pior  caracterizava a  velha   política clientelista,  combinando  populismo e cooptações  com   o empresariado e capitalismo  na sua forma mais   degradante, que é  a introdução  do esquema   de corrupção que  iria  ser  traço   distintivo  do  petismo.   

     Ora, não tardou que surgissem escândalos de corrupção, envolvendo  altas figuras do governo  Lula,  como   José Dirceu,  José Genoíno e outros de maior  ou menor   projeção  do governo. Daí para  diante,  a imagem do PT e do seu líder Lula não cessaram  de  sofrer   uma  desconstrução  do ponto de vista  de moralidade  administrativa. Os escândalos  enredavam  petistas e aliados no recebimento de propinas  e no uso da máquina  do Estado  para beneficiar   financeiramente altas autoridades  do governo  federal. 

      Quer dizer, alguns membros do PT subiram  ao  poder para se  locupletar   financeiramente   com o dinheiro  público  em conluio  com  empreiteiras  mediante  os expedientes  de favorecimento nas licitações em troca de polpudas  propinas  que iam cair nos bolsos  de  políticos  e  do  primeiro escalão do governo Lula.  

      Esse mesmo  comportamento continuou no governo  Dilma com  outros  escândalos  que  pipocaram em série, o do Petrolão,  o LavaJato, com novos  atores  do mundo  do empresariado de ponta com  membros do PT no exercício de cargos  públicos.Tanto  nos mandatos do Lula quanto nos de Dilma, o segundo mandato ainda  em curso, os chefes de Estado  foram apontados  como    implicados  nessa onda de escândalos  financeiros, circunstância, de resto,   negadas  por Lula e por  Dilma. 

      Entretanto, o que Ferreira Gullar pretendeu   enfatizar foi   o fato de que,  não obstante  tantos  escândalos,  tantas denúncias,  tantas  críticas duríssimas   contra a    honra  de Lula e de Dilma  não foram suficientes para  desalienar  a cegueira  de presunção  de   parte  - creio que  pequena -  da elite  intelectual  de São Paulo -  que  ainda  teima  em  manter  seu apoio  incondicional  aos governos  petistas e contra  o  impeachment  de Dilma Rousseff.  

        Alegam aqueles  intelectuais  de renome que  não há nenhuma   evidência  cabal  e indiscutível de que  Dilma  tenha  alguma  culpa  pela  corrupção  em seu governo. É aí que Gullar  cobra daqueles e de  possíveis  leitores  petistas  que  mantêm  uma  solidariedade  cega ao partido populista:   “Não sei o que você diz a si mesmo  quando deita a cabeça no travesseiro. Como justificar o Petrolão? 

      Essa é a  questão central  da carta aberta de Gullar: não é possível que, diante dos fatos,   das denúncias, das prisões,   das investigações da Polícia  Federal, de todas mazelas  e falcatruas   cometidas  sob  o domínio do petismo,  as pessoas sensatas e esclarecidas ainda  estão  cegas  a esses desatinos  do PT. 

     Como podem ficar   esses  fanáticos – o nome só pode ser  esse – indiferentes  à realidades  social e política do país,  às falsas  promessas de campanhas,   de Dilma, que,  mal  raivava  o dia seguinte  da sua posse,   ela  mostrou  logo   o seu fácies   de demagogia  e de  falácias   da real  situação  caótica  com que  começava o segundo mandato:  economia  em  estado de desagregação,  inflação  alta,  juros  altos,  endividamento  público, arrocho salarial,   gastança  das contas  públicas, e alta corrupção  de membros  de seu governo.  

      Um estadista verdadeiro  não pode   camuflar  a situação    desastrosa  do país  provocada  pelo desgoverno e pela imoralidade administrativa. Esconder  o que, no dia seguinte da posse  iria fazer  contra a sociedade,  é por si próprio   um desserviço à Nação. Os empedernidos  petistas  não querem  enxergar  tudo isso e por isso mesmo   desconhecem  as alteridades e a voz  da  grande  maioria dos  descrentes e indignados com   a indignação de um  povo  nada tem a ver com  golpismo. Somente  vê golpismo  os que estão  com  os olhos abertos  ao  petismo   mas vedados  à realidade de um  povo sofrido sem saúde, sem segurança,  sem  transporte,  sem  educação de qualidade e sem  esperança  alguma. Esse é o golpismo  dos cegos e alienados. A cegueira  provocada  pelo fanatismo  político-ideológico é a cegueira de todos  os  príncipes felizes.  Cumpre fazê-los   ver “o muro”  de que fala um conto  de Oscar Wilde (1856-1900). Ao transpor o “muro” do “gigante  egoísta,”  ao derrubá-lo, ele, ser alienado, presunçoso e  egoísta,  ingressa na realidade possível de ser  melhorada  e de nela  permitir  a convivência   em paz e felicidade