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Dílson Lages Monteiro – da Academia Piauiense de Letras 

Os círculos de leituras se revelam, historicamente, como caminhos eficazes para estimular o hábito de leitura e a formação do leitor. Em tempos movidos pela instantaneidade de divulgação de ideias e facilidade de agrupamentos de pessoas em torno delas, reunir-se para ler e discutir literatura se tornou um hábito revigorante. Os círculos permitem que a literatura seja concebida para além de conceitos e formas (especialistas são quase unânimes em afirmar que o modelo tradicional de ver a literatura tem falhado ao conceber como prioritário “o que se disse ou se diz sobre obras e autores e não a leitura efetiva do texto literário”). Os círculos põem a literatura ao centro, compreendendo-a e interpretando-a como experiência e, desse modo, reinserindo o leitor como principal e legítimo coadjuvante do processo de leitura.

Sabe-se hoje que estudar a literatura a partir do texto e não exclusivamente da tradição da historiografia literária impõe-se como passo decisivo para a formação de leitores.  Essa perspectiva significou, por exemplo, para um dos mais abalizados críticos literários contemporâneos, José Castello, numa das grandes conquistas de sua trajetória escolar. Em entrevista a Josiane Orvatich, do site Tempos de Morangos, ele relata ao relembrar seu despertar para a literatura no Rio de Janeiro:

“Eu estudei nove anos no Santo Inácio, um colégio de jesuítas que ainda existe, que hoje é mais liberal, misto, mas na época era só de meninos e muito rígido, religioso (...) O colégio me deu muitas coisas boas. Uma delas, um excelente ensino de humanidades: de literatura, de línguas, de história. Os livros didáticos de literatura iam até certo ponto, não pegavam os autores contemporâneos. Na área de poesia, iam até Bandeira, Schmidt, João Cabral, embora a gente lesse mais Castro Alves e Camões. Nesse contato, eu tinha aulas de literatura portuguesa, brasileira, francesa, e não aulas teóricas, era contato direto com o texto literário. Não se discutia teoria literária, no máximo um pouquinho das escolas.”

Discutindo-se o texto vive-se, verdadeiramente, a literatura. Para Rildo Cosson, um dos principais pesquisadores do assunto no País, esse tipo de leitura gera respostas positivas, porque apresenta “o caráter social da interpretação dos textos”, facilita a apropriação e manipulação do repertório “com um grau maior de consciência” e porque “a leitura em grupo estreita os laços sociais, reforça identidades e a solidariedade entre as pessoas”. Ainda, porque  “os círculos de leitura possuem um caráter formativo”.

Eles se apresentam como um instrumento valioso não apenas para a formação de um público leitor de literatura, mas também para resgatar uma função básica dessa modalidade de discurso, inclusive e principalmente no cenário escolar, conforme lembra a professora Begma Tavares: “A formação do leitor de literatura pressupõe, portanto, práticas que, prioritariamente, motivem os alunos a produzirem suas leituras; e muitas e diferentes leituras podem ser feitas de um mesmo texto. Num movimento contrário, quando nós, professores, propomos a leitura dos textos literários a partir da categoria “estética literária”, acabamos por inibir essa experiência fundamental à descoberta da literatura: a de agir subjetivamente sobre o texto”.

Os Círculos de leituras configuram-se como instrumentos válidos para ensinar a ler, de acordo ainda com Begma Tavares, porque promovem uma mediação a partir da “produção de inferências lexicais e informacionais”, além de “levar ao reconhecimento de estratégias discursivas relevantes, instigar a reflexão sobre escolhas diversas, estimular a releitura do texto e o diálogo com outros textos e com a realidade etc.” Para ela, “ensinar a ler significaria ‘ensinar a agir’ como agem leitores já capturados pela experiência literária”.

Atenta permanentemente às estratégias do tempo presente, de olho na tradição de resgatar e difundir o patrimônio imaterial do Piauí, expresso principalmente em obras literárias de valor, a Academia Piauiense de Letras, por meio de iniciativa do seu presidente, Dr. Nelson Nery Costa, cuja atuação promove um dos mais bem-sucedidos processos de editoração de livros no País (a edição de 150 obras regionais canônicas), colocando o Estado num cenário de destaque na esfera nacional, acaba de criar o Círculo de Leituras do Autor Piauiense; inicialmente, voltado para a leitura de obras da Coleção Centenário, da APL. A cada último sábado do mês, sob a coordenação dos acadêmicos Socorro Rios Magalhães e Dílson Lages Monteiro, naturalmente após a leitura de obra selecionada pela Academia, os interessados em participar do projeto reúnem-se em torno do diálogo sobre um livro da Coleção, entre 8h e 9h30min., no auditório da APL. A interlocução inicialmente focalizará Teodoro Bicanca, de Renato Pires Castello Branco (junho de 2019); O prestígio do diabo, de Assis Brasil (agosto de 2019); Poesias, de Celso Pinheiro (setembro de 2019); Modernismo e Vanguarda – 1ª. Série, de M. Paulo Nunes (outubro de 2019); Meia-Vida, de Othon Lustosa (novembro de 2019).

                A iniciativa é, além de favorecer a circulação de livros canônicos da literatura piauiense, oportunidade de os leitores tomarem parte viva de um processo que somente existe em existindo pessoas ávidas de, descobrindo os textos, descortinarem um pedaço de si, do lugar e do tempo em que vivem. Um pedaço dos valores e da linguagem o qual nos concebe humanos e únicos.