Cunha e Silva Filho à esquerda, durante palestra sobre os 100 anos de Sangue de Da Costa e Silva. Ao centro, Virgílio Queirós e, à direita, o saudoso escritor Herculano Moraes
Cunha e Silva Filho à esquerda, durante palestra sobre os 100 anos de Sangue de Da Costa e Silva. Ao centro, Virgílio Queirós e, à direita, o saudoso escritor Herculano Moraes

             [Elmar Carvalho]

Em certo dia de 1990, conheci, em Amarante, sua terra natal, o professor, erudito, crítico literário, cronista, memorialista e ensaísta Francisco da Cunha e Silva Filho.

Eu estava hospedado num hotel, instalado num velho e solarengo casarão, situado quase ao pé da escadaria do Morro da Saudade, que assim chamo em homenagem ao excelso poeta Da Costa e Silva, cujos extraordinários poemas passei a conhecer a partir do final de minha meninice, e depois, com mais intensidade, do início de minha juventude. Eu fora participar de um evento lítero-cultural.

Aliás, ao longo de muitos anos estive nessa cidade várias vezes, e sempre me é muito agradável retornar a essa aprazível e encantadora cidade, e essas visitas estão registradas em várias crônicas memorialísticas que escrevi, e no meu poema Amarante. Me é sempre agradável rever suas ruas e becos tortuosos, seus vetustos solares, suas praças ajardinadas, sua graciosa e elegante matriz, a atraente beleza dos rios, e a moldura azul e sinuosa das serras, que o poeta nostálgico do azul cantou.

Ao dar uma volta pela cidade, sem dúvida em companhia do Virgílio Queiroz, professor, escritor e poeta amarantino, o encontrei num dos casarões da Avenida Des. Amaral, que se limita com o morro e com o rio Parnaíba, em suas extremidades. Não sei quem nos apresentou; talvez tenha sido a Sônia Setúbal, sua irmã.

Sei que iniciamos uma rápida conversação sobre literatura, na qual lhe informei que cometia versos, e participara de algumas coletâneas e antologias. Ainda no fulgor e no entusiasmo de minha juventude, prometi lhe enviar, pelos Correios, já que ele morava no Rio de Janeiro, onde exercia seu mister magisterial, cópia de minha participação na coletânea “Poemágico – a nova alquimia”, com prefácio de Assis Brasil, da qual eu fora um dos organizadores. Nessa ocasião ele disse haver gostado do meu nome literário, que o achava forte e bonito.

Ele tinha ido a Amarante, para fazer uma visita ao túmulo de seu pai, que falecera sete dias antes. O velho professor Cunha e Silva fundara o Ateneu Rui Barbosa, que relevantes serviços prestou à Educação do município até 1947, data de sua mudança para Teresina, onde continuou a exercer o magistério, e deu continuidade a sua vocação jornalística e literária, tendo vindo a integrar os quadros da Academia Piauiense de Letras. Homem de largas leituras, exerceu o magistério e a literatura com proficiência e dignidade.

À noite, perto do cais do Parnaíba, voltamos a nos encontrar. Entre outros, estava em minha companhia o contista e romancista José Pereira Bezerra, no auge de seu entusiasmo e de sua potencialidade literária, que entrou em erudita discussão com o Cunha e Silva Filho, em que este parecia se divertir com a veemência quase acirrada com que o Bezerra defendia as suas ideias e preferências na seara literária.

De volta a Teresina, imediatamente enviei, como havia prometido, a separata de minha participação no Poemágico. Poucos dias depois, recebi dele, através da ECT, um belo e desvanecedor artigo, diria pequeno ensaio, sobre a minha poesia. Para encurtar este registro, devo dizer que, posteriormente, sobre vários livros coletivos de que participei ou sobre os de minha exclusiva autoria, o Cunha escreveu vários estudos introdutórios ou manifestações críticas, percucientes, argutas e elucidativas.

Em todos esses anos mantivemos correspondência mais ou menos assídua, pelos Correios e depois pela internet, através de e-mails. Tanto em prefácios como em artigos avulsos, são vários os estudos ensaísticos que Cunha e Silva Filho dedicou à minha poesia, sobretudo, mas também à minha prosa, mormente às minhas crônicas, pequenos ensaios e discursos acadêmicos. E muito me honrou o seu ensaio literário sobre o meu romance Histórias de Évora, que lhe serve de prefácio.

Por tudo isso, lhe sou muito grato, e me sinto feliz com a amizade e a admiração recíproca que cultivamos ao longo dessas três décadas. Nas poucas vezes em que veio ao Piauí, estive com ele e com sua esposa Elza. Estreitei amizade com os seus irmãos Sônia e Evandro (falecido). Evandro era um leitor voraz, inteligente, atualizado, e muito perspicaz em suas observações críticas, sendo, algumas vezes, algo mordaz, mormente em relação aos falsos valores literários. Um outro seu irmão, Winston Roosevelt, é um mestre consagrado da estatuária piauiense, sobretudo em bronze.   

A partir de 1990, acompanhei a ascensão magisterial e literária de Cunha, quase diria uma vertiginosa espiral para o alto, não fora eu lhe conhecer as suas lutas e esforços nessas suas atividades. Sempre no campo da literatura, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. Com essas conquistas, pôde exercer o magistério superior. Publicou um dos mais importantes ensaios sobre a poesia de Da Costa e Silva, o nosso nunca assaz proclamado poeta maior, um dos maiores ou melhores poetas do Brasil, como o considera o meu amigo Geraldo Magela Meneses, digno juiz federal, mas amante inveterado de nossa literatura.

Posso afirmar, sem medo de estar errado ou a cometer injustiça, que Cunha é um dos que mais escreveram artigos, dissertações, teses e ensaios sobre autores piauienses, muitos coligidos ou transformados em livros. E isso não é fácil, requer esforço, argúcia e criatividade, porquanto vários desses autores nunca antes haviam sido objeto de estudo. Escrever sobre autores nacionais, de dilatada fortuna crítica, objetos de ensaios, monografias e teses sobre sua obra, é fácil; basta que se diga com palavras próprias o que outros já disseram ou escreveram.

Porém, escrever sobre autores provincianos, esquecidos pelos leitores e críticos, sobre quem nunca ninguém fez sequer uma pequena resenha, requer trabalho, pesquisa, meditação e muito poder de observação e perspicácia. E isso Cunha o fez muito bem, pelo que merece todas as nossas homenagens.

Tratou nesses trabalhos dos aspectos intrínsecos da obra desses literatos, seguindo os postulados da nova crítica, mas sem deixar de fazer uso, quando isso servia para iluminar a matéria analisada, das lições da boa crítica impressionista, nos moldes de um Álvaro Lins. Nunca maltratou ninguém em suas judiciosas críticas, pois preferia deixar os medíocres em seu canto, quietos e esquecidos. Todavia, não fazia concessões, e só louvava os que, no seu entendimento, como no dizer do poeta Torquato, merecessem ser louvados.

Não bastasse tudo quanto disse, construiu uma bela obra literária, contida nos seus livros  Da Costa e Silva: uma leitura da saudade (Teresina: Editora da UFPI/Academia Piauiense de Letras, 1996); Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação (Rio de Janeiro: Editora Quártica, 2009); As ideias no tempo (Teresina: APL/Senado Federal, 2010) e Apenas memórias  (Rio de Janeiro: Quártica, 2016).

No seu blog “As ideias no tempo”, ao longo de alguns anos, vem publicando primorosos artigos, elucidativos ensaios literários e excelentes crônicas, algumas de cunho memorialístico, que enfeixados formariam um notável livro, de interesse para a cultura e a literatura brasileira e piauiense.