NOTA PRÉVIA: O TEXTO ABAIXO  FAZ PARTE DO  TERCEIRO CAPÍTULO, PARTE 1, DO MEU  TRABALHO DE  PÓS-DOUTORADO, DE TÍTULO AFRÂNIO COUTINHO E ÁLVARO  LINS: DOIS CRÍTICOS E UMA  POLÊMICA. PROJETO DE LITERATURA COMPARADA  APROVADO  PELO PROPGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO   EM CIÊNCIA DA LITERATURA    DA  FACULDADE DE LETRAS DA UFRJ (2014). PROFESSOR COORDANADOR:  DOUTOR  TITULAR DE LITERATURA COMPARADA  EDUARDO DE FARIA COUTINHO

3.1- O impressionismo de Álvaro Lins: da intensa militância crítica a um corpus teórico

                Álvaro Lins, na mocidade ou na maturidade, não escreveu  trabalho algum didático-teórico, seja  para o ensino médio, onde atuou como  docente, seja  para o ensino  superior, onde da mesma forma teve experiência docente, quer dizer, obra    que  tivesse   conteúdo  teórico específico e unitário  nos moldes que  conheceríamos  mais tarde em nosso produção editorial  de autores  brasileiros Só para citar um  exemplo: a Teoria da  literária (1961, 4 ª  edição   revista)  de Antônio Soares Amora, que teve muitas edições e foi  bem apreciada pelos estudantes de letras  durante  bom tempo, ao lado da Teoria literária (1974) de Hênio Tavares, com  orelhas de Tristão de Ataíde, esta mais acessível ao curso secundário ou início dos cursos de letras.

               Igualmente, se poderia  mencionar  o pequeno volume Notas de teoria literária (1976) por sinal já citado  neste  estudo, de Afrânio Coutinho, de utilidade para os alunos  iniciantes dos curso de letras. É um compêndio didático,  em linguagem acessível  que  fornece  os  elementos  básicos, bibliografia  atualizada para a época, aliás uma  constante das atenções de Afrânio Coutinho, já com  objetivos  pedagógico- metodológicos, ênfase nos elementos   estruturais  da obra literária, assentados, sobretudo,     teoricamente falando,  na  lição  da Poética de Aristóteles.

              Para simplificarmos, podemos falar que, aproximadamente, a partir dos anos 1960 em diante,     surgiriam  outras  obras importantes e mais  atualizadas,   indicativas da nova e indispensável disciplina de  teoria literária, inclusive para o ensino médio,  destinadas aos estudos superiores de autores brasileiros e estrangeiros. Estão nesse caso, por exemplo,  a Teoria literária (1979, edição)organizada por Eduardo Portella, a Teoria literária (1962,) de Renée Wellek e Austin Warren, de grande repercussão,  em tradução portuguesa, e o clássico e fundamental  livro Teoria  da literatura (1981, 6ª edição,  revista) de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, autor  português. Outras obras, mais estrangeiras do que nacionais,  dessa disciplina foram  também  aparecendo no mercado editorial brasileiro.(*Nota de pé

de página mencionando  algumas delas) 

           A produção crítico-ensaísta de Lins  primeiro saía em jornais, depois,  reunida em livros,  é  muito extensa e diversificada. Para não  cairmos  em  total deslize de informação  bibliográfica  do autor sobre   questões puramente  teóricas, mas em moldes  diferentes  da congêneres acima-mencionadas,  poderemos   citar  o volume  Teoria literária, que lançou pelas Edições de Ouro em 1970, no mesmo ano em que veio a falecer.

               Porém, aquele  volume não é um estudo sistemático, no qual  o fenômeno  literário seja  desenvolvido em suas  grandes unidades  teóricas abrangendo, quer em  nível  de ensino médio, quer em  nível de ensino superior de letras, os conceitos de literatura,  de artes em geral,   de métrica,   as definições,  os conceitos, as correntes críticas,  o estudo dos gêneros literários,  os estilos  literários entre outros  aspectos fundamentais e dentro das possibilidades teóricas  da época  produtiva  do crítico.

A teoria literária  da Edições de Ouro de Lins, na realidade,   é um conjunto  de  artigos ou pequenos ensaios  selecionados  da Quinta Parte  da edição da obra  O relógio e o quadrante A obra abrange os seguintes   temas  gerais: poesia,  romance,  teatro, biografia e crítica.

O conjunto,   contudo,  propicia  um amplo  sentido  do que  o  produtivo  crítico  pensava da obra literária, da visão  moderna e aberta que  revelava ter do gênero  poético, do alcance   lúcido  e vertical   do que  seria  a estrutura de um romance e de  características específicas que deste gênero  ficcional  seriam levadas em conta   em questões  vitais de Literatura  envolvendo  teoria  e crítica literária em seu  triplo aspecto:  interpretação,  análise  e julgamento. .

 Ora,  basta  um simples  visada  dessas  questões  para  se poder  afirmar  que  o rótulo de  mero  crítico  impressionista, muitas vezes    atribuído a Lins  peca por uma  flagrante   petição de  princípio, pois confiná-lo nos estreitos   limites do  impressionismo, do  subjetivismo  crítico é  desconhecer-lhe a obra  na sua  totalidade e na  profundidade.

Este rótulo  talvez  provenha, e mesmo  assim equivocadamente,  mais da forma  como  se desenvolveu  a sua crítica, i.e., a de um  intelectual  da crítica militante que,  por  ser  exercida principalmente no rodapé do jornal,  sofre da parte  dos críticos  de outras  correntes do pensamento uma espécie de  preconceito  infundado e mal assimilado por não saber  ou não querer  propositalmente   reconhecer  o  alto nível de qualidade  de um crítico  como  Lins.

Só não vê quem  não quer  o alcance e a extensão  do pensamento  crítico de Lins desde os seus primeiros  trabalhos na imprensa e no livro; ao falarmos em livro,  estamos   pensando  no ensaio  de Lins, História literária de Eça de Queiroz (1939), até hoje,  uma  obra  de inegável mérito  interpretativo e também no seu  ensaio,  originalmente, uma tese de concurso, A técnica  da ficção de Marcel Proust.

Nos anos de  1940  a 1960, sem  querer  pretender  imprimir rigores cronológicos a datas, a crítica literária, sobretudo na sua  forma de rodapé, no  país  alcançou  uma fase  de apogeu,   

De apogeu  e ao mesmo  tempo  de turbulência,  porquanto  naquele  recorte de tempo  travava-se uma luta  incessante  de duas  principais correntes  críticas, uma  representando  a estabilidade de seu domínio de influência, outra  que pretendia desbancar a primeira. As duas,  respectivamente, eram o impressionismo    e  o new criticism.

Aliás,  observa Adélia Bezerra, que escreveu uma criteriosa dissertação de mestrado orientada por Antonio Candido,  A obra crítica de Álvaro Lins e sua função  histórica  crítica de Álvaro Lins e sua função histórica ( BOLLE, p.47)    que  os anos  40 do século passado  foram  pródigos em  polêmicas no país, afirmação  confirmada por uma citação  da ensaísta extraída da revista Careta (1944).

O texto daquela  revista, com alguma chama de entusiasmo  e  incontida vontade de divulgação, comenta  serem aqueles  anos  de verdadeira volta de  pugilato  polêmico, ou, como o texto  diz: “Voltamos aos bons velhos tempos  da polêmica  literária”,  onde não faltavam  descomposturas,  “atritos”, discussões,  debates em todos os jornais,  acompanhados de  discussões quotidianas   às portas de livrarias, bares e cafés, r corredores de  repartições públicas. (BOLLE, p.47).

Os bate-papos  se prolongavam e se tornavam uma epidemia atingindo tão alta  temperatura  belicosa que levou  Miguel Melo a chamar  aqueles anos de 1940 de “literatura  de porrete”. Ainda segundo  a revista Careta,   naquele período  estava-se assistindo “...  à época mais combativa e violenta de  nossa vida literária”.(ibidem) O texto  chega mesmo  a fazer referência  a 22 polêmicas registradas entre  intelectuais  brasileiros,  das quais cinco tiveram como um dos adversários   o crítico Álvaro Lins, assim discriminadas pela revista Careta : “1ª polêmica Álvaro Lins – Afonso Arinos de Melo Franco; 2ª discussão Álvaro Lins – Viana Moog; 3ª briga Álvaro Lins – Afrânio Coutinho; 4º debate Genolino Amado- Álvaro Lins; etc. (...) 19ª discussão: Álvaro Lins – Mennoti del Picchia...”(ibidem). O curioso  neste registro é que a revista faz distinção semântica  do nível  de cada  refrega: “polêmica”, “debate,” “discussão”, “briga.”

Adélia Bolle, no aludido ensaio, anota que um  jornalista, de nome Silvino Lopes, declarara em artigo que se estava constituindo naquela  época,  anos  1940, uma espécie de ‘sociedade de inimigos de Álvaro Lins’( BOLLE, p. 46)

A hipervalorização do que representa o presente,  a atualidade , a contemporaneidade, termos  por vezes  ambíguos,  fugidios, não facilmente  demarcados,   nas diversas  manifestações da inteligência,  talvez  em parte  seja responsável  por  tantos  preconceitos ou  indiferenças  por aspectos dos estudos literários  de recortes temporais pretéritos. No domínio da crítica literária,  isso não é diferente.  Isso não de hoje, tem sido sempre assim desde tempos bem  recuados  como são  exemplos  visíveis   e  incontestes  as seguidas  reações  a cada novo  período  de  forma  e  expressão  dos movimentos  literários antes do século  XIX e após o século XIX.

Não queremos   expressar com isso que  somos  a favor do imobilismo ou conservadorismo, ou  historicismo há muito superado   das formas literárias,  do  pensamento  crítico,  das novas  correntes  que surgiram  no século  XX e continuam  sendo   utilizadas   na diversidade  de seus  métodos e na prática de  novas  abordagens.   O que,  contudo,  defendo é a possibilidade de  repensar  aspectos  e ângulos  da tradição literária  que  ainda  têm espaço  e sentido a serem  retomados  com  um  olhar  do  presente e sem  apriorismos  a tudo  o que não representa o primado  do presente,  como se este fosse  uma fase histórica  da  cultura  que pode  descartar   o passado, muitas vezes  sem ainda o conhecer  suficientemente bem, o que configuraria  um tremendo  julgamento  sem lastro nem solidez, onde o pensamento   crítico    atual atira uma pedra  na escuridão  do tempo..

Alguns historiadores que reservaram um   espaço da história  da literatura brasileira   à crítica  literária, entre os mais  velhos e as gerações mais novas,  costumam classificar Álvaro Lins,  como  impressionista; Alfredo Bosi,  não  o define como  tal,  mas apenas  a ele se refere como  um  crítico  com uma visão  literária  muito  próxima dos  franceses no que concerne às análises  psicológicas  e ao timbre social de seu discurso crítico. 

A historiadora italiana  especializada em  literatura brasileira e autora de uma volumosa  História da literatura brasileira,  Luciana Stegno-Picchio,  apenas  se refere a Lins como  uma  “ ‘uma espécie de político no mundo das letras,’ tendo atuado como “batalhador” na crítica militante e acadêmica.( STEGNO PICCHIO,p..696)   o que é uma lamentável apreciação simplista   no tocante ao papel de realce e liderança  desempenhado pelo crítico   na  segunda  fase do Modernismo  brasileiro, tomando-se aqui  como  base  a divisão de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde).

 O crítico Wilson Martins,  no  seu esdrúxulo e   discutível “Quadro  Cronológico da Crítica”, classifica Lins como  impressionista (MARTINS,Wilson). O crítico  Assis   Brasil,  define a crítica de Lins como  “... um tjpo de crítica reflexiva e humanista”.(BRASIL,  Assis, Dicionário Prático de Literatura Brasileira, p. 26). Massaud Moisés,  sem  defini-lo em específica  corrente do pensamento crítico, ressalta que ele “... enfileira-se numa linhagem que, passando por Tristão de Ataíde, remonta a José Veríssimo, Araripe Júnior e Sílvio Romero”.(PAULO PAES, José e MOISÉS, Massaud.,  Pequeno dicionário de literatura brasileira.,  p. 228)

 O próprio Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) num capítulo do Neomodernismo, seção  “Crítica,”(p.145-152)  de sua  pequena e ainda proveitosa  obra,  Quadro sintético da literatura brasileira,  agrupa Lins  entre os críticos  impressionistas, mas de natureza humanista,  onde o interesse da interpretação literária se concentra no autor e não na obra.

Para Alceu  Amoroso Lima,  o impressionismo  constitui o primeiro aspecto do humanismo.  O que ele denomina  “crítica neomodernista”  é aquela na qual o interesse crítico  se desloca para a obra, ou conforme ele próprio diz,   “desdenha  o autor.”( AMOROSO LIMA, p.145). É a essa  transição  ou deslocamento  do sujeito  para o objeto que  Tristão de Athayde define  como  “A Passagem do Humanismo para o Formalismo.”  (AMOROSO LIMA, Alceu. idem, p.)

Alceu Amoroso Lima se inclui no segundo aspecto do humanismo, que é o expressionismo. Para o crítico o expressionismo  reagiu contra a subjetividade do impressionismo  humanista,  deslocando a atenção  do crítico  para a obra e o autor. i.e., não mais  dirigindo seu foco  principal para ‘as impressões subjetivas’,  aquele ‘passeio’ tão ao gosto de Anatole France. Ainda ensina   o grande crítico que o expressionismo  veio  “corrigir  o “diletantismo  impressionista”  e sublinha:   sua meta seria a ‘crítica  construtiva’, vista num plano  da “criação”, enfatizando   o componente  ontológico.

                A concepção da crítica neomodernista, nova corrente do pensamento  como   reação ao  impressionismo  teve por base  o chamado  ‘formalismo  crítico’ de procedência  norte-americana. Para  Alceu Amoroso Lima,    essa alusão ao  formalismo  crítico, por sua vez,  está  em sintonia com  o new criticism  de procedência  anglo-americana, e não apenas norte-americana como  incompletamente   refere  o pensador  católico. De resto,  acentua  ter esse movimento  crítico  sido  trazido pelo crítico  norte-americano  Spingarn inspirado, por sua vez,  no pensamento de Benedetto Croce, ou seja, nas ideias deste de “intuição ou poesia”, com que contribuiria para os estudos  futuros de teoria literária, eliminando  a compartimentação, velho resquício da  retórica e substituindo-a pela “unificação dos elementos. (AMOROSO LIMA, idem, p.148) Este tópico do new criticism deixaremos  para  retomar  ao  focalizarmos o pensamento  crítico de  Afrânio Coutinho  no capítulo 4.

               Em páginas  anteriores   deste estudo,  já  pudemos tecer alguns  comentários gerais  acerca da crítica  de Álvaro Lins. Agora,  seria  conveniente aprofundar  esta discussão em torno  do que  seria  teoricamente  a concepção, as linhas-mestras, utilizadas  por ele na “judicatura” crítica. Objetivamente considerando a natureza da sua crítica,  não podemos deixar de ressaltar dois  meios diferentes  em que a exerceu: no rodapé dos jornais, o grosso de sua  produção  crítico-ensaística, e em  estudos  para publicações  em livros.  Nestes  últimos, se incluem a   já mencionada  História literária de Eça de Queiroz,  a Técnica do romance em Marcel Proust e outros  trabalhos  publicados  sobre  temas  políticos,  biográficos, históricos, estético-filosóficos  e memórias  diplomáticas.

O pesquisador, no que tange à totalidade da obras de  Lins  - como já  sublinhamos anteriormente e o mesmo   fez a ensaísta  Adélia Bezerra Menezes Bolle, se depara com alguma   complicação, porque Lins exibe uma relação  bem  extensa de livros publicados  em sua  bibliografia. Os sete volumes de livros sob o título  Jornal de crítica, da Edições O Cruzeiro foram  publicados  respectivamente, em 1941, 1943, 1944, 1945, 1947, 1951 e 1963.

 Entretanto,  a mesma  casa publicadora, Edições O Cruzeiro, relaciona a 8ª série do Jornal de crítica. Adélia Bolle, entretanto,  declara que essa obra e  algumas outras listadas na bibliografia  de Lins não passaram de intenção do autor.”  Nos pequenos  volumes  preparados  para as Edições de Ouro, de resto já aludidos  anteriormente neste  capítulo,   o próprio Lins faz questão de remeter o leitor  para elas, como ocorre com o suposto  editado   Girassol em vermelho e azul  (Polêmica literária  e política – Documentário Pessoal)  que seria  lançado pela Civilização  Brasileira em 1963).

Concretamente,  sabemos que, pelo menos, as seis primeiras  séries  foram reeditadas  pela Civilização Brasileira, Rio de Janeiro em três  volumes, sob títulos  diferentes e,  conforme lembra Massaud Moisés,(MOISÉS,M.. e PAULO PAES, J..Dicionário, p. ), cada  volume  manteria  alguma  unidade de temas  assim   ordenados :  1) A glória de César e o punhal de Brutus (1962) – Ideias políticas, Situações Históricas, Questões do Nosso Tempo Ensaios e estudos (1939-1959)); 2) Os mortos de sobrecasaca (1963 -  Obras,  Autores,  Problemas de Literatura Brasileira -  (1940-1960); 3) O relógio e o quadrante, 1ª edição – 5º milheiro, (1964) -  Obras, Autores e Problemas de Literatura Estrangeira – Ensaios e Estudos – 1940-1960.

É desnecessário  frisar que as citadas  seis séries do Jornal de crítica foram  resultantes de  artigos e estudos   publicados originalmente em  jornais,  principalmente, o  Correio da Manhã do Rio de Janeiro. A sétima série do Jornal de crítica  contudo,  constituiu-se de ensaios e estudos destinados à forma de livro.

No campo estritamente literário,  Lins ainda  publicou  Roteiro literário de Portugal e do Brasil (1956) em co-autoria com  Aurélio Buarque de Holanda e  Literatura e vida literária (1963), com um subtítulo  na capa   Diário e Confissões. No entanto,  na segunda página   do livro há um outro  subtítulo: “Notas de um Diário de Crítica. Primeiro volume, Segunda  edição; Segundo  Volume, Primeira edição. Estes dois últimos  livros foram  editados  pela Civilização Brasileira.

                  Duas  perguntas,  a nosso ver,  se nos  impõem, agora,  na  práxis  crítica de Lins: legou-nos  ele um  corpus  teórico? Ou teve ele  também, conforme    descrevem J.C Carloni e Jean.C. Fillous, (Carloni, J.C., La critique littéraire, p. 28   o mesmo  destino de Sainte-Beuve que, na produção crítica em jornal, apenas se dedicou a estudar autores?  Eis a citação daqueles   ensaístas  franceses a propósito de Sainte-Beuve:

“(...) sem  interesses por criadores de sistemas e   teóricos.Tinha preferência pelo  jornalista, a  quem comparou a  um apóstolo, alguém que constrói seu trabalho  remexendo em  tudo, e  não   para em parte alguma...” (...)   é preciso   tomar   da  escritura  de cada autor a tinta com a qual desejamos  pintá-lo.”( (ibidem)

O que se poderia  designar  como  um corpus   teórico  da crítica  impressionista de Lins  não  aparece como  um método de  estudar,   analisar e julgar autores organizados  numa obra,  mas as suas   ideias  teóricas sobre  questões dos  gêneros  literários e questões  teóricas de literatura se  alastram, por assim dizer,  pelos seus textos, nos quais  percebemos   uma argumentação   coerente, lúcida,  tratando de  temas  complexos, sem hermetismos,     reveladora  de   amplos conhecimentos  de leituras  teóricas no campo  da teoria literária, da literatura comparada,   da crítica e da história literária, de autores   estrangeiros na ficção,  poesia,  teatro  e de outras  áreas  humanísticas,  além  do conhecimento  de línguas  lidas no  original. De  um  verdadeiro  scholar, muito longe  daquele  tipo de  crítica de rodapé  ou bookreviewers, tão  depreciados  por  Afrânio Coutinho.

Quanto à segunda  pergunta feita atrás sobre a produção  no rodapé,  não é difícil  de constatar, pois a melhor  resposta  seria a volumosa série do Jornal de crítica, com seus sete  volumes, o que, de alguma  maneira,  nos faz recordar  a copiosidade de artigos  publicados na imprensa  por  José Veríssimo,  com  dificuldades até hoje de se poder  reunir em sua  totalidade,  conforme  pondera  Fausto  Cunha ao dizer  que a quantidade de artigos de Veríssimo “... ainda não coligidos em livro ultrapasse duas centenas.”(CUNHA, Fausto. A leitura  aberta, p.35)

               A atividade crítica de Lins lhe era algo intrínseco à personalidade literária.  Teria, quem sabe,  aquele mesma garra  da “paixão literária”  (J.C.Carloni) de que falava Sainte-Beuve.  E por “paixão, aqui se  subentende  uma vocação inelutável, com  propósito de  dar  continuidade a uma meta intelectual que, no caso  de Lins,  estaria sempre alicerçada na  alta   qualidades  de sua  formação  intelectual,  na seriedade de seu papel  e na ética  de interpretação e   julgamento de obras literária.

               Se em alguns períodos  interrompera a atuação  crítica, era por motivos   justificáveis de intelectual e homem  público.  Em todo o percurso  de   sua  vida, assim que uma missão  fora de suas duas   órbitas  principais de atividade, a crítica literária e a cátedra, fosse  concluída,  Lins  retomava  a função   que o absorveu  por toda a existência: a literatura e, como epicentro de sua  atenção,  a crítica literária.

           Lins, ao longo de sua atividade crítica,  jamais se afastou  do  tipo da abordagem impressionista, mas entendendo    esta expressão  no sentido   de um impressionismo  superior,  aberto  e progressista,  do qual   tinha  plena  convicção,  até mesmo  quando,   mais tarde, já  nos anos 1950 e 1960,  sua visão  crítica sofre alterações  impensáveis, segundo veremos no capítulo  5.

           Seu  “ideário”de  interpretar  e julgar obras na condição declarada de impressionista  não  o constrangia absolutamente, Para essa tarefa, se preparou  desde muito cedo, ainda no tempo de sua  adolescência em Caruaru, Pernambuco e, depois, em Recife, quando estudante de  direito e quando   praticava  a atividade jornalística, o magistério  secundário e a crítica literária.

 Há nele algo de precocidade de  um predestinado. Se é verdade que  Adélia  Bolle afirmava ter havido, no apogeu  de seu papel de crítico  já famoso e  trabalhando  para o Correio da Manhã do Rio de Janeiro, um grupo  de jovens  intelectuais que lhe  estavam  começando a contestar-lhe   a liderança  e  visão críticas,  é também verdade que  a crítica de Lins continuava  se  distinguindo  pela sedução do estilo,  da sua argumentação límpida,  clara,  e ao mesmo tempo  profunda.

O estilo, conforme tantas vezes relatamos  anteriormente neste estudo,   lhe foi sempre  um componente caro e  decisivo  na vida de um  escritor e,  na  visão dele,   sobretudo quando  se referia a uma  das condições essenciais à tarefa do crítico.

 Relendo parte considerável de sua crítica, ainda  podemos   sentir  o prazer  do  texto de que fala  Barthes apesar  da fase de  mais intensa  racionalidade  a que chegou  a crítica  contemporânea. 

 Desta maneira, os  tempos atuais   alteraram a antiga feição de construção sintática  com   complexos jargões terminológicos   surgidos  com  o avanço  dos estudos literários. Todavia, a leitura de um texto de Lins,   pelo menos para quem  escreve este estudo,  ainda  é bastante  palatável e surpreende o leitor especializado ou  não.O texto crítico  moderno assumiu  um caráter de iniciados, uma linguagem de forte inflexão  objetiva,  impassível  e  cientificista dela   escapando  poucos  críticos  da atualidade.

 Provavelmente,  pelo  estilo e pela sua  exegese,  sua habilidade  de  captar  as singularidades  do livros que lhe passaram  pelo crivo  crítico no que concerne  à adequação  do tema, da linguagem e  do valor  estético de harmonia com  visão  da realidade  transfigurada e convincente a leitores e mesmo à comunidade  da crítica literária, aí  incluindo os autores julgados        é que Lins   tenha   conquistado    o renome  que teve, sobretudo,  nos  anos 1940 e 1950, pelo menos.

A sua cultura  geral  lhe permite  dialogar sobretudo  com  a cultura   francesa, seus autores  mais  prestigiados  no seu tempo. Ao lado desta   formação  francesa, ou melhor,  de leituras  francesas.   Lins, da mesma sorte,   manifestava amiúde um  grande interesse  pela cultura e literatura portuguesa.

Da primeira   faria surgir   o seu  estudo sobre Proust; da segunda seus  estudos camonianos,  sobre  Antero de Quental. Ainda  se voltavam suas  atenções de crítico  para os grandes  teóricos europeus,  prosadores  russos,  ingleses,espanhóis, alemães, italianos,   seu  interesse  pelo teatro shakespeariano, assim como suas leituras  dos  mais   significativos   pensadores e filósofos  também de sua    época,  sem falarmos nos clássicos  gregos e latinos.

   Aqui - é forçoso  aduzir -, são  levadas em conta sua  capacidade  de  compreensão  e a sua  argúcia de crítico corajoso,  combativo, controvertido, contraditório, por vezes incompreendido e até  olvidado pelas  novas gerações. Crítico fiel  às suas  especificidades  de  harmonizar  o seu    impressionismo humanista  e o rigor  estético  no julgamento  de obras. Da mesma maneira,  para aqui, em linhas gerais,   convergem  componentes   essenciais de  sua judicatura  crítica,  como   autor,  obra,   estilo,  personalidade  literária, personalidade do crítico, personalidade do  autor, 

Existe um  dado  relevante na crítica  de Lins  que,  conquanto  até simplista,  responde por sua  posição em face da obra literária: a sua  formação  intelectual, na sua  época,  o conduziria, pela preferência  que  tinha  pela cultura francesa,  a leituras  dos  mais significativos   críticos franceses: um Sainte-Beuve, Jules Lemaître, um Brunetiére, um Anatole France, um  André Gide, um Paul  Souday, um Amiel, e, no  Brasil,   partilharia  ideias  sobre literatura   principalmente com um dos críticos  que mais  admirou - José  Veríssimo - ,  assim  como  filiava-se,  em alguns  aspectos, a certas ideias gerais, não necessariamente metodológicas e de  concepções de ordem   teórica, dos    críticos Sílvio Romero   e  Araripe Júnior.

O que logo salta à vista de quem examina  e investiga  o pensamento  crítico  de Lins são  aqueles termos  constantes nas suas formulações  de juízos críticos  que,  na realidade,   se constituem de  vários aspectos  fragmentados  e por ele  absorvidos  da  leituras  sobretudo  de críticos  franceses, alguns dos quais  já  mencionamos linhas   atrás inclusive  de brasileiros.

Obviamente,   todo o desenvolvimento  da história da crítica francesa  não lhe foi  indiferente nem deixou de  lhe  trazer  subsídios valiosos à formação  intelectual ainda que suas ideias  não fossem    por ele aceitas.  E isso vale tanto  em relação  ao passado  como  em relação  ao presente.

Lins, como qualquer mortal,   teve lá suas contradições e uma delas, por exemplo,   está registrada no livro Literatura e vida literária,  Fragmento XXVII, (op.cit, p. 36). O escritor e crítico Rosário Fusco, uma vez,   declarou  que não  existia   “crítica pura”, alegando  que a crítica  pressuporia  “julgamento” e com este teria que haver “compromisso”.Para Fusco,  aquele que  emite  juízo crítico, tem que “afirmar” ou “negar” e, por conseguinte,  “justificar.”  E acrescenta que críticos  impressionistas, como  Araripe Júnior e Álvaro Lins são daqueles que “justificam o julgamento”.

Reagindo às palavras de Fusco, Lins  afirmou que não aceitava a  classificação de “impressionista,” nem a recusaria, enfatizando que o “propósito” de sua crítica  é exercê-la mas sem  qualquer “sistema ou escola.”(ibidem).

No mesmo  fragmento ou nota do Diário de Crítica Lins  aproveita  a ocasião  para, numa síntese  esclarecedora,  definir o que seja  impressionismo:

Qualquer leitor logo compreenderá que a colocação se deve processar em termos exatamente opostos (e, isto, no caso de se aproveitarem estes mesmos  termos, que são o seu tanto ou quanto incaracterísticos): afirmar ou negar, justificando-se (ação reflexiva, interior, e pessoal) – eis a crítica impressionista; afirmar ou negar,  justificando o julgamento (ação positiva, objetiva e impessoal) – eis a crítica  universitária e científica.(op. cit., p. 37)

Todos  que  temos  algum conhecimento do exercício crítico  de Lins nos recordamos  daquele  tríplice aspecto de sua abordagem  crítica:  interpretação, sugestão, julgamento.(p.)

No que  tange aos princípios de visão crítica e de “técnica” de análise, interpretação e julgamento   do pensamento  teórico e da práxis  crítica de Lins, julgamos  produtivas e complementares  na orientação geral   deste  capítulo, duas obras: o ensaio de Antônio Brasil,  O pensamento  crítico de Álvaro Lins,  trabalho, de resto,  premiado por mais de uma  instituição  abalizada, e o ensaio  A obra crítica de Álvaro Lins e sua função  histórica, de Adélia Bezerra de Meneses  Bolle, tantas vezes  já citado  neste trabalho.

 O primeiro,   se notabiliza  pela  amplo painel com o qual  nos   descortina  a figura  intelectual de  Lins, escrito em  linguagem  elegante,   equilibrada,  com análises que  só iluminam  o autor de Os mortos de sobrecasaca.

 Brasil, assente em   criteriosa  pesquisa e bibliografia   bem selecionada,  estuda  Lins nos  seguintes aspectos: o crítico, o biógrafo, o  político,  o pensador   e, no  último capítulo, que tem  título  menos  acadêmico, “...E o nordestino.” Sendo  um ensaio de  admiração e reconhecimento  do valor   do escritor   pesquisado,  é,  seguramente uma dos poucas e melhores   análises  eruditas mas não acadêmicas que já se  publicou  sobre Álvaro Lins.

Além disso,  não possui   o defeito cansativo  do apologético e  provinciano, ou de  excessiva  parcialidade.  O pensamento de Brasil se mostra  firme,  atualizado e  desejoso  de  atingir  todas as facetas  abordadas a fim de  proporcionar uma  visão  ampla,  original  e  reflexiva sobre  o  autor  estudado.

No capítulo  “O Crítico,”  podemos  relacionar,   numa amostragem  bem esquematizada,  com  ligeira alteração da  construção dos enunciados de Brasil,  alguns  princípios da crítica  de Lins comentados  pelo ensaísta com  base na acurada  leitura  da  obra crítica de Lins

1) Para  o intelectual e humanista  Lins, a crítica literária exercida durante a sua vida é uma atividade que não  pode estar separada da dignidade humana;

 2)  A crítica de Lins exige capacidade de julgar e interpretar;  

 3)  Considera a interpretação como fonte criadora;

4)   Em todas as atividade  literárias  existe a força-poética;

5) A intuição é entendida como  uma faculdade da crítica necessária à  descoberta de almas e ideias;

6)  Atribui  grande relevo `ao pensamento  filosófico de Bergson:

7) A obra literária   deve ser  encarada em seus aspectos  psicológicos,  sociais e puramente estéticos;

8) A crítica : um instrumento   incômodo, por isso é combatida;

9) Lins  reconhece a ciência  na literatura não como  fim mas como meio;

10) A crítica  “não é só impressionismo”. Não é só apreciação ou julgamento no  plano  subjetivo”. Não é apenas arte;

11) Não pode a crítica literária limitar-se a “um seco objetivismo”, nem aprisionar-se a leis e conceitos de outras ciências;

12) “A crítica se constitui de uma fusão mais complexa de elementos  objetivos e subjetivos”;

13) Lins reconhece uma ciência da literatura, com  “conhecimentos especializados” e “metodologia própria”;

14) O mero objetivismo só levaria à erudição;

15) O subjetivismo  crítico só se encaminha ria a uma divagação?

16) Para Lins a erudição seria  o ponto de partida para atingir  o impressionismo;

17) O verdadeiro crítico há de ser um erudito e um impressionista;

 18) A crítica é criadora e  alia  “erudição “ e “impressionismo.”

O ensaio  de Bolle, embora  mais reduzido em  páginas, aprofunda  de forma  acadêmica os temas  de seu recorte   temático  na   análise  do  pensamento  crítico de Lins,  investigando, com muita precisão, em  capítulos   imprescindíveis  como  “A Década de 40: Coordenadas, a sociedade,  a literatura,  a crítica, o jornalista,  uma personalidade  crítica,  o crítico  impressionista,  o critico  engajado,  revolvendo em subtítulos   do  último capítulo  a atividade  política do escritor, tocando em questões também  cruciais  como   a posição  do crítico  e seu  compromisso  estético, o seu posicionamento  ideológico, a participação de Lins, quando  jovem,  nas fileiras  do  integralismo,    a sua passagem  à esquerda radical,  o seu  credo católico e a sua  posição  ideológica  final que a autora  chama de “socialista  utópico.”

 Como se vê, o estudo fornece  múltiplas dimensões  investigativas,  combinando    visão  estética com  visão sociológica apoiada numa fina bibliografia   criteriosamente   selecionada. Síntese valiosa, de leitura  obrigatória a posteriores pesquisas, universitárias ou  independentes, sobre a crítica  de Lins.

A ensaísta, por sua vez,  enfocando  o impressionismo   de Lins,  contribui  com   reflexivas e  percucientes     discussões que só  acrescem à compreensão   não só  descritiva  das ideias do crítico no terreno  literário e na crítica,  mas também  nos  ângulos  de cunho dialético em que busca  situar  as questões  levantadas em torno  da produção de Lins

Logo no início do capítulo “O crítico impressionista,” (BOLLE, p.61-81), a ensaísta sublinha  que  Lins não é um  crítico  cujas concepções de Literatura se poderiam  tomar “em bloco” e, especialmente,  de  crítica literária. Para ela,  e para  o autor  deste  estudo,  Lins sofreu  mudanças  expressivas ao longo de sua  produção publicada, aqui  tendo  como  referência  capital,  por  sinal, lembrada pela  ensaísta,  os sete  volumes do Jornal de crítica. Este  aspecto  também  iremos   comentar no capítulo 5,                  

Destacaríamos  quatro critérios  convocados   por  Bolle na  tentativa de  sintetizar  a abordagem  crítica de Lins: 1) “O critério da permanência da memória  do crítico”: 2) “O critério da integridade”; 3) “O critério da forma funcional; 4)A adequação  entre  personalidade e autor”.” Vejamos como  a ensaísta  elucida cada  um.

O primeiro  critério está  ligado  ao dado da memória do crítico em  relação às obras que leu. Se, por exemplo, Lins  leu  um determinado romance e dele, após algum  tempo,  não permaneceu nada significativo com respeito a um  aspecto  fundamental da obra,   o julgamento estético   da obra foi  nulo. A ensaísta  cita um livro  de Clóvis Ramalhete, Ciranda,assim como a conclusão de Lins.(BOLLE, p. 70)

O segundo critério que, para a  ensaísta  seria a “pedra de toque” da crítica de Lins,  se fundamenta na “unidade” que a obra de arte deve manter a fim de ser valorizada  positivamente, Lembra Bolle  que essa “unidade” já se encontra na velha   Poética de  Aristóteles. Recorda ainda  que esse conceito de unidade, já  se encontra em Poe, mas  vinculado aos campos  “psicológicos ou  psicofisiológicos”.

Para  o criador do conto  policial, a  unidade é condição vital’ de toda obra  de arte. (BOLLE, p. 71). Acrescenta a estudiosa que o estruturalismo a retomou e a “rebatizou de “sistema” remetendo  o leitor para Greimas.

Ademais, Bolle  afirma que  o conceito foi  utilizado  por Mukarowski que,  por sua vez,   lhe deu  uma  inflexão dialética. Bolle traz ainda à baila o sentido  que Lins   atribui à Totalidade como  síntese bem elaborada e “perfeita da arte literária de cada  gênero.Para a ensaísta, esse sentido de totalidade parece  ter sido inspirado na leitura de Coleridge, um dos marcos da crítica inglesa de importância  fundamental  para a crítica  literária e autor citado  por Lins em sua  produção,  lembra a ensaísta.(ibidem)

 Para ilustrar, Bolle  menciona a mesma  obra de  Clóvis Ramalhete, Ciranda, à qual, para Lins,  falta esse  sentido de  inteireza artística e que, por isso,  provoca  a sensação de “artificialismo,  de ausência  e coerência; não  passam para ele de “crônicas esparsas.” Ao contrário,  a leitura do romance  de Otávio de Faria  dá bem a medida do ‘princípio da unidade.’ Um pergunta final  desse  segundo  critério é posta  pela ensaísta: Como a resolver  o  problema do  princípio da ‘integridade’  diante da ‘estética do fragmento’?  Ela  levanta a questão  com o exemplo do escritor Ungaretti, poeta  italiano,  que reputa   a “técnica do fragmento”  “.. como  a única que pode trazer  soluções  positivas à poesia atual”.(BOLLE, (ibidem)

O terceiro critério, o “critério de forma funcional” (expressão, de resto,   empregada  por Alfredo  Bosi  numa conferência com   o título   “A crítica na década de 40”.(BOLLE, p. 72). Tal critério  visa a estabelecer  íntima  correlação  entre a  Forma e o Estilo. Estes dois termos  aparecem com frequência  nas análise  de Lins e, segundo  reconhece  Bolle,  são  algo  “confusos”, porquanto  Lins , às vezes,  os  emprega  como se fossem   iguais. Considera a forma  como  “elemento de segurança  e resistência de uma obra, e estilo como “condição de garantia de sobrevivência”.

Lins, em relação ao binômio  fundo-forma, não os separa ( e nisso,  como  aduz Bolle,  se afasta do conceito tradicional  da  “separação” forma e estilo),  antes os  vê como elementos  “organicamente  associados”. Entretanto,  Lins,  em estudos  críticos,  contraditoriamente,   usa os termos  conteúdo e forma,   como  componentes   separados  da estrutura da  obra literária.A ausência por vezes da  imprecisão terminológica coloca  o crítico  em  posição ambivalente,  levado  mais para  a subjetividade e a notação  psicológica, das quais  não  conseguiu  escapar  por inteiro o seu  impressionismo. Todavia, esta hesitação ou imprecisão terminológica,  não foi  ressaltada  por Bolle.

  Para  nós, a  forma em Lins  se vincula a todos os componentes  extrínsecos que compõem  a substância  da obra,  ao passo que   estilo  se articula com  a expressão da linguagem adequada  à natureza do tema, do enredo,  dos personagens; sem estilo não existe  originalidade, traço  peculiar  que  denuncia  a individualidade  de uma obra.

 Se fôssemos  fazer  uma inferência, diríamos que,  na visão de Lins, a forma   veicula a “construção artística, o que  torna a obra,  em  poesia ou  ficção  bela, estética, organizada , unitária, realidade  “transfigurada” -  termo  usado por Lins. O  estilo  responderia  pela capacidade de o  escritor  manipular  a linguagem,  e seus recursos, a sua habilidade de  usar  a língua como  comunicação   literária,  não  copiadora  da realidade  empírica,  a “realidade ordinária”, como diria Lins.

Comentando  sobre os conceitos de forma,  técnica e estilo,  podemos   perceber, nas  palavras do  próprio Lins,    aquela  falta de exatidão terminológica,   necessária  na abordagem crítica:

Antes se deve notar que a diferença entre forma,  técnica e estilo está mais em ‘nuances’ do que numa  possível definição através de conceitos, sucedendo   mesmo que  todos nós empregamos  indiferentemente essas  três palavras com um sentido aproximativo.(LINS, , p.

Se Lins  valoriza a unidade  da obra,  a sua  integridade, a sua correspondência  entre tema e linguagem, entre adequação  de estilo  com  o tipo de realidade física e humana, é porque  a obra ficcional,  a  poesia,  o  drama são  produtos  de  realidades  físico-humana-psicológicas  e  competência  linguístico-literária. Porém, o estilo  é um  elemento  vital e recorrente  na análise  de Lins.  O exemplo citado por Bolle no qual  Lins,  numa apreciação,   nos faz  compreender que  um Machado  de Assis jamais  escreveria  Os sertões, e inversamente,  um Euclides da Cunha  nunca  realizaria um  romance de feição machadiana.

Portanto,  daí se compreende  que, para Lins,  a questão da personalidade do autor  está profundamente associada à realidade da criação literária.

Ou seja,  e aqui  caímos  na conceituação   algo  incompleta de  Tristão de Ataíde, situação a que já nos reportamos páginas atrás, segundo  a qual  o humanismo  impressionista   desloca  o  interesse  da  obra  para  o autor.Tal  conceituação não satisfaz ,  porquanto a “técnica”  interpretativa  de Lins,   também  leva em grande conta  o  elemento do estilo, da forma,  da  linguagem  literária  ou seja,  a valorização  estética,  o valor da obra em si,   núcleo da crítica  de Lins.

Pelo visto, a crítica impressionista de Lins é diferenciada  de  outros   impressionistas,  visto que,  posto não tenha  terminologia e  método  próprios,   tem  o compromisso do crítico  com  dados  basilares  da  obra  literária aqui reiterados: a forma,  o estilo,  a linguagem,   a substância,   a inteireza,  a organicidade, a originalidade, o leitor,  a erudição,  o lastro do  crítico  com  o conhecimento  amplo e  profundo  das obras-primas da literatura universal e dos  clássicos  gregos e latinos. Portanto, pelas qualidades  de conhecimento sólido em vários campos  da cultura e, sobretudo,  da arte literária,  há impressionistas e impressionistas.

 Por todas essa  virtualidades, pela consistência de seus estudos, pela  originalidade de seu  pensamento de base culturalista, Lins,  desde o  início de sua    atividade de crítico,  acima de todos os interesses pessoais,  políticos,  profissionais,  pôs  a literatura  como  a sua preocupação mais elevada..

O quarto  critério  proposto  por Bolle, “a adequação  entre  personalidade e assunto”, que a  ensaísta   vê como  “aparentado” ao critério da  “forma funcional”, imbrica  a relação entre o autor e seu temperamento na realização de uma obra, relação que, por seu turno,   implica  a presença  do elemento da “harmonia”, i.e.,  o autor  não pode se subordinar a elementos   impositivos  externos.

 Deve ser, o quanto possível, fiel à sua  “personalidade”,  termo  caro  e recorrente nos estudos  de  Lins.O escritor, ao criar  sua obra  deve ser autêntico  a si  próprio, condição que,  para Bolle,   faz parte do   “pensamento  existencialista  dos anos 40” e,  segundo ela,  uma  condição  básica da  “crítica  tradicional”.(BOLLE, p. 79)

Ao comentar   um estudo  de Lins [ Nota de pé -de-página: Refere-se ao livro O empalhador de passarinho, que se encontra na Quinta Parte da obra Os mortos de sobrecasaca, num ensaio sob o título “A Liderança Literária, o Ensaio e a Crítica em Mário de Andrade, seção  III, p. 408-414) ] sobre a   obra  de Mário de Andrade, a ensaísta ali  depreende,  na discussão da obra do autor de Paulicéia  desvairada, os seguintes princípios flagrados na própria  armadura  crítica marioandradina: uma visão crítica  que “simultaneamente operava  com ‘a personalidade do artista, o conteúdo humano ou social da obra e a técnica formal de construção.’ Diante disso,   Bolle, em tom  de entusiasmo e de conclusão, encontra  esta classificação  para a crítica de Lins: “...uma crítica integrativa, estético-psico-culturalista – um ponto alto da crítica brasileira” (BOLLE, p. 80) 

Lins é aquele crítico  indispensável  ao conhecimento dos autores do Modernismo  dos anos 1940 até 1950, quando a pesquisa revela  ser  o período final  de sua  atividade  de crítico,Seu desempenho    crítico, naquele interregno quase se  iguala ao de Tristão de Ataíde, sobre quem  já   tecemos alguns  comentários -  testemunho vivo de  um crítico  militante de altíssimo  nível  desde o  início do Modernismo brasileiro em 1922, ano que,  por sinal,  estreou em livro com  o ensaio sobre o contista  Afonso Arinos, intitulado Pelo serão.

Tristão de Ataíde, com três  obras  de  inestimável  valor, resultado de sua militância  em jornais e enfeixadas  nos  indispensáveis  Estudos (5 séries ), de 1927 a 1935; Poesias brasileiras contemporâneas (1940), Primeiros estudos (1943),  foi  o maior  crítico  brasileiro do Modernismo, um   mestre indiscutível  da crítica  expressionista  e modelo   de highbrow   comprometido com  a cultura   e o destino  da nação, de seus grandes  problemas,    e de suas tormentosas  fases  históricas,    mesmo depois que deixou  a crítica para o apostolado  de  pensador  católico.

 Naquelas duas décadas, acima-mencionadas, Lins  acompanhou  todo  o  desenvolvimento da literatura brasileira, e é nessa fase  igualmente que  se intensificam  seus artigos e estudos  de rodapés.

Vejamos em que medida  sua abordagem crítica se torna efetiva  nas análises  de obras  recém-lançadas ou antigas, e  sua    forma de  se posicionar  em relação  ao  Modernismo  de 22, ao romance de 30,  à geração de 45 e a obras  que se  distinguiriam   como   produções  da melhor    qualidade  na história  da literatura  brasileira que, até hoje,   são  valorizadas e constituem  cânones do nosso sistema literário.

Com todas  as qualidades e defeitos da crítica de Lins,  não  podemos  negar-lhe a capacidade  de  compreensão  e a sua  argúcia de crítico corajoso, combativo,controvertido, contraditório, por vezes incompreendido e até  olvidado pelas  novas gerações. Crítico fiel às suas especificidades de  harmonizar  o seu    impressionismo humanista  e o rigor  estético  no julgamento  de obras. Da mesma maneira,  para aqui, em linhas gerais,   convergem  componentes   essenciais de  sua judicatura  crítica,  como   autor,  obra, leitor, expectador(no caso do teatro)  estilo,  personalidade  literária, personalidade do crítico, personalidade do  autor, consoante vimos  reiterando.

 Neste final  de capítulo, gostaríamos de  fazer   algumas considerações sobre pensamento  crítico  de Lins frente   ao Modernismo brasileiro   provocadas pela leitura da primeira parte de    seu estudo sobre Mário de Andrade,  com título geral  “Liderança literária",  o ensaio e a crítica de Mário de Andrade, seção I, sob o título “Vinte anos depois” (op. cit, p. 393-399). Em seguida, comentaremos   sua  perspectiva  crítica  dos autores do romance nordestino  de 30 e de autores de outra regiões que, nos anos 1940 e 1950 produziram ficção,  dramaturgia,  biografia e ensaios. Por último, discutiremos, sempre alicerçado nos textos críticos de Lins, acerca da poesia do   Modernismo.

A visão de Lins sobre o Modernismo  na sua  primeira  fase,  que tem como marco  inicial a Semana de Arte Moderna  realizada no Teatro Municipal de São Paulo, é receptiva,  sobretudo  porque  o crítico,  por mais de uma vez,  confessava  sua preferência  por tudo  que fosse novo, por  tudo que   representasse  mudanças  diante de   formas artísticas  superadas

.Por outro lado,  Lins, contudo,  faz  duras ressalvas a aos primeiros  anos  dessa fase dita revolucionária do Modernismo,  principalmente  ao “... confundir  ‘ruptura formal com  mero  descuido  formal, com as’gaitices’ tão apontadas, depreciando  as intensas experimentações formais da geração de 22”, conforme  adverte Bolle. (BOLLE, op.cit., p.650)

Reconheceu   alguns exageros  nos primeiros anos  de ruptura   revolucionária nas letras brasileiras, mas nunca  se opôs à nova vanguarda e recorria a um argumento  historicista  segundo  o qual  os  chamados  movimentos literários  do passado,  significaram,  em sua eclosão,   uma forma de modernismo sincrônico. Dá como exemplo, o capítulo denominado  “Modernismo “ no livro de José Veríssimo  História da literatura  brasileira.(VERÍSSIMO, José., p.)

Lins, entretanto, via também na ruptura do Modernismo  de 22  algumas mistificações,  figuras  de  escritores que na  verdade  não  tinham   plena  convicção  do que  seriam  mudanças efetivas  de temas,  de formas  e  de estilos  novos  que  viriam  com  a  publicação  de novos  autores   que aderiram  ao  movimento.

Enquanto  movimento   literário,  o Modernismo, após a sua fase  inicial  de  cunho  iconoclasta,  já estava  superado e por isso, vinte anos  depois,  quer dizer,  em 1942,  teria razão de ser somente para  a história literária. Com   este raciocínio, Lins  faz uma diferença  entre Modernismo  e “literatura moderna’, i.e.,  uma fase de amadurecimento  com que poderíamos já contar com  novos  obras acrescentadas  à história  “atual” para aquele período:

O Modernismo foi um ‘movimento’, portanto algo de uma determinada  época e com  determinados  objetivos. Trazia a sua duração limitada; e desapareceu   depois que   atingiu o seu ciclo de ação, o seu destino dentro  da vida literária   (LINS,  A. Os mortos de sobrecasaca., p.393-394, op. cit.)

Para  acentuar a fase revolucionária  do Modernismo,   Lins  chega mesmo a  divisar cronologicamente  o  seu  princípio e fim  do ciclo  de ruptura com  o passadismo  literário:  “o “triênio”1919-1922 representaria  o seu início; o triênio 1927-1930  abrangeria o seu fim. Como se vê,   ficam um tanto  difusas  estas duas divisões e, ademais,  sem as suas  necessárias  explicitações.  O ensaio  em exame é de 1942,  ou seja,  doze  anos de distância  do  que ele  convencionou  chamar de fim  do Modernismo.

Estes doze anos são  justamente o  que  Lins  define  como   um período  de “literatura  moderna.”  Restaria indagar que  autores surgiram entre 1930 e 1942, ou um pouco mais adiante, e que pudessem  ser  classificadas  modernos e representativas da produção  ficcional e poética brasileira?

 Ora, a única  resposta a esta indagação, ainda que tautológica,   seria  a  alusão do crítico aos  autores  do romance  nordestino  de 30 e outros   escritores de outras regiões do país  por ele  analisados e passados em julgamento:  Mário de Andrade, Marques  Rebelo, Érico  Veríssimo,  Gilberto Amado,  Otávio de Faria, José Geraldo Vieira, Antônio de Alcântara Machado,  Dionélio Machado, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues (no teatro),  Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles,  Vinicius de Morais,  Murilo Mendes, Bueno de  Rivera, Américo Facó, Jorge de Lima, Raul Bopp,  Ribeiro Couto, Augusto dos Anjos,  João Cabral de Melo Neto, Murilo Rubião,   Lúcio Cardoso, Dionélio Machado, Dalton  Trevisan. Thiago de Melo,

 Esses  exemplos, em síntese,  estariam  na órbita do  que  Lins  enquadraria como  autores modernos,  e não modernistas, na acepção que seria  atribuída a alguns autores  da primeira fase  do Modernismo,  entendendo  os bons, ótimos ou  os falhados  em alguns gêneros  literários,  romance, conto,   poesia , dramaturgia ensaio,  uma vez que o rigor e a implacabilidade de Lins ao mesmo  tempo  se mostravam favoráveis  a um escritor, por exemplo,   no romance,  na poesia,  o mesmo autor  poderia  ser julgado um fracasso em outro genro  literário.

 E  nesta atitude de julgamento  houve vários  exemplos  de autores  brasileiros hierarquizados  nos seus valores e desvalores   estéticos.Foi o caso de um Otávio de Faria que Lins  exaltava  como  ficcionista, mas  o julgava um  fracasso no ensaio.

O estudo de Lins sobre Mário de Andrade já define  um julgamento  antecipado do  apreço  que tinha  pela  obra  de Mário e, no ensaio  selecionado o eixo de sua  discussão  se volta para a conferência de Mário proferida em 1942,  no Itamarati, que fazia parte da comemoração  dos vinte anos  da   Semana de Arte Moderna de 1922, tendo  por título  “O Movimento  Modernista.”

Recheado de elogios à figura de Mário de Andrade, sobretudo  pela liderança que  o escritor paulista  exerceu  junto  aos outros  participantes  do Modernismo, Lins  define  o autor de Paulicéia  desvariada como   um dos  modernistas ‘autênticos,’ que aliavam  compromisso  de mudanças  sérias sobre os rumos da literatura brasileira.

Mostra Lins  a tônica  que  Mário desejava imprimir  à sua  palestra: dar um testemunho  pessoal  de sua participação  no Modernismo, visando sobremaneira   à atenção dos mais jovens. Contudo,  ao  falar da conferência, Lins não perde tempo para  fazer suas ponderações sobre  o que  tinha sido válido  no movimento e o que tinha sido    fútil,  indecoroso, “ridículo,” se visto  por  algumas  figuras  que de nada  valeram  para dar  significação  e  valorização  ao movimento de  ruptura, inclusive com   figuras  que  desmoralizaram  o movimento  a começar  de  produções  tidas por Lins como subliteratura. No entanto, Lins não nomeia  essas “figuras.”

Mário, segundo  Lins,   tinha  por  meta  revelar  a face independente do  movimento e seu “caráter  brasileiro”.(p.). Mas, na questão  de brasilidade,  Lins  aponta uma  discordância  dele em relação à visão de Mário:  o  Modernismo sofreu o processo de antropofagia.

Neste sentido,  não se desviou  da órbita literária européia,  tanto quanto outros movimentos literários  ou estilos   de época anteriores: o Romantismo,  o Parnasianismo, o Simbolismo. O que  Mário  afirmava  sobre  a necessidade  de  pesquisar   temas e assuntos,  folclore,   numa palavra,   coisas do  Brasil,   o mesmo  procedimento  já se fazia  na Europa no que concerne a “fórmulas e ideias” naquele tempo. Em apoio do que  discordava,  Lins  cita   uma declaração do  velho  Sílvio Romero,  extraída do  livro Evolução  da literatura brasileira: “Tomar da nação os assuntos e da cultura universal o critério  diretor das ideias.”( apud LINS,P.. 397)

Ainda dentro do  conceito geral de Modernismo, ou como  preferia  Lins, tendo em vista os autores que surgiram nos anos  1940 e 1950, de autores modernos, sabemos  o quanto  seus estudos publicados,  primeiro,  nos rodapés de jornais, depois,  no Jornal  de crítica, tiveram   imensa  repercussão junto aos leitores e mesmo autores, descontados  os  autores  por ele  julgados  desfavoravelmente, o que ocorreu  muitas vezes.

 Entretanto,  os  ficcionistas da geração do romance nordestino de 30,  os poetas, os dramaturgos, os ensaístas,  biógrafos, mencionados  linhas  acima,  encontraram  em Lins  o tipo de crítico que lhes  daria visibilidade e sucesso graça  aos seus  julgamento pautados  em  princípios de uma  crítica rigorosa, aberta, por vezes dogmática,  por vezes  dando exemplo de como a crítica literária  poderia elevar-se a um plano  de exegese  criativa,  livre de amarras e limites  impostos  por  ranços  ainda  deterministas,   ou  superadamente   cientificistas.

Armado de seu  supostamente  impressionismo,  Lins conseguia  revelar  nas obras  dos romancistas  de 30 e de outras regiões do país,  as qualidades  não só  no tratamento  de temas sociais da realidade brasileira, do documento social, ou da realidade  psicológica, a saber,   de um Lúcio Cardoso, mas sobretudo   o nível  de adequação  entre  forma e linguagem  literária de um autor.

 Por isso, ao estudar  obras de  um  José Lins do Rego, de um Graciliano Ramos,  de um Marques Rebelo, entre outros  daquela geração, o crítico  apontava tanto as  habilidades  do ficcionistas em todos os aspectos da estrutura  dos romances, novelas  ou contos, quanto  as fraquezas de inconsistência de  composição, de verossimilhança,  de  falta de   convencimento  ou  de sopro de vida dos personagens.  

Exemplo disso são  as obras  “falhadas” de Caetés, de Graciliano  Ramos, dos romances de Gilberto amado,  do teatro de Afonso Arinos de Melo e Franco, da superficialidade e falta de linguagem literária de José Mauro  Vasconcelos),  dos personagens sem alma, das ações  artificiais,  do  uso  inadequado da linguagem  literária,  da ausência   de sentido de unidade  que  sua crítica tanto   valorizava. Por não ver  nenhuma   qualidade estética  em algumas  obras, sua atuação crítica lhe granjeou  inúmeros inimigos.

Porém, o crítico  não  se deixava  abater,  perseguia seus  objetivos  de  orientar,  mostrar caminhos, fazer sugestões e até sugerir que  o candidato a autor fosse procurar outra atividade que não a carreira de escritor.

Se sua judicatura  crítica  era  impiedosa, outras vezes se mostrou  entusiasmado com  a qualidade de  alguns autores  brasileiros no domínio da ficção: um  José Lins do Rego ao escrever  Fogo morto,  um Graciliano Ramos ao criar  obras-primas como  São BernardoVidas secas, um Marques   Rebelo, com a sua notável  A estrela sobe, um Guimarães Rosa, com  SagaranaGrande sertão :veredas,  um Nelson  Rodrigues, com  Vestido de noiva, entre outros  autores.

Uma característica da crítica de Lins se lhe tornou  uma constante: ao analisar  um  grande autor,  havia sempre  que fazer  reparos  duros a certos defeitos  do autor, sobretudo  tendo em vista  elementos  imprescindíveis da obra literária: a forma,  o estilo,  a linguagem literária, a predominância  do  estético sobre todos os  outros  constituintes de elaboração  e técnica ficcionais. Poucas  obras escaparam a esta  exigência, quer fosse  da literatura brasileira, quer fosse da estrangeira. Não havia na sua crítica  espaço para a  leniência  ou concessão em se tratando da qualidade  estética da obra.

Outro traço positivo de Lins, na análise e julgamento  críticos do gênero  poético era a sua  plena  confiança  em novas  possibilidades do fazer  poético  na literatura brasileira a partir do Modernismo. Contraditoriamente,  nele havia  uma espécie de má vontade com  os manifestos, os  programas, enfim, o ideário  embutido naquele movimento literário.

Não demonstra  boa  vontade com  essa fase  destruidora de velhas formas e estilos  do passado nos seus aspectos  exteriores, não literários. Isso nos parece uma contradição inexplicável,  um pé atrás contra  alguns pseudomodernistas de primeira  hora.Tinha várias diferenças com  Oswald  de Andrade, não mostrava simpatia por um determinado  comportamento e  estado  social e elitizante em que o lado festivo da Semana  de Arte Moderna de 1922 transcorreu. Ora,  este espírito de  celebração e não de  propósitos de  alterações  substanciais e originais  da arte poética brasileira, é alvo da ironia  de Lins:

Ah, eu bem imaginava a existência de certos vícios de origem no movimento modernista! Pois esta literatura oficial de salões – imitação do academicismo  dos franceses – é uma coisa que sufoca os espíritos. Compreendo a literatura como uma criação individual, como uma força posterior de movimentos nas ruas, mas não em grupos de salões burgueses... E parodiando o verso do Sr. Carlos Drummond de Andrade  porém,  com outro sentido, poderíamos exclamar: “Havia burgueses, havia salões naquele tempo” (LINS, A. (Idem , p. 398)

          À altura da “geração 45, rótulo, aliás,  proposto em 1948, por Domingos  Carvalho da Silva, dos  poetas da segunda fase do  Modernismo, lembra  Massaud Moisés que Álvaro Lins  foi um dos mais “ representativos”  críticos daquela fase de “..mutação do clima poético”.(MASSUAD, ,Moisés, p. 378, História da literatura brasileira –Modernismo). Dois outros a ele  “...se  apressaram a fazer coro à pregação revolucionária”. (Idem, , ibidem, p. 379).

          Sabe-se que a geração de   45, posto que fosse um movimento de ruptura ao  radicalismo de 1922, e refletisse  as consequências sociais, políticas  e culturais  do  pós-Segunda Guerra,  não  teve um caráter estético de mudanças que  produzissem  uma clivagem  com  as correntes estéticas  anteriores  ao Modernismo.

          Mudanças houve nos temas e na linguagem, no estilo e na forma de composição que, agora,  tinham  um timbre novo, ritmos  novos,  novas   visões  poéticas,  novas  experiências, não de um grupo coeso,  mas de individualidades, de fazer  poesia,   porém  não  completamente esquecendo  o lastro parnasianismo, ou  de traços  clássicos. Não aboliram o soneto, nem  certos  temas caros   à dicção  tradicional. A geração de 45 teve, assim,  essa postura  polêmica  e contraditória ao mesmo  tempo e por isso  mesmo  fora tachada de  reacionária, neoparnasiana.

Lins endossou  alguns poetas  da geração de 45, no que  foi  censurado por uma estudiosa de sua  obra, a Adélia Bolle.(BOLLE). Entretanto,  é preciso   ter em mente que ele, ainda que fosse um  crítico  com  visão afirmativa da poesia moderna,  no  Ocidente ou  no pais,  por formação  era um  crítico  que  atribuía muito peso dava   à questão  do estilo , da forma,  da substância e, no caso  do gênero   poético,  ainda que   tivesse  a disponibilidade  para  o novo em tudo o que se referisse à literatura, mantinha um  compromisso  com  correção  da língua e com  a postura  intransigente diante   da  adequação  entre o  estilo,  forma,  conteúdo.Não  precisamos advertir que estamos  aqui  empregando  termos do campo semântico-teórico  de Lins e de sua  época.

 Quer dizer,  ele não  aprovava,  por exemplo, que  Mário de Andrade, num ensaio,  empregasse uma linguagem, uma expressão que, para o crítico,  não se coadunava ao estilo do  ensaio. Essa dimensão do que  hoje  se  conhece como  os registros  linguísticos, lhe era  fator determinante  de elaboração  estética. Para Lins,  tratava-se de  “descuido formal” no que diz respeito  à linguagem  de um ensaio e, por extensão,  até mesmo  à linguagem  literária. Quer em prosa, quer em poesia.

Este substrato clássico  que  lhe estava na personalidade de crítico  explica  a sua  preferência  por  poetas  que, como Baudelaire,  nunca  desprezaram  o rigor  da tradição literária com  os temas e  formas  modernas  de poesia. Naturalmente  aqui  não  se tem  em conta  colocá-lo  entre  os críticos  superados  que nas obras lidas  só viam  como  componente   essencial a correção gramatical  ortodoxa  e ainda presa   à  sintaxe   dos clássicos  portugueses.

 O que Lins não perdoava era a ausência do conhecimento profundo  da língua, do seu domínio e cultivo, de suas virtualidades,  da língua  como  potencial  de  sofrer  modificações   e inovações  criativas e  revolucionárias  nos estilos  de cada autor,  seja na poesia, seja na ficção. Razão pela qual  recebeu  com tanto  entusiasmo  a ficção de  um Guimarães  Rosa, de um Murilo  Rubião, de uma Clarice Lispector. de  um  Graciliano Ramos, de um renovador na dramaturgia  brasileira, Nelson  Rodrigues

No domínio  poético,  ainda vai mais longe. Seus estudos  de poetas  como  Mário de Andrade,  Carlos Drummond de Andrade,    João Cabral de Melo Neto,  Murilo Mendes,  Jorge de Lima,  Augusto dos Anjos,  Cecília Meireles, Raul Bopp e de tantos outros  poetas  brasileiros ou  portugueses,  do passado e de todo  o período em que atuou como  crítico. O mesmo fez com  respeito aos estudos   de autores estrangeiros, como  Proust,  Eça de Queiroz,  Antero de Quental,  Camões.

Um traço  queremos   levantar  nestas observações  finais sobre  pensamento estético-filosófico-culturalista   de Álvaro Lins: um crítico  que, enquanto   analisava  autores  em diversos gêneros e  ramos do saber, o fazia num estilo  que poderíamos  definir como crítico-aforístico, i.e., um  crítico  ávido  por definições,  que tanto  usava a emoção,  a sedução do seu estilo, as suas faculdades  de crítico  criador, e a razão  como  forças-motrizes do  seu  poder de análise,  interpretação e julgamento das obras,  os três pilares de sua crítica.

 Seus artigos em rodapés,  nos  ensaios em livros eram  sempre   uma  forma de  estar   - vamos  empregar  um  termo  mais moderno -  fazendo  metacrítica no que  concerne a aspectos  teóricos,  concepções de gêneros literários e de outros  elementos  fundamentais  da literatura que obsessivamente   o acompanhavam   com se estivesse procurando  esgotar   definições que,  em síntese,  seriam  a busca de  um conceito que lhe fosse pleno e  decisivo para  compreender  o fenômeno literário e a crítica.