A VINGANÇA DA CASCAVEL
Por Elmar Carvalho Em: 01/02/2012, às 11H13
ELMAR CARVALHO
Eram cinco horas da tarde quando Expedito Malaquias, ao retornar para sua casa, após árdua jornada de trabalho em sua roça, na chapada Malhada de Areia, avistou acerca de oito metros uma cobra atravessar a vereda. Ele poderia ter seguido seguido seu caminho, uma vez que o réptil não lhe ofereceu nenhuma ameaça ou perigo. Mas o caboclo tinha uma raiva antiga e inexplicável contra esse tipo de ser rastejante, e preferiu persegui-lo, para tentar matá-lo.
Quando o viu novamente, ele já estava entrando em sua toca, no meio dos pedregulhos. Expedito, que já vinha de facão em punho, desferiu-lhe um golpe rápido. Contudo, conseguiu apenas decepar-lhe a parte final do corpo, onde ficava o chocalho. Essa modalidade de serpente costuma sacolejar esse apêndice, quando se sente acoada, mormente pelo cancão-de-fogo, que a enfrenta destemidamente, azucrinando-lhe a paciência, com certeiras e dolorosas bicadas, na solidão da chapada. A insolente ave consegue enfurecê-la tanto, que a cobra termina morrendo de tanto ira que lhe envenena o corpo.
Expedito apanhou o chocalho da cascavel e o levou para casa, onde o guardaria, como um troféu. Pegou a cabaça d'água, que deixara no caminho, para ter maior mobilidade na perseguição que empreendeu, e seguiu para casa satisfeito, com o mimo que levava, mas um tanto chateado por não ter conseguido matar o animal peçonhento. De instantes a instantes, como se fosse um menino encantado com o brinquedo que acaba de ganhar, sacudia e contemplava o guizo. O barulho lhe soava como refinada melodia. Pela quantidade de “enrugas” do maracá, tratava-se de cascavel refeita, em plena maturidade, no apogeu de sua força e agilidade. Certamente, uma picada sua era mortal, pois o seu veneno é poderoso e de rápido efeito. Amarrou o guizo numa embira de tucum, em local onde o vento podia sacudi-lo. No silêncio da noite, o chocalhar lhe soava como música de anjo.
No sábado seguinte, ao contar o fato a uns amigos, num botequim de cachaça, localizado no terreiro de uma latada onde acontecia um forró, foi prevenido por um deles para que tomasse cuidado, pois cascavel não perdoava; era animal rancoroso, vingativo, e um dia poderia surpreendê-lo, e lhe armar um bote mortal. Expedito Malaquias não levou a sério a advertência, achando que era apenas uma superstição matuta, como tantas outras, e seguiu sua rotina de lavrador sem nenhuma preocupação, a não ser a de sustentar a mulher e os filhos.
Certo dia, ao se aproximar de sua casa, sentiu uma dor na batata da perna. Imediatamente se lembrou do que dissera o amigo, e logo viu a serpente a seus pés. Num ato instintivo, sacou o facão, que trazia na bainha, e decepou a cabeça da cobra. Desta feita teve a certeza de que ela não mais picaria ninguém, mas, por via das dúvidas, após verificar que ela não tinha a parte final da cauda, que lhe decepara da vez anterior, cortou o seu corpo em várias pedaços, e ainda lhe esmagou o crânio com uma pedra jacaré, encontrada na beira da vereda. Arrancou uma corda que trazia no cofo de palha de carnaúba, e amarrou fortemente a perna esquerda na altura da virilha, em apertado torniquete. Seguiu para casa em passos rápidos.
A mulher conseguiu levá-lo a Barras, a cidade mais próxima, no carro de um vizinho mais próspero. Aplicaram-lhe o antiofídico próprio. Mas o veneno e a falta de circulação provocaram-lhe a temida gangrena, de modo que os médicos acharam por bem amputar-lhe a perna ofendida, que era a esquerda, à altura, quase, da virilha. Diante desse fato, Expedito Malaquias terminou conseguindo aposentar-se por invalidez, passando a receber benefício do INSS. Nunca se queixou da sorte. Ao contrário, dizia mesmo que fora melhor assim. Alardeava que a aposentadoria fora um prêmio, e passou a considerar o guizo pendurado na embira como o seu amuleto da sorte. Sendo preto retinto e gostando de pitar cachimbo, terminou mimoseado com o apelido de Saci, do qual tinha orgulho.