O poeta imagina, concentra-se, eleva-se sobre os pantanais do orgulho humano, os descampados da solidão, sobre o céu (o éter) e o mar, o bosque, o monte, voa muito além do sol, além do horizonte, além das estrelas, na onda das estrelas, na imensidão redonda do universo, impulsionado pela volúpia, pela juventude para beber o licor, o néctar, o fogo da imortalidade celestial, e conseguir, por fim, atingir a linguagem da matéria, da flor e da matéria, a Linguagem.

Elevação

Por sobre os pantanais, por sobre os descampados,

Por sobre o éter e o mar, por sobre o bosque e o monte,

E muito além do sol, muito além do horizonte,

Para além dos confins dos longes estrelados,
  Meu espírito, vais, todos os céus te movem,

Como um bom nadador cais em delíquio na onda,

Sulcas alegremente a imensidão redonda,

Levado por volúpia indizível e jovem.

Bem longe deves voar destes miasmas tão baços;

Vai te purificar por um ar superior,

E bebe, como um puro e divino licor,

O claro fogo que enche os céus lúcidos e serenos!

Este cujo pensar, como a andorinha, muda

Para o céu da manhã num vôo ascensional,

- Que plana sobre a vida a entender afinal

A linguagem da flor e da matéria muda!
 


BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Círculo do Livro, 1995. Tradução, posfácios e notas de Jamil Almansur Haddad.