ELMAR CARVALHO

João Brígido era dono de seu próprio caminhão, financiado pelo Bradesco. Era trabalhador como poucos o são. Algumas vezes, para não atrasar as prestações, fazia uso de comprimidos contra o sono, conhecidos como arrebites. Quando de folga, em Picos, gostava de ir a algum cabaré ou ponto de encontro, para beber e ficar com alguma mulher. Não raras vezes, ainda estava sob efeito do arrebite quando começava a ingerir bebida alcoólica, o que lhe deixava bastante eufórico e “fora de tempo”, como se estivesse numa quase desgovernada “banguela”, ladeira abaixo. Sóbrio, não havia melhor pessoa, mas tomado pelo álcool era um tanto turbulento, precipitado, impulsivo e por vezes temerário, já tendo se envolvido em brigas e confusões.

 

 

Numa dessas vezes, já bastante alcoolizado, e ainda sob o efeito de energético, que potencializou o efeito da bebida, foi até sua casa, onde morava em companhia de sua mãe, uma velhinha viúva. Fora pegar mais dinheiro para gastar num cabaré situado perto do povoado Gaturiano, na beira da BR. Guardou a chave num jarro, colocado sobre um móvel. Tomou um banho, às pressas, e retirou parte do dinheiro que guardava para pagar a prestação do carro. Sua mãe implorou para que ele não saísse, tanto porque ele já estivesse embriagado, como para que ele não gastasse o dinheiro que mal dava para pagar a parcela. O caminhoneiro se irritou com a mãe, e disse que nem o diabo o impediria de voltar ao cabaré. A velhinha, abraçando-se a ele, pediu-lhe, pelo amor de Jesus, que se deitasse um pouco, até cessar o efeito da embriaguez. Mas ele deu um safanão em dona Florisa, e foi à procura da chave. Não a encontrou onde supunha tê-la colocado. Imediatamente achou que sua mãe a escondera, e perguntou, aos berros, onde ela a escondera. A mulher disse não ter feito o ato de que era acusada, e o abraçou novamente, sendo repelida com um tapa na face.

- Tenho fé em Cristo que a tua mão não mais se levantará contra mim, disse a velhinha a chorar.

 

Como um furacão, a quebrar e a derrubar objetos, João Brígido terminou encontrando a chave da “jamanta” no mesmo jarro em que a pusera. Saiu como um louco, dirigindo apenas o “cavalo” da carreta, em alta velocidade, para chegar logo ao Beleza da Rosa, onde Helena o esperava. Tirou o cd de Roberto Muller, que ouvia, para colocar um de Bartô Galeno. Acelerou mais ainda, enquanto procurava a faixa da música que dizia – “no toca-fitas de meu carro uma canção me faz lembrar você”. Embotado pelo álcool e pela ansiedade de chegar logo ao cabaré, onde o aconchego e o perfume de Helena o esperavam, resolveu ouvir um cd de Roberto Carlos, que falava nos perigos das curvas da estrada de Santos. Não percebeu os perigos dos picos e das curvas picoenses, cego pelas belas curvas de Helena, que voluteavam em sua cabeça; perdeu o controle, e não conseguiu fazer a curva fechada. Precipitou-se no abismo, arrancando com o forte impacto a barreira metálica de proteção.Por não estar usando o cinto de segurança, foi sacado da cabina. O aparelho de som ainda tocava Roberto Carlos, a grande volume, quando as primeiras pessoas vieram tentar socorrê-lo.

 

Por mais que a procurassem, não lhe encontraram a mão direita. Surgiu então a lenda urbana picoense de que ela fora amaldiçoada pela mãe espancada, e que, por isso, o diabo a carregara juntamente com o espírito do caminhoneiro João Brígido. Conquanto as lágrimas e o clamor maternos desmentissem tal mistificação, a lenda ficou cristalizada no imaginário popular.