SESSÃO   NOSTALGIA

 

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

 

 

A (im)possibilidade de parar de escrever                 

 

                                                                      Para  o ensaísta, teórico de literatura, ficcionista,  poeta e crítico                                                                               literário   Rogel  Samuel 



                                   Cunha e Silva Filho



            O Caderno Ideias & Livros do JB, deste sábado, 11 de abril, realizou uma reportagem que, no meu juízo, merece reflexão mais aprofundada, visto que diz respeito à vida produtiva dos escritores de todos os quadrantes.
Brasileiros ou estrangeiros, autores velhos e novos, todos ali se pronunciaram acerca dessa questão vital à arte da ficção literária.

              A matéria não abordou os criadores de poesia, nem de outros gêneros. Talvez, os editores ainda – assim espero -, possam reservar-lhes uma enquete semelhante.Porém, o que merece meditação é, na realidade o complicado trabalho envolvendo a capacidade de criação literária. Nesse momento, não posso omitir o que li ou me contaram sobre o romancista e contista norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961 ).  Conta-se, não sei se é a verdade da verdade, que ele, a uma certa fase de sua produção ficcional, fora sempre assaltado pelo medo ou pavor mesmo de não poder escrever mais,  de não ter assunto para escrever, de recear que a fonte de inspiração lhe secasse para sempre a possibilidade de prosseguir  na sua atividade de  criar ficção.

             Mesmo se comentou que o seu suicídio estivesse conexionado à impossibilidade de continuar produzindo o que os teóricos chamam de “mundos possíveis”, universos paralelos tão ou mais significativos do que a própria realidade empírica, da qual, nós viventes, temos apenas uma parcial apreensão dos fatos, das coisas, dos objetos e sobretudo da vida interior dos indivíduos. A literatura teria esse condição de nos transmitir, de forma complementar, a real compreensão da existência e do universo.
        É bem possível que, na história da literatura universal,  existam muitos outros exemplos de artistas da palavra se defrontarem com a página vazia, com o esgotamento completo de suas energias criativas no plano da linguagem literária.
           Cada escritor convidado a dar depoimentos sobre a sua atividade criadora manifestou sua maneira de lidar com essa questão de poder ou não manter a chama da sua capacidade imaginativa ou inventiva.
Alguns, como Carlos Heitor Cony, já pensam em “por um ponto final’ à sua atividade de ficcionista e até fala em se “aposentar” nesse sentido.

          Outros, como Moacyr Scliar, que possui uma produção considerável de obras, já não pensam assim. Para ele, só uma condição impeditiva séria o faria parar: a incapacidade física ou mental.
Outros mais, veem o problema apenas com uma observação irônica, ou não dão muita importância a esse tema.
         No Brasil, temos o exemplo do autor de Lavoura arcaica (1976),  Raduan Nassar, que, ao que parece, deixou de escrever depois do sucesso daquela obra, mas ainda publicou Um copo de cólera (1978).
No Piauí, há o caso de O. G. Rego de Carvalho, ficcionista talentoso, que não passou, entretanto, de três  romances publicados e  bem-sucedidos. Por outro lado, no Piauí ainda há um exemplo notório de escritor que, com idade bem avançada, não deu nenhuma mostra de que irá parar, como William Palha Dias, ficcionista que, aos noventa anos, ainda é exemplo magnífico de, com essa idade, manter-se intelectualmente ativo.
          Assis Brasil, ficcionista e ensaísta de renome nacional, na sua produção geral, já ultrapassou uma centena de livros. O JB cometeu uma omissão não o incluindo nessa pesquisa, sabendo que esse escritor, tanto quanto o foi no passado Coelho Neto (1864-1934 ), tem-se distinguido como um notável exemplo de dedicação ininterrupta à atividade intelectual. A opinião dele seria muito valiosa no que concerne ao tema em foco.
A questão da criatividade no domínio da literatura, continua de pé. Merece maior discussão por parte de todo escritor.Essa questão não pode, a meu ver, deixar de fora outros gêneros literários,  a começar da poesia, da crônica, do ensaio, da crítica, do teatro, do memorialismo, da biografia, do jornalismo literário e de outros gêneros.
      Todos os que usamos da pena, remunerada ou não, a essa questão crucial não podemos ficar alheios, porque o fantasma da ausência de assuntos, de temas, de criatividade, ou melhor, da possibilidade da crise de criação literária não é assim tão raro que possamos colocá-lo em segundo plano. Muito ao contrário. Qualquer escritor, em qualquer modalidade de escrita estritamente literária ou de áreas humanisticamente afins, como a história, a sociologia, a filosofia, a antropologia, a geografia, as artes em geral, em alguma fase da vida intelectual ou artística com ela se defronta. E, a propósito disso, há uma velada cobrança do meio cultural-artístico, ou acadêmico, e do público letrado em geral em cima dos criadores de imagens, mundos, formas e objetos no sentido de que eles produzam sem cessar.
        Quando a fonte “seca", ainda que, por vezes, temporariamente, é bem provável que muitos desses artistas de várias formas de expressão artística se sintam mais deprimidos pelo fato de se tornarem exemplos de escritores ou de autores fracassados ou de curto fôlego, enfim, de limitada produção. Tal juízo publico, contudo, só prejudica esses criadores, que não têm culpa de não publicarem mais, ou de criarem mais em outros campos da inteligência, levados que são, muitas vezes, por circunstâncias diversas e de foro íntimo.

          Me lembro de que recentemente o poeta Ferreira Gullar comentou em jornal que há muito a poesia não o chamava a si. Isso não é nenhum desdouro para um autor em qualquer gênero. Afinal, a criação literária precisa de muitos componentes e fatores favoráveis à fecundação das formas, das imagens e dos mundos nascidos ou provocados no tempo, hora e contingências existenciais, não dependentes da vontade tão-só do criar em si, mas do impulso natural do criador para a construção do objeto estético.
         O tempo do ato criador tem o seu próprio e intransferível momento de dar frutos, e frutos amadurecidos que mereçam ser colhidos pelos fiéis amantes da literatura e das artes em geral.