A entrevista de Vandré
Por Bráulio Tavares Em: 04/10/2010, às 07H15
[Braúlio Tavares]
A TV Globo exibiu a entrevista feita por Geneton Moraes Neto com Geraldo  Vandré, feita no dia em que este completou 75 anos. Foi ótimo para desmentir os  boatos que ouvi nas últimas décadas: Vandré ficou doido, Vandré aderiu aos  militares, Vandré está com depressão profunda, Vandré perdeu a memória, Vandré  está incoerente. Pelo contrário. O autor de “Ventania” se tornou um cara  ensimesmado, solitário, introvertido. Isto se soma à idade e à desilusão com a  música para dar uma imagem diferente do cantor passionário e grandiloquente que  arrastou multidões. Mas Vandré mostra em toda a entrevista ser um sujeito  tranquilo, articulado, de vez em quando bem-humorado e brincalhão. Ajuda a  desmontar algumas das lendas que se criaram em torno dele, recusa com sensatez e  bons argumentos a pecha de “antimilitarista”, rejeita o ambiente de showbiz que  se criou para a MPB de hoje. Foi uma das entrevistas mais sensatas e  equilibradas que vi de um músico brasileiro, mesmo discordando de algumas de  suas opiniões. Vandré só parece um excêntrico porque não exibe o comportamento  dos compositores e cantores de hoje, cheios de frasezinhas espirituosas, caras e  bocas, humildade fingida, etc. É um cara que olha de frente para a câmara e diz:  “Perdi a guerra, paciência, a vida continua”.
Vandré era de uma faixa  radical da MPB que unia de um lado a visão-do-mundo marxista e nacionalista, e  do outro a curiosidade pelas formas populares e “folclóricas” de escrever e  compor. Suas melhores canções pertencem a esta linha: “Disparada”, “Caminhando”,  “Cantiga brava”, “Aroeira”, “Requiem para Matraga”, “Porta Estandarte” e tantas  outras. Mas suas canções de amor, bem trabalhadas e de melodias intensas, são  igualmente fortes: “Quem quiser encontrar o amor”, “Pequeno concerto que virou  canção”, etc. Seu talento ninguém discute. O que se discutiu na época foi sua  aposta kamikaze no confronto ideológico. Compositores igualmente engajados  (Chico Buarque, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, etc.) souberam recolher as velas e se  manter à tona na hora da tempestade. Vandré tentou beber a tempestade. Não  conseguiu.
Vandré diz que a única coisa da MPB que lhe chamou a atenção  nas últimas décadas foi o Movimento Armorial. Isto mostra que seu esquerdismo  pode ter se atenuado com o tempo, seu nacionalismo não. O Armorial não faz a  música que ele fazia, mas certamente faz a música que ele gosta de ouvir. Vandré  não aceitava a guitarra, não aceitava o Tropicalismo, as roupas de plástico, a  parafernália pop. Perdeu a guerra, porque foi esse modelo que se impôs na música  brasileira. Não como modelo único (ainda há espaço para numerosos seguidores do  próprio Vandré), mas como modelo predominante, preferido pela mídia e  enriquecedor. Vandré tem suas razões para balançar a cabeça e dizer: “Tô fora”.  O que fez é inapagável, definitivo, mas ele não quer voltar a fazê-lo. Vandré  foi o artista de um momento único, e passou com esse momento. 

                                                        