[José Ribamar Garcia]

 Foi no início desta madrugada de domingo - dia dos pais. Haja dias dedicados às pessoas!  Dia das mães, das avós, das sogras, das noras, dos genros, das crianças, dos médicos, dos comerciários, dos namorados, dos advogados, e por aí vai...  Dos advogados, então, até a justiça interrompe suas atividades e fecha os portões em comemoração. Como se ela estivesse em dia com seus processos. Parece que ainda quem não tem o seu dia são as meninas da Vila Mimosa, apesar de serem seguradas pela Previdência Social, na condição de profissionais do sexo. Talvez, porque o comércio não as veja como boas consumistas. Sempre achei que a invenção desses dias, sobretudo, o da mãe e o do pai, foi a maior jogada do comércio. Uma forma de alavancar as vendas, com a classe média indo às compras, aos restaurantes e às churrascarias. Diante destas, são formadas longas filas. Filas quilométricas. De dobrarem a quadra, com filhos exibindo seus genitores. Velhinhos em pé, sob um sol escaldante, esperando a vez de entrar para comerem – comerem? - uma carne indormida, insossa e pedrada.  Malvadeza.  Pois, muitos deles não possuem mais dentes.  Este ano, eles se livraram desse suplício, graças ao Covid-19.  Mas, não era disso que eu ia falar. E, sim, da visita, inesperada e agradável, que recebi nesse começo de madrugada.  

Estava eu entretido, com a leitura do segundo volume da biografia de Monteiro Lobato, do seu biógrafo Edgard Cavalheiro, quando ouvi um ruído batendo nas paredes e no teto. Pensei, na hora, fosse algum besouro ou morcego. Larguei o livro e me levantei da poltrona para ver o que era. E o que era?  Um beija-flor-tesoura, que entrara pela janela.  O bichinho, com aquela cauda dividida ao meio, feito uma tesoura – daí o seu sobrenome - parecia perdido. Voava, batia o bico nas paredes e pousava na prateleira da estante de livros. Em seguida, invertia o percurso. Num desses vôos, caiu dentro da sanca. Temendo que ele se machucasse, fechei a porta do quarto e fui à cozinha, de onde lhe trouxe uma xícara, contendo raspa de rapadura, dissolvida na água. Supus que se bebesse, ficaria quieto. Mas, ele já havia saído da sanca e estava na sua beirada. Depois voou para a estante, quando pude observar seu colorido: cabeça, pescoço e cauda são azuis; e o resto do corpo, de um verde-escuro brilhante. Fiz várias tentativas para que voasse mais baixo, a fim de encontrar a janela. Todas em vão. Aí resolvi assistir a algum filme pela televisão. Apaguei as lâmpadas, fechei a porta do quarto, deixei a janela aberta e fui para a sala, que dá para a rua.   

Lá pelas tantas, volto a ouvir esbarrões nas paredes e o tique-tique-tique-tique, numa freqüência rápida e baixinha. Só audível devido ao silêncio da hora. Era ele de novo. Meu belo visitante. De vôos graciosos e de soberbas paradas em pleno ar. Pois não é, que ele saiu do quarto, cruzou o vão interno do prédio, ultrapassou a cozinha e foi parar na sala, onde continuou nos seus vôos curtos e pousos relâmpagos.  Isso perdurou até a chegada do meu sono, por volta das quatro horas. Apaguei a luz, deixei a janela aberta e dei-lhe boa noite.  No dia seguinte, nem sinal dele. Veio e  partiu como um cavaleiro solitário, que não compartilha sua solidão.