Os brasileiros atentos ao que sucede no mundo da violência, somos tentados a concluir, diante de uma série interminável de homicídios provocados por uma diversidade de causas ou motivos, que a praga da selvageria, infestando todos os lados da cidade, no asfalto, nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, não indicia para nenhuma solução. Enquanto isso, o terror da violência se expande e torna o habitante carioca ou quem aqui habita cada vez mais impotente ante tantas tragédias, e tragédias praticamente diárias.
                           Os órgãos de segurança não conseguem dar conta dessa massa de atos de covardia praticados contra o povo. Este não mais confia na força policial; ao contrário, dela tem medo. Esta situação de anormalidade ainda não recebeu uma resposta do governo estadual, que me parece incompetente. Todos veem o perigo em cada esquina, em cada indivíduo que de nós se aproxime.Pensamos que todo mundo é um potencial assaltante. Sentimo-nos sozinhos e desamparados. O homem comum está exposto às feras. À noite, se saímos, o fazemos com cautela ou senão com muito receio.
                           Mata-se por qualquer motivo. A única forma de solucionar pendências é o uso da arma de fogo ou da arma branca. Na rua, qualquer bate-boca entre motoristas pode se tornar uma tragédia. E esse tipo de violência se desdobra em outros subtipos que, no conjunto geral, possui um só objetivo: tirar a vida do próximo, não respeitando idade, etnia, condição sócioeconcômica, cultural, nada. Tudo é tragado pelos tentáculos das armas assassinas travestidas em várias formas: narcotráfico, pedofilia, bala perdida, brutalidade gratuita, motivo fútil, assaltos, arrastõesetc, etc.
                          A sociedade civil, de certa maneira, por vezes, se manifesta, organizando-se em movimentos pela paz, passeatas, ONGS etc.
                          As diversas denominações religiosas, dentro de suas limitações humanas, procuram, cada uma a seu modo, fornecer alguma orientação em direção à paz.
                          Os princípios axiológicos da vida me fazem lembrar certos paralelismos do pensamento moderno que podemos encontrar nas esferas do conhecimento e da arte. Quero me referir àquela passagem de extremo ceticismo com o  valor da vida, que é o conhecido monólogo hamletiano, precisamente naquele trecho no qual o personagem, pleno de incertezas sobre a autoria da morte do pai, impreca contra uma “história narrada por um idiota, cheio de barulho e fúria significando nada.”
                         Ou aquela outra conceituação de banalização do mal de Hannah Arendt sempre aludida diante do deplorável menosprezo que o indivíduo nas sociedades modernas demonstra possuir pelo seu semelhante. Ou ainda, agora, no plano estético, aquele tipo de abordagem empregada por Vilem Flusser, já falecido, que, segundo Alfredo Bosi, representaria (...) “a intersecção do neopositivismo com a ontologia de Heidegger...” (BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 38 ed., p. 495). Quer dizer, o pensamento crítico-reflexivo de Flusser corresponderia a uma visão do fenômeno estético através da qual “formas linguísticas seriam “ um caminho do nada para o nada.” (Idem , ibidem)
                       Uma entrevista feita por um jornalista brasileiro com um árabe e sua filha no auge docs bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza, dá bem a medida do que seja uma população acossada pelo perigo iminente e, portanto, pela violência e atrocidade da guerra. O árabe estava profundamente chocado com a situação que estava vivendo. Ele e a filha já tinham morado no Brasil, no Rio de Janeiro. Ele, cansado de tanto pavor, queria voltar para o Brasil; ela, não, preferia ficar lá . De resto, a jovem com rosto praticamente coberto, só lhe aparecendo mal os belos olhos escuros, salientara que era preferível enfrentar a guerra na sua terra a viver novamente no Rio de Janeiro, onde havia a guerra do tráfico e muita violência também. A declaração dessa jovem resume toda uma discussão sobre a ferocidade da violência e do crime no Rio de Janeiro e no país em geral.
                     Em Gaza – sabemos -, há conflito bélico, razões geopolítico-religiosas. Aqui, a violência escancarada, vergonhosa, e não estamos em guerra entre dois Estados. As causas são mais profundas e sofrem de um mal crônico: a impunidade e a leniência de nosso sistema penal. A impunidade, seja de qualquer natureza, subsiste e se desenvolve num Estado no qual medra a corrupção e o cinismo pirâmide abaixo.
                   Consequentemente, a natureza da violência brasileira envolve múltiplos componentes a partir de uma causa primeira que parece eternizar-se: a injustiça social, que remonta à nossa formação de Nação. Entretanto, como já acentuei alhures, há um dado indefensável: a agressividade é um componente de nossa convivência em sociedade e que com freqüência se manifesta com mais potência em determinadas circunstâncias. 
                 A sociedade brasileira ainda mantém fortes traços autoritários ao lidar com a sua população.Não somos uma Nação que dá bons exemplos. Somos órfãos da ética, do respeito aos limites do outro e do diálogo aberto. Perdemos nossas referências principais. O país exige uma revitalização de bons hábitos de convivência e neste particular desempenharia papel indispensável o aprimoramento de uma educação de qualidade para todos indistintamente. Não pode haver melhoria democrática enquanto houver “escola para pobre” e “escola para rico”.
O chamado incentivo à competitividade desenfreada, reforçado pelo sistema capitalista, sobretudo norte-americano, tem o grave inconveniente de sua natureza darwinista, porquanto nos torna cada vez mais individualistas, auto-centrados, inimigos da convivência, numa escala que vai da família ao trabalho.
                 Convém divisar caminhos que saudavelmente transformem os meninos de agora em cidadãos conscientes de si e do sentimento da alteridade.
                 Enquanto não houver esse encontro pela via da harmonia coletiva, a sociedade brasileira caminhará em direção ao embrutecimento nas relações humanas, na contramão, por isso, da sua própria inclinação gregária, como já o foi há algum tempo e sem forçar saudosismos.