A cidade vive suspensa no ar, parada no tempo como um relógio que quebrou os ponteiros. Sem televisão, sem cinema, sem banca de jornal, só o passar de dias monótono, ou o animal solitário que atravessa a rua deserta, ou o agitar de redemoinhos de pó que açoita a trêmula claridade da tarde... É uma rotina sem tédios, sem tristezas, bem natural, em harmonia com o modo de vida de seus habitantes.


      De quinze em quinze dias, o ônibus que vem de São Paulo chega à cidade. Este acontecimento extraordinário é esperado ansiosamente por todos. É como se aguardassem a chegada de uma nave de outro planeta.   


      Quando o expresso buzina na primeira curva, o relógio dispara e os ponteiros giram freneticamente. Homens e mulheres, velhos e crianças, precipitam-se de suas casas em grande alvoroço. Alguns esperam parentes e amigos. Outros, principalmente crianças, correm para chegar primeiro à agência de passagens e ganhar uns trocados carregando a bagagem dos passageiros. Muitos vão ali apenas por curiosidade e para cumprir um rito. 


      É fim de tarde e o sol se abranda sobre os telhados do casario. Nessa hora, o lugar parece o oco do mundo, um cemitério alaranjado. O ônibus apita. Gritos. Correrias. Assovios. Um menino, que faz um carrinho de lata no quintal de casa, desembesta rua acima. Tropeça e cai. Levanta-se sacudindo a poeira do joelho arranhado.


      Forma-se um rebuliço na porta do ônibus. O motorista é um Deus vestido num uniforme branco. Os passageiros descem. Uma loura gorducha, maquiada, com cara de jerimum maduro, fala chiando na pronúncia. Uns riem, outros admiram. Aparece um sujeito cabeludo, de óculos escuros, com um gorro na cabeça; estranhamente, veste roupas de frio coloridas. Usa relógio grande de pulso. Cinto de fivela gigante. Sapato prateado, de salto alto. Tudo nele é extravagante. Com agilidade, salta do ônibus e desanda a falar com os parentes que o esperam no meio da multidão. Chia nas palavras mais que vara verde queimando nas coivaras.


      A loura gorducha com cara de jerimum e o homem extravagante são exemplos de sucesso e felicidade. Jovens, ali parados, vendo-os sorridentes e bem vestidos, sonham um dia fazer a mesma viagem.


      O movimento cessa vagarosamente. As pessoas se retiram para casa com a surpresa morta nos rostos. Tudo volta ao normal, ao silêncio de sempre. Os ponteiros do relógio travam por mais quinze dias, até o expresso buzinar na primeira curva e encher de bulício a tarde laranja.