Surrealismo católico
Por Bráulio Tavares Em: 02/08/2012, às 12H48
[Bráulio Tavares]
(Jorge de Lima e Murilo Mendes)
Em matéria de oxímoro, ou  de paradoxo, o título deste artigo merece um prêmio.  Quem tiver alguma  familiaridade com o movimento surrealista que surgiu em Paris nos anos 1920 deve  lembrar o seu espírito violentamente anti-clerical.  Os Surrealistas, que  planejavam dar poderes totais à mente humana, livre de todos os tipos de censura  e de coerção, certamente combatiam a igreja da época, um mecanismo de lavagem  cerebral só comparável ao dos partidos políticos.  O cinema de Luís Buñuel, com  suas provocações permanentes à igreja (L’Âge d’Or, Viridiana,  etc.) levou para as grandes platéias o que estava entranhado na poesia de André  Breton ou de Benjamin Péret.  Creio que foi Péret quem escreveu certa vez:  “Andando pela avenida tal, cruzamos com dois padres que vinham em sentido  contrário ao nosso. Diante de tal provocação, não tivemos escolha senão  agredi-los”. 
É engraçado, porque os  dois mais famosos e respeitados poetas surrealistas brasileiros são dois  cristãos que soam bastante sinceros, até pelas crises e dúvidas que os acometem  (cristão que nunca tem dúvidas terríveis é porque não entendeu o Cristianismo).   Jorge de Lima (1895-1953) e Murilo Mendes (1901-1975) jamais ousariam, como  Péret, dar uns cascudos no vigário.  Os dois eram amigos, foram contemporâneos  de geração dos surrealistas franceses, mas sua poesia foi (ou veio) em outra  direção.  Jorge de Lima publicou em 1952 seu poema-livro Invenção de  Orfeu, que na maior parte do tempo é de uma imagética surrealista como  poucos brasileiros conseguiram, e numa estrutura épica que poucos surrealistas  franceses tentaram, se é que algum tentou.  Murilo Mendes foi também picado por  esses dois mosquitos concorrentes, a religião católica e a revolução  surrealista.  São dois softwares que parecem se inviabilizar mutuamente, mas  nestes dois poetas o surrealismo serviu menos como uma visão do mundo e mais  como uma maneira de tratar a linguagem, de manipular a linguagem através de um  certo desregramento imaginativo, alimentado pelo inconsciente e logo mantido sob  controle.  

                                                        
