Por Antônio Francisco Sousa

Soa estranho um servidor público, que seja mesmo um magistrado - à guisa de justificar o alto custo per capita pago pelo cidadão para manter a magistratura - afirmar que esse somente não é maior, se tomado em relação aos demais servidores públicos, porque, a despeito de nossa carta magna e de outras tantas leis que a regulamentam, garantirem-nos direitos individuais e coletivos, e estabelecerem obrigações que devemos cumprir, tanto aqueles quanto essas só são aplicados graças ao concurso dos juízes. Melhor seria, cremos, se, complementando o arrazoado, dissesse que esses servidores, não raro, apenas fazem justiça, diretamente, no exercício de suas funções, remuneradas pelos cofres públicos, ou seja, pelo cidadão contribuinte, no que tange àqueles que provocam a Justiça, litigando ou questionando o cerceamento, negação ou tolhimento de suas prerrogativas legais. Na verdade, esqueceu-se de reiterar que, com ou sem a magistratura, nossos direitos e obrigações existem e persistem.


 Utilizando-nos de entendimento análogo ao do exemplo citado, talvez pudéssemos inferir que os auditores-fiscais de tributos municipais, estaduais e federais seriam os responsáveis, não só pelo recolhimento dos mesmos em seus âmbitos de atuação, mas, propriamente, pela arrecadação tributária, o que não é verdadeiro. Quando muito, podem responder pelo recolhimento tributário feito por indivíduos ou empresas a que auditam ou visitam e, em tendo sido constatado que dos tributos devidos se viam inadimplentes ou sonegadores, cobram-nos compulsoriamente.


 Continuando na mesma esteira de raciocínio, não soaria esquisito se alguém afirmasse que, principalmente, os médicos são responsáveis pela saúde de todos os cidadãos. Todavia, seria uma falácia. A boa ou ruim saúde de cada um decorre ou depende de diversos fatores, dentre esses, o cuidado que a ela dispensa o indivíduo. Quando muito, os médicos são corresponsáveis pela melhoria na saúde daqueles a que acompanham ou que seguem seus aconselhamentos e decisões.


 Mudando de parâmetro, mas seguindo com o assunto referente à atribuição de responsabilidade, garantia de direitos e cobrança de obrigações. Poder-se-ia asseverar que o governo federal não é responsável por estados e prefeituras não estarem recebendo, como gostariam, os repasses legais e orçamentários, ou por não poderem contrair empréstimos nem contratar financiamentos para realização de investimentos, se inconsistências legais ou burocráticas são verificadas e não resolvidas; se prestações de contas não são apresentadas da maneira como a legislação exige, nem os projetos que amparariam tais investimentos entregues como as normas requerem. Se há alguém a quem responsabilizar, infelizmente, esse seria o governador ou prefeito do ente estatal com problemas. Quando muito é o poder público, na condição de supridor e gestor de recursos, culpado ou responsável, unicamente, pela não liberação dos valores devidos ou requeridos, pleiteados por aquelas instituições públicas que cumpriram tudo que lhes foi exigido legal e, burocraticamente.


 Enfim, todos os servidores públicos, como acontece com os homens, têm seu valor. Nenhum vale mais que outro; uns dependem dos outros; esses, daqueles; assim é a vida, burocrática, corporativa ou, existencialmente, tomada. Se não houvesse o digitador, o arquivista, o fotocopista, o motorista, quem teria de fazer o trabalho ou, temporariamente, exercer a profissão deles? O juiz, o procurador, o promotor, o auditor-fiscal, o defensor público, o professor, o cientista...
 

 A lei nos torna titulares de direitos e obrigações delegados pela natureza. Compete-nos, pois, cumprir o que nos cabe enquanto pessoa, cidadão ou profissional. O que percebemos como remuneração pelos serviços públicos que prestamos ou o quanto custamos ao estado como servidor, apenas isso, não nos faz melhor nem pior que ninguém.


     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal
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