Dr. Simplício Mendes, médico e político piauiense.
Dr. Simplício Mendes, médico e político piauiense.

 

Reginaldo Miranda[1]

 

Foi médico e político conservador piauiense de largo prestígio, com longa atuação no período provincial. Nasceu na cidade de Oeiras, antiga capital do Piauí, em 2 de janeiro de 1823, filho do coronel Antônio de Sousa Mendes, combatente na Guerra da independência e na repressão à Balaiada, deputado geral (1853 – 1856) e provincial em diversas legislaturas, e de d. Maria Francisca de Santana. Era neto paterno do capitão-mor Francisco Antônio Mendes, natural da freguesia de N. Sra. das Neves, termo da cidade de Ponta Delgada, na  Ilha de São Miguel, Bispado de Angra, nos Açores, Portugal, e dona Maria do Rosário de Sousa Martins Mendes (irmã de Manuel de Sousa Martins, o visconde da Parnaíba, que governou o Piauí por cerca de vinte anos); por esta linha, bisneto do português Manuel de Sousa Martins e d. Ana Rodrigues de Santana; trineto do português Valério Coelho Rodrigues e d. Domiciana Vieira de Carvalho, todos abastados fazendeiros; tetraneto do bandeirante paulista Hilário Vieira de Carvalho e  da baiana Maria da Encarnação do Rego Monteiro, fundadores da fazenda Paulista, em 1719, origem da atual cidade de Paulistana, no sudeste do Piauí.

Embora proclamada a Independência no centro-sul do País em 7 de setembro de 1822, quando nasceu Simplício de Sousa Mendes o Piauí ainda estava subordinado a Portugal, a cujo governo era fiel. Então, sua família capitaneada pelo tio materno Manuel de Sousa Martins lidera o movimento emancipacionista e com a mudança de regime assume a chefia política da província, instalando uma poderosa oligarquia. Nas lutas emancipacionistas seu pai combate a antiga situação e assiste destemido, no forte do Alecrim, em Caxias, no ano de 1823, à rendição do comandante-em-chefe das forças portuguesas, major João José da Cunha Fidié. Como prêmio pelos serviços prestados foi condecorado com as comendas de São Bento de Avis e de Cristo, além da medalha de oficial do Cruzeiro. Em sua terra natal ocupou o velho genitor quase todos os cargos de eleição popular: eleitor de paróquia, vereador da municipalidade, deputado provincial e geral, vice-presidente da província, comandante das armas e assistente do ajudante general do Exército, tendo ainda integrado uma lista tríplice senatorial. Foi, pois, um político e militar de grande prestígio em sua terra natal, cujas posições seriam herdadas pelo filho, continuando o legado.

Em Oeiras, o pequeno Simplício iniciou os estudos de primeiras letras, complementando-os na fazenda Boa Esperança, na afamada escola do padre Marcos de Araújo Costa. Depois foi mandado pelos genitores para estudar no Rio de Janeiro, onde cursou os preparatórios. Dali mudou-se para a Bahia, matriculando-se na Faculdade de Medicina, onde, depois de cursar com êxito todas as disciplinas da grade curricular, formou-se em 18 de dezembro de 1845. Era a véspera de seu 23º aniversário natalício. Foi o primeiro piauiense que logrou formar-se em Medicina.

Em janeiro seguinte já está de volta a Oeiras, onde inicia a carreira profissional como médico de clínica particular e do setor público. Também, ingressa no magistério assumindo a cadeira de Geografia, no Liceu Piauiense. Mais tarde, permutou esta cadeira pela de Retórica, assumindo ainda o cargo de diretor da Instrução Pública da província.

Oriundo de família política e vivendo entre os parentes não escaparia a esta vocação, filiando-se às fileiras do Partido Conservador. Por esta legenda foi eleito deputado provincial para a legislatura iniciada em 1848, iniciando seu batismo na vida político-partidária. E tinha apenas 25 anos de idade. Destacando-se na atividade parlamentar foi o jovem médico reeleito para quatro legislaturas consecutivas (1848 – 1850, 1850 – 1852, 1852 – 1854 e 1854 – 1856) sendo na segunda conduzido por seus pares à presidência da Assembleia Legislativa (1850 – 1851).

Com a posse do bacharel José Antônio Saraiva na presidência da província (7.9.1850 – 12.3.1853), a ele aliou-se o deputado Simplício Mendes, inclusive apoiando-o no projeto de transferência da capital piauiense de Oeiras para Teresina, que seria fundada com os moradores da vila do Poti. Sobre esse episódio, lembra Monsenhor Joaquim Chaves, acreditado historiador piauiense:

 

“Quando Saraiva apareceu com o propósito de mudar a capital para a Vila Nova do Poti, Simplício Mendes formou com entusiasmo a seu lado. Tinha o espírito aberto para as mudanças que interessassem ao bem futuro da Província. Como deputado provincial, votou a lei n.º 315 de 20 de julho de 1852, que mudava a capital, expondo-se assim, desassombradamente, à pecha de traidor da classe dos grandes proprietários rurais a que pertencia, e à malquerença de tios e parentes mais próximos”[2].

 

Na qualidade de vice-presidente da província, mudou para a nova capital e foi quem assumiu o governo com o afastamento de José Antônio Saraiva. Embora passando apenas 21 dias à frente do governo (12.3.1853 – 2.4.1853), tomou uma série de medidas em benefício da nova capital do Piauí. Manuseando alguns documentos do período, Monsenhor Joaquim Chaves enumera duas ordens passadas ao engenheiro José Nunes de Campos, respectivamente em 15 e 17 de março, tratando a primeira da construção de um açude, a saber:

 

“Sendo uma das maiores necessidades que presentemente sofre esta Capital a de boa água potável para os diferentes misteres da vida, visto como a do Parnaíba, na estação invernosa, qual a em que ora nos achamos, contém em dissolução muito barro e outras substâncias nocivas à saúde, e não havendo aqui olhos-d’água nem tão pouco corrente desse líquido cristalino e bebível, sendo que por ora é até muito difícil fazer-se poços artesianos e cisternas para conservação e depósitos de águas nativas ou pluviais, ordeno a V. Mcê, que examine minuciosamente o melhor local e mais bonito e cômodo ao público desta cidade que se oferecer no chamado ‘Barrocão’ e que corre pelo lado superior da cidade para assentar-se aí um bom açude, que satisfaça perfeitamente tão indeclinável necessidade”[3].

 

A segunda medida possui o seguinte teor:

 

“Precisando-se balizar e abrir a rua larga que passa em frente do Quartel de Polícia até sair no Parnaíba, algumas ruas transversais àquelas que ainda não estiverem abertas, e destocar a que passa defronte da igreja, desde o lugar em que ela corta a que corre por detrás do Palácio desta Presidência até o cemitério, que se está edificando, e assim precisando limpar-se dos matos, destocar e determinar bem a praça denominada pela Câmara Municipal – Saraiva -, ordeno a V. Mcê, que com 6 a 8 serventes e seu ajudante de corda, munido dos convenientes instrumentos, ponha em prática com brevidade o que venho de encarregar-lhe. Para efetuar esta comissão mando-lhe abonar pela Administração da Fazenda Provincial cem mil réis, do que prestará conta na forma porque costumava fazer”[4].

 

Eram, assim, medidas tendentes a consolidar e desenvolver a nascente cidade de Teresina. Em face do exíguo tempo de governo não chegou a ser construído o açude, embora demonstre o pensamento do médico preocupado com a saúde pública.

O Dr. Simplício Mendes assume novamente a presidência da província por dois dias, na qualidade de 4.º vice-presidente (30.12.1858 – 1.1.1859).

Nessa altura já assumira de fato e de direito a chefia do Partido Conservador na Província, auxiliado pelos bacharéis Antônio Gentil de Sousa Mendes (seu irmão, f. em 14.3.1892), Odorico Rosa, Agesilau Pereira da Silva, capitão José Félix Alves Pacheco (1º do nome), coronéis Francisco Mendes de Sousa, Ricardo José Teixeira e Augusto da Cunha Castelo Branco, major Bacelar, padres Mamede Antônio de Lima, Tomás de Moraes Rego e outros, todos liderados na corte pelo jurista e parlamentar Antônio Coelho Rodrigues, primo de Simplício Mendes. Para divulgar suas ideias esse grupo funda em 3 de maio de 1867, o jornal O Piauhy, para digladiar com A imprensa, fundado em 27 de julho de 1865, do Partido Liberal, cujo corpo redacional contava com Deolindo Moura, David Caldas e José Manuel de Freitas, entre outros. Sustentaram grandes polêmicas, muitas delas resvalando para o terreno pessoal.

Em 1861, foi eleito deputado geral iniciando, assim, uma nova fase de sua vida pública ao tomar parte no debate do Parlamento Nacional. Tudo ia bem até o ano de 1862, quando abriu-se um cisma no Partido Conservador. Naquele tempo governava um gabinete conservador, presidido pelo Marquês de Caxias. Entretanto, em oposição a este gabinete levantou-se uma ala do Partido capitaneada pelo Marquês de Olinda, José Tomás Nabuco de Araújo, Zacarias de Góes e Vasconcelos e José Antônio Saraiva, os dois últimos baianos, mas ex-presidentes da província do Piauí. Fundaram uma “Liga”, que naquele mesmo ano levaram os liberais ao poder, ficando eles senhores do Ministério e da situação política até o Golpe de Estado de 1868, com a dissolução da Câmara. A essa Liga não aderiu o deputado Simplício Mendes, preferindo manter fidelidade ao Partido. Retorna, então, a Teresina e amarga um ostracismo de seis anos, rodeado por poucos amigos, entre eles o coronel Odorico Rosa e o primo Coelho Rodrigues, enfrentando toda sorte de adversidade. Na árdua luta partidária, emprega recursos financeiros e sacrifica a tranquilidade, mostrando a fortaleza de suas convicções. Contra eles no seio do mesmo Partido Conservador, levantam-se o cônego Tomás de Moraes Rego, então deputado geral, e o coronel Augusto da Cunha Castelo Branco, futuro Barão de Campo Maior, que aderiram à Liga, este último empregando grande soma de recursos para satisfazer aos caprichos pessoais, o que o levou à ruína financeira. Foi a época dos partidos alcunhados de Padeiros e Batina[5].

  Com a queda de Zacarias de Goés e ascensão do segundo Gabinete Itaboraí, em 16 de julho de 1868, Simplício Mendes ascendeu novamente à cena política, sendo nomeado 1.º vice-presidente da província por carta imperial de 31 de julho de 1868. Logo a 24 de agosto, prestou juramento e tomou posse da presidência da província, perante a Assembleia Legislativa, em substituição ao 2.º vice-presidente José Manuel de Freitas, do Partido Liberal, em cujo exercício permaneceu apenas quatro dias, quando chegou o titular Augusto Olímpio Gomes de Castro (24.8.1868 – 28.8.1868). Dadas às circunstâncias promoveu verdadeira revanche nesses poucos dias de governo, exonerando e substituindo o chefe de polícia, as autoridades policiais e comandantes de destacamentos da capital e dos termos do interior; anulou promoções na guarda nacional e promoveu outras de seu interesse, demitindo e remanejando servidores e promotores públicos; e suspendendo a vigência e execução de resoluções provinciais sob alegação de se oporem à Constituição do Império[6].

Com a saída de Gomes de Castro, o vice-presidente Simplício Mendes assume interinamente pela quarta e última vez a presidência da província (3.4.1869 – 21.5.1869), quando foi substituído pelo tio paterno Teotônio de Sousa Mendes (21.5.1869 – 6.12.1869), então 1º vice-presidente e, em seguida, pelo titular Luís Antônio Vieira da Silva (6.12.1869 – 9.4.1870). Este último, segundo o liberal Clodoaldo Freitas, “foi, em todos os sentidos, uma antítese da do seu comprovinciano. Um dos primeiros atos do novo presidente foi mandar vigorar as leis ilegalmente suspensas pelo Dr. Simplício Mendes e reparar muitas de suas injustiças e violências. Isto bastou para despertar os ódios dos conservadores, que não toleravam que um presidente da sua parcialidade fosse bastante honesto para cumprir a lei”[7]. Evidentemente, esse é um julgamento parcial de Clodoaldo Freitas, integrante dos arraiais liberais. De toda sorte, contra esse governante se voltaram os correligionários conservadores (O Piauhy), enquanto os liberais fizeram sua defesa (A Imprensa).

Simplício Mendes retorna pela quinta vez à Assembleia Legislativa Provincial em 1878, como presidente da casa legislativa (1878 – 1879). Logo mais presidiu também a Câmara Municipal de Teresina.

Com a Proclamação da República vai eleito pela sexta vez, assumindo a presidência da Assembleia Estadual Constituinte de 1891. Nessa qualidade, na sessão de 28 de maio de 1891, dá posse ao governador Gabriel Luís Ferreira e ao vice-governador João da Cruz e Santos (Barão de Uruçuí), eleitos pela mesma câmara.

O Dr. Simplício de Sousa Mendes contraiu três matrimônios[8], sendo o primeiro com D. Francisca de Assis Osório Mendes, de cujo consórcio nasceram, ao que sabemos: 1. Maria Magdalena Osório Mendes, que fora casada com seu primo Dr. Manoel Pinheiro de Miranda Osório (2.º do nome), juiz de direito e deputado geral; 2. Beliza Mendes Nogueira, primeira esposa do coronel Lysandro Francisco Nogueira, importante prócer da política piauiense; 3. Constança Mendes Nogueira, segunda esposa do coronel Lysandro Francisco Nogueira; 4. Manoel Osório de Sousa Mendes (Oeiras, 1849), fazendeiro em Valença; e, 5. Dr. Álvaro de Assis Osório Mendes (Oeiras, 31.5.1852), ex-governador do Piauí (1904 – 1907); o segundo consórcio foi com D. Luiza Francisca de Assis, provavelmente irmã da primeira esposa, de cujo consórcio nasceu o Dr. Archelau de Sousa Mendes (Teresina, 1872), jornalista, escritor e advogado; e, por fim, o terceiro contraído com a viúva D. Raimunda Rosa de Sousa  Mendes (D. Mundoca[9]), de cujo consórcio nasceu D. Francisca Mendes Burlamaque, esposa do capitão Christiano César Burlamaque; com esta última foi também padrinho, em 2 de agosto de 1885, do futuro vice-almirante Luiz de Area Leão, filho de seu colega médico e político conservador Raimundo de Arêa Leão.

O Dr. Simplício de Sousa Mendes faleceu na cidade de Teresina, em 4 de junho de 1892, a uma hora da manhã, vítima de uma febre renitente, sendo o corpo sepultado no cemitério público da cidade[10]. Foi um grande homem que honrou o Piauí, na medicina e na política, enchendo uma longa e gloriosa página de sua história. Em sua homenagem ergue-se uma cidade no centro-sul do Piauí.

 

 


[1] Advogado e escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Contato: [email protected]

[2] CHAVES, Joaquim. Obra completa. 2ª Ed. Teresina: FCMC, 2013. P. 513.

[3] CHAVES, op. cit. p. 513/514.

[4] CHAVES, op. cit. p. 513/514.

[5] Clodoaldo Freitas, diz que isto ocorreu depois da seca de 1877.

[6] O Piauhy, 30.6.1869.

[7] FREITAS, Clodoldo. Vultos piauienses. 3ª Ed. Teresina: APL, 2012. P. 32.

[8] Em 10.3.1874, faleceu sua sogra Catharina de Carvalho, com 87 anos de idade, deixando numerosa prole (A Opinião Conservadora,

[9] O Apóstolo, 18.9.1910. Foi casada em primeiras núpcias com Firmino José Rosa, sendo os pais do coronel João Augusto Rosa, enteado de Simplício Mendes.

[10] Cemitério São José.