Imagem típica de uma Feitoria (colhida livremente na internet).
Imagem típica de uma Feitoria (colhida livremente na internet).

Reginaldo Miranda[1]

 

Angelim é nome de um bairro da zona sul de Teresina, situado na margem direita do rio Parnaíba, depois das Areias. No passado foi fazenda de criar, povoada no primeiro quartel do século XVIII, pelo colonizador Bento da Silva Vasques, medindo uma légua de comprido e légua e meia de largura. Nesse tempo, pertencia ao termo de Oeiras, cujo limite vinha até a barra do rio Poti, que o separava do termo de Campo Maior.

Porque seu primitivo fundador sofrera revezes, foi a dita fazenda arrematada em praça pelo fazendeiro Manoel Martins, por volta de 1750. Ali residia com a esposa Paula da Costa, a filha Ana Maria e o índio Simão; em casa vizinha moravam Vicente Ferreira, Antônia Soares, Francisco Ferreira, José Ferreira e Lourença das Mercês, todos solteiros. Com a morte desse pioneiro passou a Antônio Martins de Carvalho, que suspeitamos ser seu filho. Eram ambos ricos fazendeiros das margens do rio Parnaíba. Portanto, a história de Teresina não se resume apenas ao tempo de Saraiva.

Em princípio do século XIX, Antônio Martins de Carvalho ali cultivava suas lavouras e criava rebanho de gado vacum e cavalar para vender nas feiras do Maranhão e para a indústria de charque da Parnaíba. Mantinha próspera feitoria. Era um dos entusiastas pelo desenvolvimento da vizinha povoação do Poti, onde aparecia vez ou outra para negócios e encontros sociais.

No entanto, na calada da noite de 25 de março de 1820, aquela próspera fazenda vai ser palco de uma revolta de escravos e de um terrível crime. Mancomunados contra seu senhor, oito escravos planejaram e executaram o latrocínio. Os escravos Manoel Seleiro e Gonçalo Ferreiro, traçaram o plano, esse último arrumando uma faca de ponta para a execução. Então, assaltando a casa-grande, Caetano Marinheiro avançou sobre seu senhor, com ele lutando, no que recebeu duas estocadas em um braço, dando-lhe também duas. Desvencilhando-se do fazendeiro o segurou pelos cabelos para que o escravo Antônio Capitão Pequeno o degolasse com um golpe; “amarrando-o, depois de morto, a um pau com uma corda de laçar bois o foram enterrar em um barreiro”. Ouvindo gritos, correu em socorro Francisca Maria Monteiro, que vivia na casa-grande. Quiseram-lhe também matá-la, mas um deles dissera “que não a matassem porque ela intercedia por eles quando o Senhor lhes queria dar castigo; e que não a matando, por esta razão, a encerraram em uma casa, e prenderam a um tronco, juntamente com uma escrava dela testemunha, por nome Justiniana; e que obrigando-a os ditos réus, a entregar as chaves das caixas em que tinha algum dinheiro, de fato, tudo roubaram. E, finalmente, que ela testemunha solta do tronco, e a sua escrava, pela Tropa que veio, depois que na povoação constou da morte”.

De fato, um escravo que dormia na fazenda, acordara com os gritos, e indo ver do que se tratava achou seu senhor morto e os réus gritando. Escondendo-se, foi dar parte à povoação da Barra do Poti. Mais tarde, foram localizados e presos os réus Silvestre Valentão, Caetano Marinheiro, Amador Capitão Grande, Felipe Coronel, Gonçalo Ferreiro, Alexandre Capitão Pequeno, Antônio Capitão Pequeno e Manoel Seleiro, todos escravos da vítima, “situados na Feitoria do Angelim, subúrbio da Povoação da Barra do rio Poty, termo da Cidade de Oeiras na Província do Pihahuhy”. “Mostra-se pelo corpo de delito indireto, que ... Antônio Martins de Carvalho, dono da dita fazenda aí fora morto violentamente, aparecendo degolado, e com dois ferimentos, um no braço esquerdo, e outro na testa”.

Processados em São Luís do Maranhão, foi o réu Antônio Capitão Pequeno condenado à forca. Os demais réus foram condenados a assistirem à execução dessa pena capital, bem como ao degredo por toda a vida para a Guiné-Bissau, servindo em calceta nas obras públicas, sendo Caetano Marinheiro, Manoel Seleiro e Gonçalo Ferreiro, enviados para o Presídio de Bissau e Silvestre Valentão, Amador Capitão Grande, Felipe Coronel e Alexandre Capitão Pequeno, para o Presídio de Cacheu. Sentença prolatada em 27 de agosto de 1822 e executada três dias depois, na cidade de São Luís. 

 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro efetivo da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Contato: [email protected]