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Foi fazendeiro e capitão-mor de Parnaguá, sucessor de seu parente Manoel Álvares de Souza, em cujo sítio e distrito chegou com a idade de dezessete anos, para viver sob seus cuidados e iniciar-se na carreira militar.

Nasceu e foi batizado por volta de 1691, no lugar Fonte Coberta, freguesia de Santo André de Molares, concelho de Celorico de Basto, arcebispado de Braga, filho legítimo de João Gonçalves e de Mariana Carvalho, naturais e moradores que foram até falecerem do dito lugar de Fonte Coberta; neto pela parte paterna de Gonçalo Gonçalves, natural do lugar de Fonte Coberta, freguesia de Molares, onde foi batizado, e de sua mulher Domingas Francisca, natural do lugar de Quintam, freguesia de São Miguel de Caçarille, do mesmo concelho de Basto, arcebispado de Braga; neto materno de Domingos Gonçalves, natural e morador até que faleceu do dito ugar de Fonte coberta, e de sua mulher Catarina Carvalho, que nasceu na freguesia de Santiago de Gagos, circunvizinha de Molares, na casa chamada da Balouta Pequena, de onde foi casar com o dito Domingos Gonçalves, de Fonte Coberta, aonde viveu até falecer, sendo ela filha de Gaspar Carvalho, da dita casa de Balouta Pequena, e de sua mulher Maria Gonçalves; e esta veio da casa chamada Aroza, sita no lugar de Ganderela, tudo do mesmo concelho de Basto, casar na dita casa da Balouta Pequena com o dito Gaspar Carvalho, bisavós do biografado.

A infância e adolescência viveu na povoação natal, frequentando a sua escola, onde adquiriu boa instrução que lhe permitiu bem desempenhar diversas funções ao longo da vida.

Porém, com a morte dos genitores mudou-se para a Bahia em 1708, com a idade de 17 anos, a chamado do tio Baltazar Carvalho da Cunha, de onde foi enviado para o distrito de Parnaguá, a fim de ingressar na carreira militar ao lado de outro distinto parente, o capitão-mor, fazendeiro e familiar do Santo Ofício, Manoel Álvares de Souza, assim como ajudá-lo na administração das fazendas de seus dois indicados familiares.

Desde cedo iniciando-se na carreira militar ao lado desse último parente, mais tarde o substitui no posto de capitão-mor do distrito de Parnaguá, em cujo exercício se demora por largos anos.

No entanto, não tarda a iniciar seu próprio criatório de gado em sítio encostado ao de seus tios, no Riacho Frio, que o recebe em sesmaria alguns anos depois, em 24 de maio de 1729, sendo esta apenas sua legalização porque a posse efetiva a exercia desde cedo.

Seguindo os passos dos dois indicados parentes, em 1728 pleiteou servir de Familiar do Santo Ofício. Todavia, ao contrário daqueles, por conta de uma suspeita sobre a família de uma bisavó passou pelos maiores percalços sendo muito investigado e demorado o seu pleito, a fim de apurar e dissipar ou confirmar as suspeitas. Na oportunidade, ele peticionou dizendo ser morador há muitos anos no sítio do Pernagoá, freguesia de Nossa Senhora do Livramento, que é da Capitania do Pyagohi, distrito do Maranhão, e no sertão que confina com o da Bahia de Todos os Santos. Acrescentou que desejava servir ao retíssimo Tribunal do Santo Ofício, na ocupação de Familiar, pelo que se achava com todos os requisitos e capacidade necessária, assim da pessoa em face da boa idade e ter servido por muitos anos de capitão-mor do dito distrito de Pernagoá com inteira satisfação, como por ser abundante de bens avultados.

Mais tarde, faz novos esclarecimentos confirmando as informações de filiação e naturalidade, dizendo ter vindo para os Estados do Brasil com a idade de 17 para 18 anos, tendo assistido por 23 anos no distrito do Parnaguá, sertão do Maranhão, freguesia de Nossa Senhora do Livramento, onde teve a ocupação de capitão-mor do mesmo distrito do Pernagoá, capitania do Piagohi, donde se recolheu à sua pátria e fazendo petição a Vossa Mercê no ano de 1728, para que fosse servido e admitido no cargo de familiar do Santo Ofício, por se achar com todos os requisitos necessários, e assim de bens com o de pessoa para a dita ocupação, e presume que Vossa Mercê a despacharia. Porém, como se passaram muitos anos sem que até o presente momento se lhe tenha mandado fazer depósito, entra no receio de que por falta de alguma clareza que se exprimisse na primeira petição, de novo declara que (indica os avós e bisavós, dizendo que a bisavó Catharina Carvalho, única ascendente em que pesavam suspeitas de cristã nova, não veio da Casa de Ferram, e sim de Aroza, que nunca houve nem rumor, pois teve a dita bisavó filhos, netos e bisnetos clérigos); e partindo de volta para Parnaguá, ou Pernagoá, como então se chamava, deixa por procuradores Miguel Alves de Carvalho e seu irmão Pe. Antônio Alves Pinto de Carvalho.

Ainda em atenção ao primeiro requerimento apurou o comissário Jerônimo Guedes de Miranda, em Portugal, o seguinte:

“O habilitando Paulo Carvalho da Cunha, por todas as vias, exceto pela avó materna/ a respeito da qual expenderei abaixo o que as testemunhas disseram/ é legítimo e inteiro cristão velho, sem raça de alguma nação infecta, assim ele como seus pais e avós são e foram naturais donde se diz; todos foram lavradores; o habilitando quando se ausentou para o Brasil era solteiro e não lhes ficou filho algum, nem o tem; nem ele nem algum de seus ascendentes foi preso ou penitenciado pelo Santo Ofício, nem incorreram em alguma infâmia pública ou pena vil de feito ou de direito.

‘Testemunhas de Santo André de Molares:

‘Gaspar da Cunha, homem honrado do lugar de Fermil, disse que o habilitando era infamado de cristão novo por via de sua avó materna Catharina Carvalho, e que esta fama era antiga, de que se não sabia raiz nem princípio; mas que não obstante esta fama dos Carvalhos, se estão ordenando de clérigos e frades muitos sujeitos desta família; por que um Lourenço Carvalho pretendera ser Familiar do Santo Ofício, e que o Comissário Alfº de Molares,  (...), lhe fizera bem a desobriga, mas que o não pudera pôr ....; disse também, que como o pai desse Lourenço Carvalho fora carniceiro, poderia ser este o impedimento. Esta testemunha é cristã velha e noticiosa.

‘Torcato da Motta, depôs também que pela dita avó materna tinha fama, de que se não sabia princípio.

‘Manoel da Cunha disse o mesmo, e que era pelos Carvalho da avó materna.

‘O Pe. Luís Cardoso Ozório, irmão do sobredito Alfº de Molares, que com ele escrevera nas inquirições, disse que o habilitando era limpo de sangue, sem fama nem rumor em contrário, e admirando-se eu de que ele assim o dissesse, à vista dela ser fama pública, disse então, que é verdade, disse que é verdade que ele padecia fama pela avó materna, mas que esta era falsa, e que averiguara por muitas inquirições em que escrevera com seu irmão, e que o princípio dela viera de um antecessor desta família dos Carvalhos, que da freguesia de São Clemente viera para a freguesia de Gagos; e que este tivera sangue mole; e perguntando-lhe que era sangue mole, disse que outro antecessor deste que viera para Gagos tinha muitas chagas pelo corpo, de que era cheio de chagas, de que morrera; e que os fregueses de São Clemente o tornaram a desenterrar, dizendo que não queriam que aquele mal sangue se apegasse aos seus defuntos; e que neste caso recorreram a Braga para o tornarem a enterrar com ordem que de lá viera; e que disso se lhe originara a dita fama; disso se ouviu muitas testemunhas, e a mim me parece honesta.

‘O Pe. Fr. André do Rego, religioso de São Domingos, natural e quase sempre morador naquelas vizinhanças, com uma irmã donzela, a que assiste; disse que esses Carvalhos sempre tiveram fama, mas que não obstante ela se ordenaram muitos clérigos, e que em Lisboa estavam dois religiosos paulistas desta família. E que havia um cavaleiro da Ordem de Cristo; e também falou no sangue mole, mas por graça; e disse mais que falando em uma ocasião com um clérigo, admirando-se a ele, de que à vista desta fama se ordenasse, e se fizesse frade todos os que pretendiam; ele lhe respondeu, que não podiam deixar de fazer com as inquirições, pois estava tão espalhada esta família por todas aquelas freguesias, que poucas testemunhas se achariam que não fossem parentes, ou parentes dos parentes, o que comprova com todas as  baixo numeradas, que todas disseram que não tinha fama nem rumor, e é normal que todas sabiam dela, especialmente as da freguesia de São Tiago de Gagos, donde a bisavó materna/ que é a em que está toda a dúvida/ foi natural.

‘Mais testemunhas da freguesia de Molares.

‘Gaspar Carvalho, do lugar de Santo Antônio.

‘Gaspar Teixeira do Combro, Damião Carvalho, estas disseram que era limpo, sem fama nem rumor, e disseram que não eram parentas, mas eu suponho que o são.

‘Testemunhas da freguesia de Santiago de Gagos.

‘Ignácio Machado de Andrade, Antônia da Cunha viúva de Lucas Teixeira, Manoel Coelho, Antônio da Costa, Lourenço Carvalho, Senhorinha da Silva, Pe. Luís Vieira de Andrade vigário de Gagos e natural da mesma freguesia, todas estas disseram que o habilitando era de limpo sangue, sem fama nem rumor em contrário.

‘Testemunhas da freguesia de São Miguel de Caçarilhe.

‘Domingos Gonçalves, Francisco Gonçalves, Antônio da Silva, não achei mais que me desse notícia da avó paterna, mas todas disseram que por esta parte era o habilitando limpo. Amarante, de julho 28 de 1729.

‘Gastei nesta informação só um dia, por fazer juntamente outra desobriga.

‘O comissário Jerônimo Guedes de Miranda”.

Portanto, vê-se que essa fama daquela avó materna era injusta e advinda de preconceitos pelas doenças de pele de um colateral.

Porém, depois foram ouvidas as testemunhas do sertão de Parnaguá, freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande do Sul, Bispado de  Pernambuco, para saber se o capitão-mor Paulo Carvalho da Cunha, era pessoa de bons procedimentos, gênio e costumes, e capaz de ser encarregada em negócios de importância e segredo, como o são os do Santo Ofício; e se vive limpa e abastadamente, e que cabedal terá o seu; se sabe ler e escrever e que idade representa ter; se é solteiro, casado ou viúvo de que lhe ficassem filhos, ou se tem alguns ilegítimos; e outra, se o habilitando ou algum dos seus ascendentes foi preso ou penitenciado pelo Santo Ofício, ou incorreu em alguma infâmia pública ou pena vil de feito ou de direito.

No dia 1º de dezembro de 1729, na povoação e freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande do Sul, em pousada do Reverendo vigário geral o licenciado Luiz Sirqueira Barboza, o dito vigário geral, em face das determinações recebidas, tomou o depoimento das seguintes testemunhas:

1.     Antonio Alves de Carvalho, natural da freguesia de São Martinho do Vale de Bouro, concelho de Celerico de Basto, arcebispado de Braga, homem casado, assistente de partido na fazenda da Sambaíba, deste dita freguesia, de idade que disse ser de 55 anos, pouco mais ou menos, sob perguntas disse: que o dito capitão mor tem assistido tanto nos sertões de Pernaguá, donde é morador, como nas mais partes de onde habitam, se tem havido como é público e notório com grave procedimento, vida e costumes, e acha ele testemunha pelo seu bom modo e capacidade ser capaz de se lhe encarregar qualquer matéria de negócio, importância e segredo, e também sabia que se tratava bem com todo o asseio e modéstia, e tinha uma fazenda de gado sua própria no dito sertão do Pernaguá, que valerá quinze mil cruzados, fora manejo de seu negócio; e também era muito bom escrivão e que poderá ter de idade, pouco mais ou menos quarenta anos; que nunca ouviu dizer que o dito fosse casado, nem viúvo, ou tivesse filhos ainda que ilegítimos; nunca foi preso nem penitenciado pelo Santo Ofício, nem pessoa alguma de sua geração; antes sabia ter sido seu tio o capitão mor Baltazar Carvalho da Cunha, já defunto, familiar do santo Ofício; e também é público e notório que nunca incorreu em nenhuma infâmia pública, nem pena vil de feito ou de direito”.

2.     Pedro Gonçalves Santiago, natural da freguesia de Santiago de Poyar, concelho de Barcelos, arcebispado de Braga, solteiro, assistente nesta freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande do sul, o qual trata de seu negócio, disse ser de 35 a mais, pouco mais ou menos; disse que o pretendente devia ter cerca de trinta e cinco anos de idade para cima e fazenda devia valer para mais de doze mil cruzados;

3.     João Ribeiro Guimarães, natural de Guimarães, freguesia de São Miguel de Paraíso, arcebispado de Braga, solteiro, assistente no sertão de Pernaguá/ que vive de seu negócio/ freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande do Sul, de 40 anos de idade, pouco mais ou menos; disse que a fazenda e demais bens do pretendendo estavam avaliados em vinte mil cruzados; era bom escrivão e contador, e poderia ter a idade de trinta e oito anos, pouco mais ou menos;

4.     Luiz de Araújo Teixeira, natural da freguesia de Santiago de Gagos, arcebispado de Braga, solteiro, assistente na povoação da Barra do Rio Grande do Sul, o qual vive de seu negócio, de idade que disse ser de 35 anos, pouco mais ou menos; disse que o pretendendo tinha cerca de 40 anos de idade, e seu bens entre fazenda e outros valeriam vinte mil cruzados;

5.     Jorge Pereira de Lacerda, natural da Ilha do Faial, freguesia de Castelo Branco, Bispado da Ilha terceira, solteiro, assistente nesta freguesia da Barra do rio Grande do sul, que vive de seus gados, de idade que disse ser de 70 anos, pouco mais ou menos; disse que os bens do pretendente, entre a fazenda de gado no sertão e Pernaguá e outros mais deveriam valer entre dezesseis mil e vinte mil cruzados, e que a idade deste era em torno de 40 anos, pouco mais ou menos.

 

E dessa forma, foi concluída a longa investigação sendo declarada falsa a fama da avó materna e sendo, assim, reconhecido como cristão velho por todos os ramos ancestrais. Faleceu o nosso biografado rico e feliz na freguesia de Nossa Senhora do Livramento de Parnaguá, administrando seu rebanho em meio a imensa parentela que com ele veio de Celerico de Basto e aos mais jovens que iam nascendo no território onde mais tarde seria fundada a vila de Parnaguá, hoje cidade de mesmo nome, no extremo-sul do Piauí.

 

 * REGINALDO MIRANDA, autor do presente ensaio biográfico, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PI.