[Maria do Rosário Pedreira]

Conheci há alguns anos Siri Hustevdt, escritora norte-americana de origem norueguesa que é casada com o romancista Paul Auster. Embora em muitos países ela tenha bastante sucesso e seja uma autora literária muito considerada, a verdade é que, noutros, as pessoas não resistem a referir-se-lhe como «a mulher de Paul Auster» e alguns jornalistas chegam até a perguntar-lhe, durante entrevistas que deviam cingir-se à sua obra, como é ser casada com o escritor norte-americano. Siri confessa que isso a irrita, como também aborreceria certamente Maria Judite de Carvalho ser mencionada como a mulher de Urbano Tavares Rodrigues, sendo ela uma escritora de mão cheia. Há vários escritores que tiveram filhos e netos também escritores – e os herdeiros (como, pelos vistos, os cônjuges) raramente gostam de ser tratados enquanto tal e comparados com os seus antecessores. Viu-se, aliás, no dia do anúncio do Prémio LeYa, como o jovem vencedor Afonso Reis Cabral, que é trineto de Eça de Queirós, logo quis afastar a genética das razões que o tinham levado a arrecadar o galardão, sublinhando que o importante era o livro, e não ele ou os seus genes supostamente literários. Também o escritor Mário de Carvalho tem duas filhas escritoras. O facto de uma não assinar com o apelido do pai livra-a certamente de associações forçadas. Quanto a Ana Margarida de Carvalho, que já assim assinava como jornalista há muito, foi mais difícil afastar a história do parentesco dos comentários e críticas ao seu livro. No entanto, se alguém pensava que era por causa da filiação que a crítica tinha sido tão entusiástica relativamente a Que Importa a Fúria do Mar, pode agora tirar o cavalinho da chuva: apesar de ser um romance de estreia, encontra-se entre os cinco finalistas para o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Português de Escritores, talvez o mais sonante prémio nacional, que será anunciado no mês que vem, e também entre os seis finalistas do Prémio Literário Fernando Namora, da Sociedade Estoril Sol, ao qual concorre também A Segunda Morte de Anna Karénina, de Ana Cristina Silva, que igualmente publico e está nomeada pela terceira vez consecutiva. Uma proeza que só a ela se deve, e a mais ninguém.