Washingon Ramos

   De tanto ver pessoas xingando Paulo Freire na web, decidi ler um livro de sua autoria. Antes de tudo, quero deixar claro que não concordo com xingamentos e desrespeito, principalmente em relação a uma pessoa que já faleceu e, claro, não está mais aqui para se defender. Evidente que assassinos frios e genocidas não se incluem nessa história e merecem sempre o maior desprezo de todos. Não concordo também com alguns eventos que têm ocorrido com a intenção de “desconstruir Paulo Freire.” Ora, qual o sentido disso? O que há por trás disso? Paulo Freire escreveu vários livros sobre educação, foi professor, foi secretário de educação da cidade de S. Paulo. Ou seja, teve uma intensa prática pedagógica. Então que coisa é essa de desconstruí-lo? Pode-se discordar dele, e é até salutar que haja discordância. Acredito até que ele não se irritaria com quem divergisse de suas ideias. Será que alguma obra educativa merece ser desconstruída? Acredito que todas devem permanecer, mesmo que sejam apenas como documentos de uma época. Cheira a algo podre esse papo de desconstrução. Deixo claro também que não sou filiado a nenhum partido político e não escrevo a favor de nenhum.

   Para ler, escolhi, então, Pedagogia do oprimido, um dos livros mais famosos de Paulo Freire. A edição que li é a 5ª, publicada pela editora Paz e Terra, em 1978, no Rio de Janeiro. A 1ª edição dessa obra é de 1970. Tirando-se o desrespeito, as pessoas que criticam esse livro negativamente têm lá sua razão. Trata-se de uma obra que está mais para um panfleto esquerdista ou uma peça de ficção com trocadilhos baratos do que para um livro didático.

   Comecemos pela dedicatória. Ei-la: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.” Que dedicatória, hein! Quanta retórica! Que bela frase para ser declamada! Está mais para versos lacrimejantes do que para algum recurso didático eficiente. Isso é que é jogar para a plateia! O mundo tem hoje 1,3 bilhão de miseráveis, segundo o PNUD. Quantos teria quando saiu a primeira edição desse livro? Talvez 100 milhões. É, pois, uma dedicatória ilusória e muito, muito abrangente, coisa de ficção.

   Agora, para comprovar o caráter panfletário da obra, vamos falar um pouco de citação, recurso muito comum e fundamental em livros de pedagogia. Piaget, Dewey, Freinet, Anísio Teixeira ( este foi um dos fundadores do INEP e batalhou muito pela escola pública e gratuita em todos os níveis.), a filósofa Hannah Arendt, Fernando Azevedo ( este também defendia a escola pública e gratuita para todos ), a turma da Escola Nova nos anos 30, da qual fazia parte Cecília Meireles, e muitos outros pedagogos famosos. Pois é! Nenhum desses estudiosos é citado por Paulo Freire. Entretanto Karl Marx, Mao Tsé-Tung, Che Guevara têm trechos de obras suas transcritos e Fidel Castro ( este tem um trecho de um discurso seu citado ) e Lênin são mencionados. Dessas cinco figuras, apenas a primeira não foi um assassino. Os outros quatro ordenaram o fuzilamento de milhares de pessoas. Além disso, sabe-se hoje que Fidel e Guevara eram homofóbicos  intolerantes e, numa negociação com os EUA, mandaram para esse país homossexuais junto com traficantes, ladrões e estupradores. Isso desmerece totalmente as citações e joga uma pá de cal sobre elas.

   É muito esquisito que o cara deixe de citar educadores famosos, comprovadamente engajados com educação e com obras importantes publicadas, para citar politiqueiros cruéis e defensores de um regime político fajuto, que já foi extinto da maioria dos países em que era efetivado. Uma das razões para esse enorme equívoco é outro equívoco, pois percebe-se que o autor acreditava nesse papo furado de que o socialismo estava criando um novo homem, tola ilusão que o tempo já demonstrou não ter sentido. Ninguém mais hoje acredita nisso.

   Quanto à linguagem, é recheada de trocadilhos infantis, algo como: “O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador.” Há ainda o enfático emprego de palavras e expressões como revolução, revolucionário, liderança revolucionária, massas, consciência dos oprimidos, Terceiro Mundo, educação bancária, libertação, opressor... E muitas outras que revelam o aspecto panfletário do livro. É, portanto, uma obra muito mais preocupada em contribuir para uma revolução comunista do que para a educação de crianças e adultos. Por sinal, nela não são comuns palavras como criança, analfabetismo, didática, ensino, escola pública ou particular, aprovação...

   Mas existe algo ainda mais estranho sobre esse panfleto chamado Pedagogia do oprimido: é haver pessoas que ainda o idolatram 50 anos após sua primeira edição e 31 depois da queda do muro de Berlim. É como diz Mário de Andrade em seu Prefácio Interessantíssimo: “Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu”, principalmente se foram bebidas na juventude, eu complemento.