Panela Velha

[Chagas Botelho]

Domingo passado, aqui em casa, a cozinha esteve em festa. Motivo: aquisição da nova panela de pressão. Não qualquer uma, e sim, daquelas modernas, arrojadas que, pela propaganda, cozinha até pedra. As seis bocas do fogão, ululantes, se acenderam de alegria com a novidade. O botijão de gás, rechonchudo como é, dançou como pôde. O espaço exíguo virou algazarra. A nova peça, recém saída da caixa, sentiu-se tão bem acolhida que quase chorou.

Já não era sem tempo. A outra, a antiga, coitada, ainda dava um caldo, mas andava exaurida. Demorava a cozinhar os alimentos. Meia hora para pegar a pressão, mais uma hora e meia para findar o cozimento. Uma via crucis. Porém, tinha uma grande vantagem: tudo feito nela ficava saboroso. Demorasse o tempo que fosse, a veterana se garantia na qualidade do almoço ou jantar.

No entanto, como disse, ao trabalhar, ela não aguentava o rojão, pedia penico. Implorava pela aposentadoria. Não teve jeito, o uso duradouro a nocauteou.

Agora, a vez era da novíssima. Entraria em ação. Seria inaugurada com pompa. Por isso, logo cedo, corri ao açougue. Ao açougueiro, pedi-lhe que me preparasse a melhor carne para assado de panela. A propósito, aos carnívoros, é claro, levanta o braço quem aqui gosta de assado de panela? Eu amo. O quilo do coxão duro saiu no capricho e aos olhos da cara. Em seguida foi colocado no fundo do alumínio misturado aos temperos.

Esperou-se a pressão fluir com temperatura de expectativa. Quando fluiu, o novo utensílio começou a chiar. De sua válvula de proteção, o chamado pino, emanava um chiado de trem e uma fumaça branca em sinal de que em breve o assado estaria à mesa — apetitoso. Abriu-se uma garrafa de vinho (ouro potável, não é mesmo meu caro Guilherme Gontijo Flores?), uma jarra de suco de maracujá preparada, uma toalha limpa e florida estendida. Todo cenário propício à espera do prato principal. Sacrossanto.

O fogo apagado. Lá vem a panela, novinha em folha, cheia de esperança de um rango supimpa. Todos concentrados no abrir da tampa. Os primeiros eflúvios da iguaria eram aguardados com euforia. Abre! Abre! Abre! Houve gritinhos em uníssono. Destampada a preciosidade. Alguém ousou meter o nariz para sentir o cheiro. Fez cara de desaprovação.

Ainda assim, o manjar foi despejado na travessa. Aí se percebeu o indesejável. Estava todo esfarelado. As toras caninas foram desintegradas. Virou mingau bovino. Colocou-se uma colherada na boca para provar o sabor, também foi reprovado. Por ser estreante, inexperiente, não ter o traquejo da antiga, ou por não prestar mesmo, a nova panela deixou tudo miudinho e sem gosto. O jeito foi almoçar as tirinhas de carne como quem toma sopa. Sem nenhuma voracidade.

Hoje, novamente, teremos assado de panela, mas será cozido na panela velha, eu disse panela velha. Esta sim, sabe como deixar a coisa no ponto. Neste caso, para retardar sua aposentadoria, nem preciso cantar aquela canção sertaneja do Sérgio Reis, não é mesmo?