[WASHINGTON RAMOS]

     Mais propriamente, Os Lusíadas do Brasil. É assim que posso definir A Selva, grande romance de Ferreira de Castro, escritor português que viveu 9 anos em terras brasileiras, principalmente no Pará, de onde tirou farto material para escrever essa narrativa extraordinária.

     Esse livro, assim como a epopeia camoniana, é um texto épico. Mas um épico moderno, em que a bravura não está em super-heróis destemidos e protagonistas de façanhas espetaculares e gloriosas. Um épico não em versos, mas em prosa, e que se concretiza através da selva que tem, como os monstros fabulosos, mil olhos ameaçadores que espiam de todos os lados, “no meio duma natureza complexa e impiedosa, que dava aos homens constantes exemplos de desumanidade.” Portanto, nessa obra, o super-herói é a floresta, que domina homens e animais e a todos oprime inexoravelmente. É ela mesma, que tem vida própria e não depende de homens e bichos. Ela não é o segundo reino da natureza, como nos ensina a biologia. Não, nada disso! É o primeiro.  Ela é autônoma com suas águas, com seus infinitos vegetais: árvores imensas, raízes enormes que chegam a formar coberturas, trepadeiras, lianas, caules, galhos,ramos... “Ali dificilmente se encontrava um palmo de chão que não alimentasse vida triunfante.”

     Mas há outro sentido no romance, que pode ser comparado ao texto de Camões como um contraste. Enquanto em Os Lusíadas o super-herói é Vasco da Gama, que personifica o povo português, em A Selva o anti-herói é a personagem Alberto e os seringueiros, explorados impiedosamente pelo lucro capitalista, representado por Juca Tristão. Enquanto o episódio A ilha dos amores, no texto camoniano, é um prêmio aos portugueses pela façanha de terem conquistado novas terras, nesse romance Alberto tenta fazer sexo com uma velha lavadeira feia e de pele  enrugada e é humilhado e desmoralizado por ela. Há vários outros contrastes entre as duas narrativas, mas é desnecessário continuar a comentá-los. Não creio que o autor os tenha colocado de propósito. Presumo que não pensou neles. Mas o leitor, numa leitura cuidadosa, os percebe.

     Este é o segundo texto de Ferreira de Castro que comento aqui. Destaco, a meus poucos leitores, que esse é um autor que estou descobrindo agora. Mas como é gratificante descobrir um escritor que a gente nunca leu antes. É um dos maiores prazeres que a literatura pode nos dar. É o tipo da atividade que nos dá muita empolgação.

     Por fim, o Brasil tem também sua epopeia. Não a clássica, aquela em versos. Mas um romance épico, um lusíadas dos trópicos. Santa Rita Durão e outros autores tentaram fazer uma epopeia tão genial quanto a camoniana. Não conseguiram. Ferreira de Castro conseguiu.