Os cascos

[Chagas Botelho] 

Os cascos de cerveja e refrigerante já não são como dantes. Mudaram bastante. Como os próprios costumes que, também, sofreram com as vicissitudes do tempo. No caso dos cascos, de retornáveis passaram a descartáveis. Perderam seus valores de mercado. E assim, desprezados, agora, estão por aí à solta. Jogados. Uma tristeza, aliás, uma grande tristeza.

Antes, nos idos anos, se fazia duas viagens para comprar a cervejinha nossa de cada dia. Uma para pegar e outra para devolver o casco ou os cascos. A quantidade, claro, dependia do tipo de farra. Então, era assim: se o freguês não tivesse um casco vazio para repor no engradado, não levava – e não tinha negócio. Voltava de mãos abanando. A troca, de um seco por um cheio, era um exercício obrigatório.

Lembro-me bem. A garrafa era tão valorizada que era vendável. Quando o homem da carrocinha passava na rua e vaticinava: “Oh Dona Maria, ou seu José, compra-se cascos, hein?”. Um bando de menino do meu tope, corria até o quintal e pegava o maior número de garrafas de vidro para comercializar. Era uma festa. Cansei de fazer isso para tirar o trocado do circo, do parque de diversões e da pipoca. É sério. Cheguei a lucrar alguns tostões com a venda de cascos do Kero Guaraná, Simba e Baré Cola. Eram eles que aliviavam a dureza de um rapazinho latino americano sem dinheiro no banco.

Hoje em dia, porém, você vai ao supermercado ou à mercearia da esquina, compra o vasilhame, quantos quiser (tanto de cerveja ou de guaraná) e nem precisa devolver. Não é mais retornável. Com isso, o velho recipiente, tão essencial e absoluto à mesa do brasileiro, perdeu a sua importância. Ficou desvalorizado. E o pior: ficou sem história.

Como não carece retornar de onde veio, não precisa ficar armazenado, não se embrenha mais nas residências. Não participa mais dos humores, dos dissabores e dos prazeres da família, pois, logo é descartado, jogado fora. É até um pecado deixar acumulado em algum canto da casa, sob o risco de virar criadouro do mosquito da dengue e afins. É isso meu caro (a) leitor (a), eu tenho uma pena danada dos cascos do século XXI.