OS BOSON E OS SANTOS – CANTIGAS E ABOIOS - CRÔNICA DE PÁDUA SANTOS
Por Diego Mendes Sousa Em: 14/06/2025, às 12H00

OS BOSON E OS SANTOS – CANTIGAS E ABOIOS
por PÁDUA SANTOS
Hoje – 14 de junho de 2025 – Parnaíba comemora o aniversário de um ano do seu filho Arnaldo Boson Paes.
Magistrado nascido pela primeira vez em Campo Alegre de Lourdes, Bahia, no ano de 1965, pela vontade dos seus pais biológicos e, nesta data, no ano passado de 2024, também nascido na alegre Parnaíba, por determinação da maioria absoluta da Câmara de Vereadores.
É verdade que, ao tomar conhecimento do andamento do processo que culminou com a outorga do título de cidadania ao preclaro desembargador, conversei com alguns edis sobre quem seria o novo parnaibano. Não sendo, todavia, o meu modesto diálogo com os legisladores a causa da aprovação da alvissareira proposição da lavra do vereador Daniel Jackson, como insinuou o agraciado, na página 10 do seu discurso de recebimento proferido na Câmara Municipal e posteriormente publicado a partir da página 35 no Almanaque da Parnaíba – edição de 2024, onde se lê:
“O honroso título de Cidadão Parnaibano que agora recebo é filho da bondade do parente PÁDUA SANTOS. Como vice-prefeito e vereador desta cidade, ele foi tecendo uma teia de amizades. Como poeta, contista e cronista, ele conserva um coração sensível e uma alma generosa. Ao parente, fica minha gratidão e a minha amizade.”
Somente à guisa de ilustração e para trazer um pouco de comicidade ao acontecido, devo dizer que, nas minhas breves conversas com os senhores vereadores, ouvi de um deles – a título de brincadeira, é claro – que o seu voto seria certo, como foi, porque, me dizia ele: “não se deve deixar de votar a favor de homem que veste saia”.
E foi exatamente a saia (diga-se, toga) a real causa da aprovação do bem concedido título, pois não tive a menor dúvida de que obtiveram os legisladores parnaibanos - os mais velhos por conhecimento próprio; os mais novos, por informações que colheram antes da votação - a notícia verídica de como foi o comportamento do Dr. Arnaldo Boson Paes, enquanto Juiz singular em Parnaíba, nos idos de 1990-1993. Notícia verdadeira de como soube usar, com sabedoria e imparcialidade, a sua toga de magistrado perante o foro trabalhista. A toga que é a veste dos magistrados, que teve a sua origem na Roma Antiga e que tem a beca como sua variação usada por membros do Ministério Público e por advogados. Eu, como Defensor Público, usei muito a minha perante o Tribunal Popular do Júri que acontecia, à época, em um escuro e quente salão encravado na parte sombria do Fórum Salmon Lustosa de Parnaíba. Local perfeitamente assemelhado ao escuro porão de um navio negreiro. Ali, no afã de sensibilizar os jurados que também sofriam porque obrigados a comparecer vestidos de paletó e gravata, e ali permanecer quase o dia todo em ambiente sem ar condicionado e sem ventilador, muitas vezes me sentia obrigado a temperar a defesa dos miseráveis assistidos pela Defensoria Pública com a pertinente declamação dos inflamados versos do Condor das Espumas Flutuantes, nos seguintes termos:
[...]
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
tanto horror perante os céus...
Ó mar! porque não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei dos mares, tufão!...”
Beca, a talar vestimenta evocada pelo jurista italiano Piero Calamandrei, autor do belo livro “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, obra considerada um clássico do Direito. Aquele que deixou dito:
[...] “Peço sempre, que como última vontade, eu seja enterrado de beca, porque se a vida for contingente e amanhã eu nada tiver, estarei nela envolto, pois foi com ela que honradamente ganhei a minha vida. Mas se o transcendental existe, do outro lado estiver, estarei com ela. Peço ainda assim, pela palavra por alguns minutos, para sustentar minhas razões: porque se minha beca me ensinou a abrir os portões de masmorras, me ensinará a abrir a porta dos céus”.
Prosseguindo, disse também o bem-vindo conterrâneo, na mesma página 10 de sua apropriada e poética oração, com referência a minha pessoa, que:
[...] “na curta e sinuosa travessia do Buriti dos Lopes a Parnaíba, seus antepassados deixaram para trás o sobrenome da família.”
Atualmente, o meu irmão parnaibano já é sabedor da razão pela qual meus antepassados deixaram para trás o sobrenome Boson da família. No entanto, se faz necessário esclarecer para o conhecimento das futuras gerações:
Minha avó materna Jacy, ao casar-se com José Boson Ribeiro, nos idos de 1919, não adquiriu o “Boson” porque ficou com o “Ribeiro” que provinha dele, o seu marido. E assim ficou: Jacy Pires Ribeiro.
Minha mãe, por força do casamento com o meu pai, dele adquiriu o “Santos”, e ficou: Maria José Ribeiro dos Santos.
Eu, por minha vez, fiquei com o “Ribeiro” da minha mãe e com o “Santos” do meu pai, pois assim determinavam as normas que regulavam os registros cartorários da época e que eram obedecidos por todos da família. Não obstante, eu ainda poderia carregar o Boson se tivesse sido nomeado como José Boson Ribeiro Neto. O que foi pensado, mas não foi possível pela circunstância já bem esclarecida na página 110 do meu livro O Bombardino da Saudade, obra mencionada no discurso agora analisado – página 10.
Ante o exposto, conclui-se que, por imposição do destino e das normas legais observadas, juntaram-se as pessoas e separaram-se os sobrenomes, dando motivo a esta crônica que, além de parabenizar o novel parnaibano, procura esclarecer suave imbróglio do seguinte modo: Monsenhor Boson (Constantino Boson e Lima) – um dos mais importantes educadores do Piauí, muito bem analisado pelo agora parnaibano Arnaldo Boson, no seu excelente livro “Monsenhor Boson, O Missionário da Educação” – Bienal Editora, 2023, é ali, por muitas oportunidades, citado como capelão-cantor das igrejas por onde passou. O meu avô materno – José Boson Ribeiro – seu sobrinho, também carregava o dom de cantar nos templos católicos daquela época. A prova disto é encontrada a partir da página 29 do já mencionado livro O Bombardino da Saudade – Sieart Editora, 2021.
Deste modo, é correto afirmar que minha ascendência - pelo lado de minha mãe, filha legítima do clã Boson – pode ser considerada como família de cantores eclesiásticos. Do lado do meu pai, pelo que sei, nenhum membro aprendeu cantar nos templos, nenhum foi criado frequentando as catedrais ou quaisquer outros ambientes religiosos. Foram todos eles, sem exceção, homens ligados ao sertão e ao obrigatório manejo do gado amesquinhado pela brabeza das secas, e assim considerados vaqueiros. Vaqueiros dos finais das tardes ressequidas pelo escaldante sol do Norte. Homens da pele tostada que, não sabendo cantar as músicas eruditas, improvisavam, aos quatro ventos, o canto vulgar e chamativo do gado para o aparentemente manso e falso aconchego dos currais:
O aboi - plangente melopeia através da qual os vaqueiros guiam suas boiadas ou chamam os bois dispersos que em muitas das vezes são impiedosamente abatidos às machadadas e facadas, depois de encurralados pela última vez. Romântica súplica muito bem cantada por Elmar Carvalho, amigo do novo parnaibano e também do cronista autor desta singela peça. Poeta apropriadamente citado na bem-feita oração agora lembrada e comentada. Poeta autor da excelente “Elegia a Campo Maior”, publicada na página 79 da sua “Lira dos Cinquenta Anos” – FUNDAPI, 2006:
“À tarde o aboio dolente do vaqueiro
partia a solidão que tudo presidia.
E o aboio sem resposta
- eco de si mesmo – repetia-se e se extinguia.
O canto rascante e áspero de grilos e cigarras
arranhava o veludo macio do silêncio.”
É tudo verdade, meus caros amigos desembargador Arnaldo Boson e poeta Elmar Carvalho. Os grilos e as cigarras, com a aspereza de suas toadas, realmente arranham o veludo do silêncio, mas com certeza não conseguirão arranhar a mensagem de sinceros e efusivos parabéns que hoje dedico ao ilustre campo-alegrense-parnaibano, pois é o que pretendo com esta crônica que também invoca o canto do meu pai – aquele que trouxe o Santos para o lugar do Boson; aquele que, não sabendo cantar música erudita, usava o seu aboio que teve, e terá, para todo o sempre, a sua resposta na saudade que vem irmanada à lembrança que dia e noite insiste em me acompanhar.
O aboio que me ensinou a ser como aquela rês arisca, que embora mantendo certa desconfiança da aproximação do curral da morte, sempre levanta a cabeça, empina as orelhas e sacode a poeira do lombo para livremente caminhar, malgrado um pouco acanhada pela ausência de um pedigree considerado mais raro e importante. Aquela que, mesmo assim, vai sempre em frente, determinada, em busca da almejada porteira do curral da vida.
*Crônica de Pádua Santos, elaborada a título de presente ao Dr. Arnaldo Boson Paes, no dia do seu aniversário de um ano – Parnaíba, 14 de junho de 2025.
Sobre Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos:
https://portalcostanorte.com/depoimento-sobre-antonio-de-padua-ribeiro-dos-santos/