O TERCEIRO BEIJO

     Conheci Fabrício no Liceu Piauiense. Estudávamos na mesma turma, mais exatamente na Sala da Congregação, com a qual a gente se defrontava assim que terminava de subir a escada para o primeiro andar. Cursávamos o terceiro ano do Científico, hoje Ensino Médio, em 1973.

     Fabrício era o tipo de pessoa da qual todo mundo quer ser amigo: educado, gentil, tranquilo, fala mansa, inteligente, solidário e sempre distante de mentiras e fofocas. Quando, em roda de conversa, alguém falava mal de algum amigo ausente, Fabrício procurava justificar o comportamento do criticado, dizia que era porque ele devia estar passando por algum problema grave, que no fundo era uma pessoa boa e às vezes dizia literalmente: “Não diga isso de nosso amigo, ele é uma pessoa do bem.”  Fabrício jamais botava futrica para frente. Ele seguia rigidamente a lei das três peneiras.

     Fabrício era tão bondoso, que nunca negava ajuda a um amigo. Uma vez o vi ficar sem um centavo, pois dera o que tinha na carteira para um amigo nosso voltar de ônibus para casa. Muitas vezes, ele pagava a merenda para nós quatro(eu, ele, Cafuringa e Xerxes). Pulávamos o muro do velho Liceu e íamos tomar caldo de cana com pão bahia numa garapeira que havia ali na rua Barroso.

     Mas Fabrício tinha um defeito que não dependia de sua vontade: ele não tinha sorte com garotas. Não era feio, mas, inexplicavelmente, as meninas o rejeitavam. Contou-me que, aos 17 anos, não tivera ainda uma namorada fixa; que só fora beijado duas vezes em toda sua vida. “E sua mãe nunca te beijou?”, perguntei.  “Já, sim, muitas vezes. Mas estou falando de beijo de garotas.” “Ontem eu vi a Márcia te beijar no rosto, Fabrício. Foi um beijinho muito leve e rápido, mas todo mundo notou que Você ficou todo arrepiado.”  “Luiz, eu quase morri de vergonha e ao mesmo tempo de felicidade. Não sei o que levou a Márcia a me beijar sem motivo nenhum. Sei lá... Já notei que as garotas têm rompantes comigo. Aproximam-se de mim entusiasmadas, mas logo se afastam. Aquele beijo da Márcia foi mais um rompante de mulher em minha vida. Foi tão bom. Quando será o terceiro beijo?” “E o primeiro, Fabrício, foi quando?” “Ah, Luiz, o primeiro foi há seis meses, dado pela Roberta, uma garota que começou a namorar comigo num sábado e terminou no outro dia, no domingo. Foi beijo no rosto também. Não sei o que é beijar os lábios de uma mulher. O mais triste é que alguns dias depois eu a vi com outro cara. Os dois abraçados, sorrindo, conversando, passando ali na calçada do Colégio das Irmãs. Eu estava no outro lado da avenida Frei Serafim, ali na calçada da Telepisa. Eles não me viram. Foi duro para mim ver aquele casal tão alegre, e eu tão sozinho. Não sei se Você sente o quanto minha vida é triste.  Olha, Luiz, já estou tomando a decisão de esquecer de vez essa coisa de namoro.” “Calma, Fabrício, não desista. Você não é o único nessa situação. Há muita gente mais bonita, mais inteligente, muito mais rica do que Você, mas sozinha, sem ninguém.” “Sei não, Luiz... Depois do vestibular, vou passar uns dias no sítio de meu avô em Floriano...”

     Ele me contou isso já perto do final do ano letivo. Concluímos o Científico e nunca mais eu soube notícias do Fabrício, não sei se ele conseguiu o terceiro beijo.