O romance de adultério
Por Bráulio Tavares Em: 31/05/2011, às 16H17
[Bráulio Tavares]
A crítica chama de “literatura mainstream” a corrente principal da  literatura, ou seja, o romance realista em geral, que descreve a vida como ela  é, os costumes das classes sociais, a existência cotidiana, etc. Em geral, esse  conceito é contraposto à literatura dita “de gênero”: o romance policial, de  terror, de ficção científica, de faroeste, de humor, etc. Estes seriam gêneros  especializadíssimos e que, talvez por isto mesmo, são incapazes de reproduzir  toda a complexidade do mundo de hoje. 
Mas podemos considerar também que  um gênero literário é uma espécie de repetição ritual de temas e situações que  por variados motivos nunca deixam de encontrar leitores. O que é o romance de  detetive? A história de um crime violento que ninguém sabe como e por quem foi  cometido; e de um homem (o Detetive) que consegue interpretar da única maneira  correta uma porção de indícios que os outros viram e não compreenderam e prender  o criminoso. É a Razão servindo de instrumento para punir a Transgressão. Por  motivos variados esse tipo de história nunca deixa de ter leitores. Uns são  atraídos pela fascinação da Violência, outros pela conquista do reequilíbrio  pela Sociedade, e outros (eu, p. ex.) pelas inesgotáveis manifestações da  Inteligência. 
Dentro do romance social e psicológico há um subgênero  importantíssimo, mas que a crítica não costuma identificar como tal. Eu o chamo  o Romance de Adultério: aquele em que uma instituição crucial da sociedade, o  casamento patriarcal e monogâmico, é ameaçado pelo comportamento individualista  e transgressor de uma ou mais pessoas. Dentro desta rubrica caberiam clássicos  como Anna Karenina de Tolstoi, Madame Bovary de Flaubert,  O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence, Dom Casmurro de  Machado de Assis, O Amor Conjugal de Alberto Moravia e milhares de  outros. Estes livros são considerados “mainstream” porque ninguém até hoje se  mobilizou para defender a criação de um gênero que os abarcasse e que se certa  forma “chamasse” a criação de novas obras baseadas neles. Essa criação se dá  invisivelmente, dentro do mercado literário que já existe.
É curioso que  este tema não tenha sido cristalizado em gênero, como foi o assassinato (através  do romance policial). A dualidade casamento/adultério, segurança/aventura,  respeitabilidade/transgressão tem sido uma inspiração constante da literatura  nos últimos séculos, e gerou obras magníficas como estas que citei acima e  muitíssimas outras. Alguns autores retornaram de maneira quase obsessiva ao  tema. Machado de Assis, talvez pelo fato de publicar muitos dos seus contos em  jornais e revistas voltadas para o público feminino, falou do assunto sob todos  os ângulos possíveis. E no entanto a crítica planta firmemente esses romances  dentro do território indiferenciado do “romance realista psicológico urbano” ou  coisa parecida, quando, para transformá-lo em gênero, bastaria criar uma coleção  e formalizar uma teoria.

                                                        